Sua Excelência Senhor Jacques Diouf
Director-Geral da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
O tema escolhido este ano para o Dia Mundial da Alimentação: "A segurança alimentar mundial: os desafios da mudança climática e das bioenergias" permite reflectir sobre aquilo que se realiza na luta contra a fome e sobre os obstáculos contra a acção da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), diante dos renovados desafios que ameaçam a vida da família humana.
Este Dia celebra-se num momento particularmente difícil para a situação alimentar, dado que a disponibilidade de alimentos parece insuficiente em relação ao consumo, e que as condições climáticas contribuem para pôr em perigo a sobrevivência de milhões de homens, de mulheres e de crianças, obrigados a abandonar a própria terra para ir em busca de alimentos. Estas circunstâncias implicam que, juntamente com a FAO, todos possam responder em termos de solidariedade, mediante acções livres de qualquer condicionamento e realmente ao serviço do bem comum.
No passado mês de Junho, a Conferência de alto nível foi a ocasião para a FAO recordar à comunidade internacional as suas responsabilidades directas diante da insegurança alimentar, quando as formas de assistência de base nas situações de urgência correm o risco de ser limitadas. Na mensagem que então dirigi aos seus participantes, indiquei a necessidade de adoptar "medidas corajosas, que não capitulem diante da fome e da subalimentação, como se se tratasse simplesmente de fenómenos endémicos e insolúveis" (Mensagem à Conferência de alto nível sobre a segurança alimentar mundial, 2 de Junho de 2008).
O primeiro compromisso consiste em eliminar os motivos que impedem um respeito autêntico pela dignidade da pessoa. Os instrumentos e os recursos de que o mundo dispõe nos dias de hoje podem oferecer alimentos suficientes para satisfazer as necessidades crescentes de todos. Demonstram-no os primeiros resultados dos esforços em vista de aumentar os níveis globais de produção diante da carência verificada nas últimas colheitas. Então, por que não é possível evitar que tantas pessoas sofram de fome, até às consequências mais extremas?
Os motivos desta situação, em que muitas vezes coexistem a abundância e a penúria, são numerosos. Pode-se então citar a corrida ao consumo, que não se detém apesar de uma menor disponibilidade de alimentos, e que impõe reduções forçadas à capacidade alimentar das regiões mais pobres do planeta, ou a falta de vontade decidida para concluir as negociações e para impedir os egoísmos de Estados e de grupos de países, ou ainda para pôr fim a esta "especulação desenfreada", que atinge os mecanismos dos preços e do consumo. A ausência da correcta administração dos recursos alimentares, causada pela corrupção na vida pública, ou os crescentes investimentos em armamentos e tecnologias militares sofisticadas, em detrimento das necessidades primárias das pessoas, desempenham igualmente um papel importante.
Estes motivos tão diferentes entre si encontram a sua origem num falso sentido dos valores sobre os quais se deveriam alicerçar as relações internacionais, e de modo particular nesta atitude difundida na cultura contemporânea que privilegia exclusivamente a corrida aos bens materiais, esquecendo-se da verdadeira natureza da pessoa humana e das suas aspirações mais profundas. Infelizmente, o resultado é a incapacidade que muitas pessoas têm de se responsabilizar pelas necessidades dos pobres e de os compreender, negando assim a sua dignidade inalienável.
Uma campanha eficaz contra a fome exige, por conseguinte, muito mais do que um simples estudo científico para enfrentar as mudanças climáticas ou para destinar em primeiro lugar a produção agrícola ao uso alimentar. É necessário, antes de tudo, voltar a descobrir o sentido da pessoa humana, na sua dimensão individual e comunitária, a partir do fundamento da vida familiar, manancial de amor e de carinho do qual deriva o sentido da solidariedade e da partilha. Este contexto corresponde à necessidade de construir relacionamentos entre os povos, fundamentados numa constante e autêntica disponibilidade de tornar cada país capaz de satisfazer as necessidades das pessoas carentes, mas também de transmitir a ideia de relacionamentos alicerçados no intercâmbio de conhecimentos recíprocos, de valores, de assistência tempestiva e de respeito.
Trata-se de um compromisso em benefício da promoção de uma justiça social efectiva nos relacionamentos entre os povos, que exige que cada um esteja consciente de que os bens da Criação são destinados a todos e que na comunidade mundial a vida económica deveria ter em vista a partilha destes bens, o seu uso duradouro e a justa repartição dos benefícios que dela derivam.
No contexto mutável das relações internacionais, onde parecem aumentar as incertezas e onde se entrevêem novos desafios, a experiência até agora acumulada pela FAO juntamente com a experiências das demais instituições que trabalham na luta contra a fome pode desempenhar um papel fundamental para promover um modo renovado de entender a cooperação internacional. Uma condição essencial para aumentar os níveis de produção, para garantir a identidade das comunidades indígenas e também a paz e a segurança no mundo, é garantir o acesso à terra, favorecendo deste modo os trabalhadores rurais e promovendo os seus direitos.
Em todos estes esforços, a Igreja católica está próxima de vós, como testemunha a atenção com a qual a Santa Sé acompanha a actividade da FAO desde 1948, sustentando constantemente os vossos esforços, a fim de que se possa dar continuidade ao compromisso em prol da causa do homem. Concretamente, isto significa abertura à vida, respeito pela ordem da Criação e adesão aos princípios éticos que, desde sempre, se encontram na base do viver social.
Com estes bons votos, invoco a Bênção do Altíssimo sobre Vossa Excelência, Senhor Director-Geral, assim como sobre todos os representantes das nações, a fim de que assim vós possais trabalhar com generosidade e com sentido de justiça pelas pessoas mais necessitadas.
Vaticano, 13 de Outubro de 2008.
BENEDICTUS PP. XVI
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