Index   Back Top Print

[ PT ]

PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Coerência não hipocrisia

Sexta-feira, 8 de março de 2019

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 11 de 12 de março de 2019

A hipocrisia dos «profissionais da religião» escandaliza, denunciou o Papa Francisco. Na primeira leitura (Is 58, 1-9) o profeta faz-nos compreender a diferença que existe na nossa vida entre o real e o formal. É verdade, o formal é uma expressão do real, devem caminhar juntos. Mas quando o formal se separa do real, vivemos só de formalidades e aparências. É isto que Deus condena: viver de aparências. Uma vida para aparecer, sem verdade na realidade do coração das pessoas. Aliás, o Senhor recomenda que sejamos muito simples nas aparências para não nos vangloriarmos das obras boas. E por isso, falando sobre os três exercícios da Quaresma, o Senhor diz-nos: Quando jejuares, que não se veja no teu rosto que estás a jejuar. Mostra-te alegre: que não se veja, para que as pessoas não digam: “Ah, é um homem justo, como jejua!”. Quando fizeres penitência, quando ofereceres uma esmola, por favor não toques a trombeta: oferece a esmola escondido para que ninguém veja. Pratica o bem sem seres visto. E, terceiro, quando rezares não o faças diante de todos, para que as pessoas digam: “Ah, como reza, este homem, esta mulher!”. Fá-lo em sinceridade diante do Pai”. E Jesus recomenda ainda: “Escondido”.

E, sobre a oração, Jesus ensina-nos com o exemplo do fariseu e do publicano, o modo como ambos rezavam: o fariseu considerava-se justo, mas não o era, e rezava: “Dou-te graças, Senhor, porque sou justo, não como os outros, pobrezinhos...”. Traduzo: “Agradeço-te, Senhor, porque sou católico, pertenço a esta associação, àquela, àquela outra, vou à Missa todos os domingos e não sou como aqueles pobres coitados que nada compreendem”. E como rezava, o coitadinho [o publicano]? “Senhor, tem piedade de mim porque sou pecador”.

Aqueles que buscam as aparências, nunca se consideram pecadores; e se tu lhes disseres: “Mas tu também és pecador!” — “Mas, sim, todos temos pecados...”, relativizam tudo e voltam a tornar-se justos. Procuram mostrar-se com a cara “de santinhos”, só aparência. E quando há a diferença entre a realidade e a aparência o Senhor usa um adjetivo: “hipócrita”. A hipocrisia. Também nós podemos começar esta Quaresma perguntando-nos: qual é a minha hipocrisia? Onde não sou coerente, falta-me coerência entre a realidade e a aparência? Quando devo disfarçar-me para esconder a minha realidade? Falta de coerência.

E eis que o profeta dá alguns exemplos.”O que fazeis, hipócritas, no dia do vosso jejum? Só cuidais dos vossos negócios e oprimis todos os vossos empregados. Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade”. Por um lado, fingis que jejuais, talvez até jejueis, mas entretanto “cuidais” dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos empregados, jejuais entre rixas e disputas dando bofetadas sem dó nem piedade”. Esta é a hipocrisia. “Sou muito católico, muito católica! Vou sempre à missa...”. Mas depois, o que fazes? És coerente? Ou há esta hipocrisia entre a tua realidade e a tua aparência? “Não jejueis como tendes feito até hoje”, diz o Senhor. “Mudai de vida. Sede coerentes”. No último Sínodo sobre os jovens, talvez o ponto acerca do qual os jovens mais insistiram foi a hipocrisia de muitos cristãos, começando por nós, “profissionais da religião”. Isto desaponta os jovens. Podeis dizer: “Mas eles têm os próprios defeitos!”. Sim. Têm os seus defeitos, é verdade. Mas neste caso têm razão. Parecer e não fazer: isto é hipocrisia.

E depois, o profeta explica: “O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, mandar em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os famintos, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão”. É verdade: este é o jejum, são as obras de misericórdia. É o que Deus quer de nós. E quando repartires o teu pão com o faminto, introduzires em tua casa alguém que não tem um teto ou que é um migrante, quando procurares roupa para alguém que não a tem e te ocupares disto, jejuas realmente. Muitos cristãos, também católicos, que se dizem católicos praticantes, exploram as pessoas! Como exploram os empregados! Como os mandam para casa no início do verão para os assumir no fim, assim não têm direito à reforma, não têm direito a ir em frente. E muitos destes definem-se católicos: vão à Missa aos domingos, e depois agem deste modo. Isto é pecado mortal! Quantos humilham os próprios empregados. Nunca me esqueço o que vi na casa de um amiguinho — eu era criança — vi a senhora esbofetear a doméstica porque não fez a limpeza como tinha sido indicado. Nunca esqueci aquele gesto! Tal gesto feriu o meu coração. E quantas vezes muitos cristãos se comportam assim.

A realidade deve estar unida à aparência. Devo parecer o que sou. Este é o trabalho da Quaresma. E devemos ir em frente deste modo. “Mas, Padre, não consigo, sou frágil...”. Bem, esta é a tua verdade, obrigado por a dizeres. Pede ao Senhor a força e vai humildemente em frente, com o que puderes. Mas não disfarces a alma, porque se disfarçares a alma, o Senhor não te reconhecerá.

Peçamos ao Senhor a graça de sermos coerentes, de não sermos vaidosos, de não parecermos mais dignos do que somos. Peçamos esta graça, nesta Quaresma: a coerência entre o formal e o real, entre a realidade e as aparências.

 



Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana