PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
A mesa do avô
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 47 de 21 de Novembro de 2013
O Papa Francisco voltou a exaltar o papel precioso dos idosos na Igreja e na sociedade. Falou sobre isto durante a missa celebrada na manhã de 19 de Novembro, na capela de Santa Marta.
A sua homilia começou com uma pergunta: «O que deixamos como herança aos nossos jovens?». Para responder, o Pontífice evocou a narração contida no segundo livro dos Macabeus (6, 18-31) no qual se narra o episódio do sábio ancião Eleazar, um dos escribas mais estimados que, em vez de comer a carne proibida para agradar ao rei, abraçou voluntariamente o martírio. De nada serviram os conselhos dos seus amigos, que o exortavam a fingir que comia aquele alimento para se salvar. Preferiu morrer entre os sofrimentos, para não dar um mau exemplo aos outros, sobretudo aos jovens. «Um idoso coerente até ao fim» — definiu-o o Santo Padre — em cujo comportamento exemplar é possível reconhecer «o papel dos idosos na Igreja e no mundo».
«Este homem — explicou — não duvida diante da escolha entre a apostasia e a fidelidade. Tinha muitos amigos, que o queriam levar a assumir um compromisso: “Finge e poderás continuar a viver”. É a atitude do fingir, do fingir piedade e religiosidade, que Jesus condena com uma palavra muito forte no cap. 23 de Mateus: a hipocrisia. Ao contrário, «este nonagenário bondoso e estimado pelo seu povo não pensa em si mesmo, mas só em Deus, para não o ofender com o pecado da hipocrisia e da apostasia. Mas pensa também na herança» que deve deixar, pensa nos jovens. E na Escritura a palavra jovens é usada com frequência.
Eleazar pensava no que deixaria em herança aos jovens com a sua escolha. E perguntava: «Um compromisso, uma hipocrisia, ou a verdade que procurei seguir sempre?». Eis «a coerência deste homem, da sua fé — disse — mas também a responsabilidade de deixar uma herança nobre».
«Vivemos numa época em que os idosos não contam. É feio dizê-lo — frisou o Papa — mas são descartados porque incomodam». Contudo, «os idosos deixam-nos em herança a história, a doutrina e a fé. São como o bom vinho envelhecido e dentro de si têm a força para nos deixar uma herança nobre».
A este propósito, o Papa referiu-se ao testemunho de outro grande ancião, Policarpo. Condenado à fogueira, «quando o fogo começou a queimá-lo» — recordou — sentiu-se ao seu redor o perfume de pão cozido. Os idosos são: «Herança, vinho bom, pão bom». Ao contrário, «neste mundo pensa-se sobretudo que eles incomodam».
Aqui, o Pontífice voltou com a memória à sua sua infância: «Recordo que quando éramos crianças nos contavam esta história. Havia uma família, um pai, uma mãe e muitos filhos. E havia um avô que vivia com eles. Mas era idoso e à mesa, quando comia a sopa, sujava tudo: a boca, o guardanapo... não fazia uma linda figura! Um dia o pai disse que, considerando o que acontecia com o avô, a partir do dia seguinte ele teria comido sozinho. Comprou uma mesinha e pô-la na cozinha; assim o avô comia sozinho na cozinha e a família na sala de jantar. Depois de alguns dias o pai voltou para casa e encontrou um dos seus filhos a brincar com um pedaço de madeira. Perguntou-lhe: “O que fazes?”. “Estou a brincar de carpinteiro”, respondeu o menino. “E o que estás a construir?”. “Uma mesinha para ti, para quando fores idoso como o avô”. Esta história fez-me muito bem a vida inteira. Os avós são um tesouro».
Voltando ao ensinamento das Escrituras, a propósito dos idosos, o Papa referiu-se à carta aos Hebreus (13, 7), na qual «se lê: “Lembrai-vos dos vossos guias que vos pregaram a palavra de Deus. Considerai como eles souberam encerrar a carreira. E imitai a sua fé”. A memória dos nossos antepassados leva-nos à imitação da fé. É verdade, às vezes a velhice é um pouco desagradável, devido às doenças que comporta. Mas a sabedoria dos nossos avós é a herança que nós devemos receber. Um povo que não preserva os avós, que não respeita os avós, não tem futuro porque perdeu a memória. Diante do martírio, Eleazar está consciente da responsabilidade que tem em relação aos jovens. Pensa em Deus, mas também nos jovens: “Devo dar o exemplo de coerência aos jovens até ao fim”».
