Estado dos direitos humanos
Senhor Presidente!
Desejo antes de mais dirigir-lhe as minhas felicitações pela sua eleição para a direcção desta Sessão do Conselho dos Direitos do Homem, num momento particularmente significativo para a vida da Organização das Nações Unidas, cuja finalidade está directamente relacionada com o respeito e com a salvaguarda dos direitos humanos.
O novo Conselho dos Direitos do Homem constitui uma etapa do importante combate no centro de qualquer actividade política, nacional e internacional. Nós chegamos a um momento-chave: as normas internacionais dos Direitos humanos, que já reconhecem os elementos fundamentais da dignidade do homem assim como cada um dos direitos fundamentais que deles derivam, orientam-se agora para a criação de procedimentos para garantir a consecução efectiva desses direitos.
A Santa Sé deseja contribuir para o debate em curso, segundo a natureza e as suas perspectivas específicas, sempre em vista de oferecer uma reflexão fundamentalmente ética, que contribua para as decisões de ordem política que aqui devem ser tomadas.
No direito e na consciência moral da comunidade internacional de hoje, a dignidade do homem manifesta-se como semente da qual nascem todos os direitos e substitui-se à vontade soberana e autónoma dos Estados como fundamento último de qualquer sistema jurídico, incluindo o sistema jurídico internacional. Trata-se de um desenvolvimento irreversível mas, ao mesmo tempo, é fácil verificar que em numerosos países, a realização deste princípio supremo não foi acompanhado por um respeito efectivo dos direitos humanos.
Ao contrário, uma visão panorâmica do mundo mostra-nos que a situação dos direitos humanos é preocupante. Se se considera o conjunto dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos Tratados internacionais relativos aos direitos económicos, sociais e culturais, e os direitos civis e políticos, assim como outros instrumentos, todos eles são gravemente violados em numerosos países, infelizmente também em certos membros do novo Conselho.
Existem também governos que continuam a pensar que é o poder que determina, em última análise, o conteúdo dos direitos humanos e que, por conseguinte, pensam estar autorizados a recorrer a práticas aberrantes. Impor o controle dos nascimentos, negar em certas circunstâncias o direito à vida, pretender controlar a consciência dos cidadãos e o acesso à informação, negar o acesso a um processo judiciário público e ao direito de garantir a sua defesa, reprimir os dissidentes políticos, limitar indistintamente a imigração, permitir o trabalho em condições degradantes, aceitar a discriminação da mulher, restringir o direito de associação; são apenas alguns exemplos dos direitos mais desprezados.
2. Importância do novo Conselho
O novo Conselho dos Direitos do Homem está chamado a eliminar o abismo entre o conjunto dos enunciados do sistema das convenções dos direitos humanos e a realidade da sua aplicação nas diferentes partes do mundo. Todos os Estados, Membros deste Conselho, deveriam assumir individual e colectivamente a responsabilidade da sua defesa e promoção.
Ao mesmo tempo, a articulação hierárquica entre os organismos mais importantes das Nações Unidas manifesta claramente o desejo da Organização de renovar a sua credibilidade aos olhos da opinião pública mundial. De facto, o Conselho pode e deve ser o instrumento que orienta todas as políticas internacionais e nacionais para aquilo que, segundo os votos de um Papa que sempre defendeu a grande causa das Nações Unidas, é a sua razão de ser: o serviço ao homem, a adesão, plena de solicitude e de responsabilidade, os problemas e as tarefas essenciais da existência terrena, na sua dimensão e no seu alcance sociais, dos quais depende também, ao mesmo tempo, o bem de cada pessoa" (cf. João Paulo II, Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, 2 de Outubro de 1979, n. 6).
3. Direito à vida, à liberdade de consciência e de religião
Senhor Presidente!
Se o princípio do valor inalienável da pessoa humana é como nós pensamos a fonte de todos os direitos humanos e de qualquer ordem social, permiti que realce dois corolários essenciais.
O primeiro é a afirmação do direito à vida desde o primeiro momento da existência humana, isto é, desde a concepção, até ao seu fim natural: o homem e a mulher são pessoas pelo simples facto que existem, e não pela maior e menor capacidade de se expressar, de entrar em relacionamento e de fazer valer os seus direitos. Nunca um governo, um grupo ou um indivíduo pode arrogar-se o direito de decidir sobre a vida de um ser humano como se ele não fosse uma pessoa, reduzindo-o à condição de objecto para servir outras finalidades, mesmo que sejam grandes e nobres.
O segundo corolário diz respeito aos direitos à liberdade de consciência e à liberdade religiosa, porque o ser humano tem uma dimensão interior e transcendente, que faz parte integrante do seu próprio ser. Negar esta dimensão, seria atentar gravemente contra a dignidade humana; negaria a liberdade de espírito; diria ainda mais: seria atentar contra a própria existência humana, porque se trataria de transformar o homem num simples mecanismo de um projecto de organização social. Unicamente mediante a liberdade de consciência o homem é capaz de se reconhecer a si mesmo e de reconhecer o seu próximo na sua dimensão transcendente, transformando-se assim num elemento vivo da vida social. Quanto à liberdade religiosa, nas suas dimensões pessoal e comunitária, privada e pública, permite que o homem viva o relacionamento mais importante da sua vida, a relação com Deus, de maneira pura e sem astúcias que são indignas dele e que são ainda mais indignas de Deus. Esta é a dimensão íntima e fundamental da liberdade que as Autoridades do Estado devem salvaguardar e não menosprezar, respeitar e não violar. Neste campo, cada violação pela força é uma violação do campo de Deus.
Portanto, como qualquer outra liberdade, a liberdade religiosa deve inserir-se harmoniosamente no contexto de todas as liberdades humanas. Ela não pode ser considerada arbitrária: deve também desenvolver-se de modo harmonioso e, sobretudo, no respeito atento da liberdade religiosa do próximo, no âmbito das leis válidas para todos. O Estado deve fazer-se, ao mesmo tempo, promotor e garante deste clima geral de liberdade responsável.
4. Atitude que se espera do Conselho dos Direitos do Homem
País algum, sejam quais forem as circunstâncias e o seu nível de desenvolvimento económico, se pode subtrair à obrigação estreita de respeitar todos os direitos humanos. Eles não podem ser mais extensos em certas culturas do que noutras, pois não existem países nos quais os homens e as mulheres têm um grau de dignidade humana inferior aos homens e às mulheres de outros países.
A Santa Sé lança um apelo a todos os países chamados a fazer parte pela primeira vez do Conselho dos Direitos do Homem. Em primeiro lugar, espera deles uma atitude exemplar, que se concretize por um exame sincero e profundo dos limites injustamente impostos aos direitos humanos em primeiro lugar dentro do seu território e que se comprometam a restabelecer esses direitos na sua integridade, seguindo as orientações imparciais da Comunidade internacional.
Os países ricos devem compreender que a consecução dos direitos humanos por parte de todos os habitantes, incluindo os imigrados, não está em contraste com a manutenção e com o crescimento do bem-estar geral nem com a preservação dos valores culturais. Os países em vias de desenvolvimento devem compreender que o processo de desenvolvimento económico e a promoção da justiça e da igualdade social seriam muito mais eficazes e rápidas se se reconhecer plenamente os direitos humanos em vez de não os respeitar por motivos utilitaristas. A Santa Sé acredita no homem. A fé e a confiança em cada homem, em cada mulher, nunca virá a faltar.
5. Conclusão
Senhor Presidente!
A resposta que o Conselho dos Direitos do Homem dará para os desafios de liberdade em numerosos países do mundo começando pelos próprios membros do Conselho põe em questão a credibilidade das Nações Unidas e de todo o sistema jurídico internacional. A Santa Sé seguirá com atenção e dedicação o seu trabalho. Na sua posição de Observador junto das Nações Unidas, a Santa Sé está disposta a oferecer a sua total colaboração, para que a acção do Conselho dos Direitos do Homem permita que seja efectivamente respeitada a dignidade de todos os homens e mulheres.
Agradeço a vossa atenção.