PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Não à cultura da indiferença
Terça-feira, 8 de janeiro de 2019
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 03 de 15 de janeiro de 2019
Francisco alertou contra a «cultura da indiferença», exortando a favorecer «o primeiro passo que Deus sempre dá rumo a nós» e a prestar atenção às necessidades das pessoas, sobretudo das mais pobres, «sem nunca nos virarmos para o outro lado».
No início da celebração o Pontífice quis oferecer a missa «pelo eterno repouso de sua excelência D. Giorgio Zur, ex-núncio apostólico na Áustria, arcebispo titular de Sesta, que morou em Santa Marta, falecido ontem à meia-noite».
«A primeira carta de São João Apóstolo está centrada no amor: é uma exortação ao amor», afirmou o Papa referindo-se ao trecho hodierno proposto pela liturgia (1 Jo 4, 7-10): «Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus». Portanto, o amor — reiterou Francisco — «vem de Deus». Mas esta «palavra “amor” — evidenciou — muitas vezes é usada superficialmente: até uma telenovela venezuelana fala de amor, dizendo: “ah, que bonito o amor! Tudo é amor”».
Por sua vez, prosseguiu o Pontífice, «João vai um pouco além para explicar o que é o amor: “Nisto se manifestou o amor de Deus para connosco: em ter enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por Ele”». Por conseguinte, «não fomos nós a amar a Deus mas foi Ele que nos amou».
É precisamente «este — afirmou o Papa — o mistério do amor: Deus amou-nos em primeiro lugar, amou-nos primeiro, deu o primeiro passo e disto vem o amor». Deu «este primeiro passo em direção a cada um de nós, à humanidade que não sabe amar, tem necessidade das carícias de Deus para amar, do ensinamento de Deus para amar, do testemunho de Deus». E «este primeiro passo que Deus deu é o seu Filho: enviou-o para nos salvar e dar um sentido à vida, para nos renovar e nos recriar». É exatamente «este o amor: é o primeiro passo» e «Deus dá sempre o primeiro passo: Deus ama-nos primeiro».
«Para compreender bem isto — sugeriu Francisco, referindo-se ao excerto evangélico de Marcos (6, 34-44) — podemos considerar o trecho do Evangelho que acabámos de ler, e nele encontramos uma palavra que explica tudo». Portanto «por que Deus fez isto? Por “compaixão”». De facto, lê-se no Evangelho: “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque eram como ovelhas sem pastor”.
Eis que, explicou o Pontífice, «o coração de Deus, o coração de Jesus comoveu-se e viu aquelas pessoas, e não pôde permanecer indiferente: o amor é inquieto, o amor não tolera a indiferença, o amor sente compaixão». Mas a compaixão, recordou Francisco, «significa pôr o coração em jogo, quer dizer misericórdia» e assim «orientar o próprio coração para os outros: o amor é isto». Portanto, «o amor é pôr o coração em jogo para os outros e — diz o Evangelho — “Jesus pôs-se a ensinar-lhes muitas coisas”».
«Havia os discípulos — prosseguiu o Papa — que começaram a ouvir Jesus e depois, certamente, aborreciam-se porque Jesus dizia sempre as mesmas coisas: “Mas nós já sabemos isto”. E talvez, penso, começavam a falar entre eles, não sei, sobre futebol, sobre outro assunto, sobre as questões do momento». Assim enquanto «Jesus “ensinava”, com amor, com compaixão», eis que «os discípulos olhavam para o relógio e diziam “é tarde...”».
Com efeito, explicou Francisco, o Evangelho continua com estas palavras: “A hora já estava bem avançada quando se achegaram a Ele os seus discípulos e disseram: “Este lugar é deserto, e já é tarde. Despede-os, para irem aos sítios e aldeias vizinhas a comprar algum alimento”». Efetivamente, observou Francisco, «era tarde, começava a escurecer, o lugar era deserto, tinham fome» e não teria sido fácil ir «pelos campos: naquele tempo não havia iluminação pelas estradas, era tudo escuro». Como dizer: «que se arranjem e comprem o pão; mas nós estamos garantidos», porque «eles sabiam que tinham pão e queriam conservá-lo: é a indiferença».
«Aos discípulos não interessavam as pessoas: interessava Jesus, porque o amavam — afirmou o Pontífice — e não eram malvados: eram indiferentes, não sabiam o que era o amor, não sabiam o que era a compaixão, o que era a indiferença». Eles «tiveram que pecar, trair o Mestre, abandonar o Mestre, para entender o fulcro da compaixão e da misericórdia». Mas «a resposta de Jesus é pungente: “Dai-lhes vós mesmos de comer”». O que significa: «cuidai deles». Precisamente «esta é a luta entre a compaixão de Jesus e a indiferença, a indiferença que se repete sempre na história, sempre: tantas pessoas que são boas mas não entendem as necessidades alheias, não são capazes de compaixão». E no entanto «são pessoas boas» mas, acrescentou Francisco, «talvez o amor de Deus não tenha entrado no seu coração ou não o tenham deixado entrar».
A propósito o Papa confidenciou: «Vem-me à mente uma fotografia que está na Esmolaria: uma foto espontânea tirada por um bom rapaz romano que depois a ofereceu à Esmolaria. Noite — noite de inverno, via-se pelo modo de vestir das pessoas, os casacos de pele — saíam de um restaurante pessoas bem agasalhadas com casacos de pele. Satisfeitas — tinham comido, estavam com amigos: isto é bom — e ali estava um desabrigado, no chão, e o fotógrafo foi capaz de capturar o momento em que as pessoas olham para o outro lado, para que os olhares não se cruzassem». Nesta imagem, insistiu Francisco, há «a cultura da indiferença» e «foi o que fizeram os apóstolos» sugerindo a Jesus: “Despede-os, para irem aos sítios e aldeias vizinhas a comprar algum alimento”, que se arranjem: é um problema deles»; dado que «nós temos cinco pães e dois peixes para nós».
«O amor de Deus move-se sempre primeiro» repetiu o Pontífice. Pois «é amor de compaixão, de misericórdia: dá o primeiro passo, sempre». E «é verdade que o oposto do amor é o ódio, mas muitas pessoas não têm um ódio consciente». Ao contrário «o oposto mais frequente ao amor de Deus, à compaixão de Deus, é a indiferença», a que leva a dizer: «estou satisfeito, nada me falta. Tenho tudo, garanti esta vida, e inclusive a eterna, porque vou à missa todos os domingos, sou um bom cristão. Mas, saindo do restaurante, olho para o outro lado».
Concluindo a homilia, o Papa convidou a pensar neste «Deus que dá o primeiro passo, que sente compaixão, que tem misericórdia». Mas «muitas vezes a nossa atitude é a indiferença». E então, exortou, «rezemos ao Senhor para que cure a humanidade, começando por nós: que o meu coração sare desta doença, ou seja, a cultura da indiferença».
No final, o Papa quis «transmitir uma cordial saudação a Kiko Argüello no dia do seu octogésimo aniversário, agradecendo-lhe o zelo apostólico com o qual trabalha na Igreja».
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