«Far-nos-á bem pensar nos numerosos idosos e idosas nas casas de repouso e também naqueles que — esta palavra é feia, mas digamo-la — são abandonados pelos seus entes queridos», acrescentou o Santo Padre, recordando que «eles são o tesouro da nossa sociedade. Oremos por eles para que sejam coerentes até ao fim. Este é o papel dos idosos, este é o tesouro. Oremos pelos nossos avós que muitas vezes desempenharam um papel heróico na transmissão da fé em tempos de perseguição». Sobretudo no passado, quando os pais e as mães muitas vezes não ficavam em casa ou tinham ideias estranhas, confundidas por ideologias em voga naquela época, «eram precisamente as avós que transmitiam a fé».
E na missa de segunda-feira, 18 de Novembro, concelebrada pelo arcebispo Pietro Parolin, secretário de Estado, o Papa reflectiu sobre a ameaça que percorre o mundo. É a «globalização da uniformidade hegemónica» caracterizada pelo «pensamento único», através da qual, em nome de um progressismo que depois se revela imaturo, não hesita em negar as próprias tradições e identidade. O que nos deve consolar é que diante de nós está sempre o Senhor fiel à sua promessa, que nos espera, ama e protege. Nas suas mãos iremos seguros pelo caminho. O que nos deve consolar, concluiu o Pontífice, é que «diante do caminho marcado pelo espírito do mundo, pelo príncipe deste mundo», um caminho de infidelidade, «sempre permanece o Senhor que nunca se nega a si mesmo, o fiel. Ele espera-nos sempre; ama-nos muito» e está pronto a perdoar-nos, até quando damos um pequeno passo neste caminho, e a tomar-nos pela mão, como fez com o seu povo dilecto para o tirar do deserto.
Contra o espírito de «curiosidade mundana» e a ansiedade de conhecer o futuro, procurando apropriar-se também dos projectos de Deus, advertiu o Papa Francisco na missa celebrada na manhã de quinta-feira, 14 de Novembro.
A meditação do Pontífice inspirou-se na primeira leitura da liturgia, tirada do Livro da Sabedoria (7, 22-8, 1). O trecho bíblico, explicou, «dá-nos uma descrição do estado da alma do homem e da mulher espirituais», quase um bilhete de identidade espiritual do verdadeiro cristão que vive «na sabedoria do Espírito Santo». A sabedoria fundada num «espírito inteligente, santo, único, múltiplo, subtil». A atitude correcta é «ir em frente, dizem os santos, com espírito bom». Portanto, o cristão é chamado a «caminhar na vida com este espírito: o espírito de Deus que nos ajuda a julgar, a tomar decisões segundo o coração de Deus. E este espírito dá-nos paz, sempre. É o espírito de paz, o espírito de amor, o espírito de fraternidade».
Precisamente este «espírito de curiosidade — explicou — afasta-nos do espírito da sabedoria», porque nos impele a ver só «os detalhes, as notícias, as pequenas notícias de cada dia: como se fará isto? É o como, o espírito do como». Segundo o Papa, «o espírito de curiosidade não é um espírito bom: é o espírito de dispersão, de afastamento de Deus, o espírito de falar demais».
A este propósito, Jesus diz-nos «algo interessante: este espírito de curiosidade, que é mundano, leva-nos à confusão». O Santo Padre explicou-o, recordando as palavras de Jesus referidas pelo trecho evangélico: «Virão dias em que desejareis ver um só dia o Filho do homem, mas não o vereis. Dir-vos-ão: “Ei-lo ali”, ou então: “ei-lo aqui”». Nestes casos — frisou — é a «curiosidade» que nos impele a «sentir estas coisas. Dizem-nos: O Senhor está aqui, ali, lá! Mas conheço um vidente, uma vidente que recebe cartas de Nossa Senhora, mensagens de Nossa Senhora». E o Pontífice comentou: «Mas, olha, Nossa Senhora é Mãe! E ama todos nós. Mas não é um chefe dos correios, para enviar mensagens todos os dias». Na realidade, «estas novidades afastam do Evangelho, do Espírito Santo, da paz e da sabedoria, da glória de Deus, da beleza de Deus».
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana