PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Terça-feira, 8 de fevereiro de 2019
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 09 de 26 de fevereiro de 2019
Quatro personagens em busca do Autor da vida. O martírio de João, com a imagem crua e desoladora dos discípulos que vão buscar sozinhos o seu corpo à cela para lhe dar uma sepultura, sugeriu ao Papa um apelo a saber doar a própria existência aos demais. E a não cair naquela corrupção, entre ódio e vaidade, na qual satanás envolveu o rei Herodes, Herodíades e sua filha.
«Os discípulos de João, tomando conhecimento do ocorrido, levaram o seu cadáver para um sepulcro». Foi com estas palavras — tiradas do excerto evangélico de Marcos (6, 14-29) — que, observou Francisco no início da sua homilia, «acabou a história deste homem que Jesus qualificara como “o maior homem nascido de mulher”». Portanto, «o maior acabou assim».
«Mas João — insistiu o Pontífice — sabia isto, sabia que tinha que se aniquilar, não sabia como teria morrido, mas sabia que tinha que se aniquilar». E «desde o início o dissera, falando de Jesus: “Ele tem que crescer, eu tenho que diminuir”». Com efeito, explicou, João «diminuiu até à morte. Foi o precursor da vinda de Jesus, o anunciador: mostrou-o aos discípulos, aos primeiros discípulos». E «depois a sua luz foi-se apagando pouco a pouco, até à escuridão daquela cela, na prisão, onde, sozinho, foi decapitado».
«Eis a história do “maior homem nascido de mulher”» insistiu o Papa, observando que «não é fácil contar a vida dos mártires: o martírio é um serviço, é um mistério, é um dom da vida muito especial e deveras grande». E «no final as situações acontecem de modo violento, porque no meio há atitudes humanas que levam a tirar a vida de um cristão, de uma pessoa honesta, e a fazer com que se torne mártir».
Em particular, Francisco indicou «algumas atitudes neste trecho do Evangelho» proposto pela liturgia. E «a primeira é a atitude do rei: refere-se que pensava que João era um profeta. Pensava, ouvia-o de bom grado; a um certo ponto protegia-o, mas tinha-o aprisionado: um pouco cá, um pouco lá». Estava «indeciso, porque João reprovava ao rei o pecado do adultério e ele ficava muito perplexo quando o ouvia: ouvia a voz de Deus que lhe dizia “muda de vida”, mas não conseguia». Em síntese, afirmou o Pontífice, «o rei era corrupto e é muito difícil sair de onde há corrupção». Precisamente porque «corrupto», o rei «procurava equilíbrios diplomáticos, digamos assim, entre a própria vida — não só a adúltera, mas também a vida cheia de injustiças que permitia — e a santidade do profeta que tinha diante de si». E «esta era a perplexidade, e nunca chegava a desfazer aquele nó». Portanto, «o primeiro protagonista deste final é um corrupto».
«O segundo protagonista é a esposa do irmão do rei, Herodíades» continuou o Papa. Dela «o Evangelho diz apenas que “odiava” João» e «odiava-o porque João falava com clareza». Francisco quis frisar bem a palavra «odiava» pois «nós sabemos que o ódio é capaz de tudo, é uma força grande. O ódio é a respiração de satanás: recordemo-nos que ele não sabe amar, não pode amar. O seu “amor” é o ódio». E «esta mulher tinha o espírito satânico do ódio» e «o ódio destrói».
«A terceira personagem — disse ainda o Pontífice — é a jovem, a filha de Herodíades: dançava bem, a ponto que agradou muito aos comensais, ao rei». E «o rei, naquele entusiasmo — um pouco de entusiasmo, muito vinho e muitas pessoas ali — fez uma promessa a esta moça vaidosa: “Dar-te-ei tudo”». O Papa observou que «usa as mesmas palavras que satanás usou para tentar Jesus: “Se me adorares dar-te-ei tudo, o reino, tudo”». E nem sequer «sabia que usava as mesmas palavras». Porque «por detrás destas personagens está satanás, semeador de ódio na mulher, semeador de vaidade na jovem, semeador de corrupção no rei».
Neste contexto “o maior homem nascido de mulher” acabou sozinho, numa cela escura da prisão, devido ao capricho de uma bailarina vaidosa, ao ódio de uma mulher diabólica e à corrupção de um rei indeciso». João é «um mártir o qual deixou que a sua vida fosse diminuindo, para dar lugar ao Messias». E «morre ali, no anonimato, como tantos mártires nossos». A ponto que «o evangelho nos diz unicamente que os discípulos foram buscar o seu cadáver para o sepultar».
«Cada um de nós pode pensar: este é um grande testemunho de um homem grandioso, de um grande santo» afirmou o Pontífice. «A vida — observou — só tem valor se for doada no amor, na verdade, oferecida aos outros, na vida diária, na família». Mas «doando-a sempre». E «se alguém tomar a vida para si, para a preservar, como o rei na sua corrupção ou a senhora com o ódio, ou a moça, a jovem, com a própria vaidade — um pouco adolescente, inconsciente — a vida morre, a vida acaba por murchar, não serve». Ao contrário, João «doou a sua vida: “eu devo diminuir para que Ele seja ouvido, visto, para que Ele, o Senhor, se manifeste”».
Em conclusão Francisco sugeriu «que se recordem quatro personagens: o rei corrupto, a senhora que só sabia odiar, a moça vaidosa que não tinha consciência de nada e o profeta decapitado sozinho na cela». Com os votos de que «cada um abra o coração para que o Senhor lhe fale sobre isto».
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