PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Respostas de circunstância a perguntas constrangedoras
Segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 09 de 26 de fevereiro de 2019
Não dar mais respostas de circunstância às questões incómodas de Deus, o qual nos pergunta onde está o nosso irmão que tem fome — não é suficiente dar-lhe um «bónus refeição» da Cáritas — ou que está sozinho doente no hospital, ou na prisão, ou não pode ir à escola, ou é toxicodependente. Não devemos evitar a «pergunta incómoda de Deus» descarregando a consciência e encontrando mil desculpas genéricas.
Além de tudo, explicou, o compromisso em primeira linha da Igreja nas redes sociais foi desejado pelo Senhor e certamente não é a atividade de um «partido comunista».
«O trecho do livro do Génesis que ouvimos na primeira leitura — observou imediatamente Francisco, referindo-se ao excerto litúrgico do Antigo Testamento (4, 1-15.25) — faz parte do género literário que se repete muitas vezes na Bíblia: podemos chamá-lo “Perguntas constrangedoras e respostas de circunstância”».
Com efeito, afirmou o Pontífice, «é precisamente uma pergunta constrangedora, que Deus fez a Caim: “Onde está o teu irmão?”». E «a resposta, neste caso um pouco de circunstância, mas também para se defender: não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão? Lavo as minhas mãos. Assim Caim tenta fugir do olhar de Deus».
O Papa recordou que «Jesus fez muitas vezes estas perguntas incómodas a Pedro, por exemplo: “Amas-me?”, três vezes. No final Pedro não sabia o que responder». Ou «aos discípulos: “O que diz de mim o povo?”. E eles responderam “que és um profeta, o Batista” — “Mas vós. O que dizeis?”». Certamente é «uma pergunta embaraçosa».
Portanto, eis que «Deus a Caim» faz esta pergunta: «Onde está o teu irmão?». E «deveras — afirmou Francisco — esta é uma pergunta constrangedora: melhor não a fazer». De resto, «conhecemos muitas respostas: é a sua vida, respeito-a, lavo as mãos. Não me meto na vida alheia, cada um é livre para escolher o próprio caminho». E «assim — observou o Pontífice — na vida de todos os dias a estas perguntas incómodas do Senhor respondemos um pouco com princípios genéricos que nada dizem mas dizem tudo, tudo o que está no coração».
«Gostaria de aplicar agora esta pergunta a nós», disse o Papa. «O Senhor — afirmou — faz esta pergunta hoje a cada um de nós: “Onde está o teu irmão?”». E «talvez alguém um pouco distraído possa responder: “Está em casa, com a sua esposa!”. Não, “onde está o teu irmão?”». Nele, insistiu Francisco, identifica-se «o faminto, o doente, o preso, o perseguido pela justiça: “Onde está o teu irmão?” — “Não sei” — “Mas o teu irmão tem fome!” — “Sim, certamente, está a almoçar na Cáritas da paróquia, sim, sem dúvida, dar-lhe-ão de comer”». Assim, «com esta resposta de circunstância — comentou — salvo a minha pele».
E também: “Onde está o outro teu irmão, o doente” — “Certamente no hospital!” — “Mas não há lugar no hospital! E tem remédios?” – “Mas é um problema dele, não me posso intrometer na vida alheia, terá parentes que lhe darão os remédios”. E lavo as minhas mãos».
E ainda: «“Onde está o teu irmão, o preso?” — “Ah, está pagando o que merece. Cometeu um grave erro, que o pague. Estamos cansados de tantos delinquentes pelas ruas: que pague”».
«Talvez, nunca ouves esta resposta dirigida a ti da boca do Senhor», afirmou o Pontífice, que insistiu: «Onde está o teu irmão? Onde está o teu irmão explorado, aquele que trabalha de modo precário nove meses por ano, para retomar, depois de três meses, mais outro ano? E assim não tem segurança, nem férias” — “Mas hoje não há trabalho e aceitamos o que aparece”». Mas esta é «outra resposta de circunstância».
«Gostaria também que agora — sugeriu Francisco — cada um de nós compreendesse esta palavra do Senhor como se fosse dirigida a nós pessoalmente — o Senhor pergunta-me: “onde está o teu irmão?” — e depois acrescenta o nome dos irmãos que o Senhor nomeia no capítulo 25 de Mateus: doente, faminto, sedento, nu, o pequenino que não pode ir à escola, o drogado, o preso». Onde está cada um deles, cada um destes irmãos?
O Papa propôs também perguntas essenciais e diretas, como um exame de consciência:
«Onde está o teu irmão no teu coração? Há lugar para estas pessoas no nosso coração? Ou falamos, sim, das pessoas, descarregamos um pouco a consciência dando esmola, mas que não perturbem demasiado, por favor, porque com estas situações sociais da Igreja acabam por te considerar membro do partido comunista e isto faz mal. Muito bem, mas o Senhor disse: onde está o teu irmão? Não é o partido, é o Senhor».
«Estamos habituados — reconheceu o Pontífice — a dar respostas de circunstância, respostas para evitar o problema, para não ver o problema, para não encarar o problema». Por isso, acrescentou, «hoje far-nos-á bem repetir: onde está o meu irmão? Fazer a lista de quantos o Senhor nomeia em Mateus 25. Ao contrário, entre nós começa uma vida obscura: o pecado está escondido atrás da tua porta, diz o Senhor a Caim, e quando vivemos esta existência obscura sem seguir o que o Senhor Jesus nos ensinou, o pecado está à porta, escondido, à espreita para entrar. E para nos destruir». Eis a força da pergunta: «onde está o teu irmão?».
Mas «há outra pergunta do livro do Génesis depois do pecado de Adão» observou o Papa. O Senhor pergunta: «“Adão, onde estás?”. E ele esconde-se pela vergonha, por medo. Oxalá sentíssemos esta vergonha» disse Francisco, sugerindo novas perguntas para o exame de consciência pessoal: «Onde está o teu irmão? Onde estás? Em que mundo vives que não te dás conta destas situações, destes sofrimentos, destas dores? Onde está o teu irmão? Pega na sua mão. Onde estás? Não te escondas da realidade».
Na conclusão, o Pontífice pediu para «responder abertamente, com lealdade, aliás com alegria, a estas duas perguntas do Senhor: «Onde está o teu irmão? Onde estás?».
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