PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
No pequeno e no grande
Sexta-feira, 10 de maio de 2019
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 24 de 11 de junho de 2019
O rosto de uma Igreja com as portas abertas, à escuta de Deus e amorosamente engajada no serviço pela dignidade da pessoa, «perseverante» em fazer «coisas grandes» também através do compromisso diário nas «coisas pequenas», caracterizou a meditação do Papa que, na homilia, se inspirou não só na narração da vocação de São Paulo — no centro da primeira leitura do dia (At 9, 1-20) — mas também na presença, na capela, de algumas religiosas da família apostólica de São José Cottolengo que celebram o cinquentenário de vida religiosa.
A narração da conversão de Paulo, explicou o Pontífice, marca uma «mudança, um virar a página na história da salvação», a ponto que, frisou, recorre várias vezes no Novo Testamento. Com efeito, «é um abrir a porta aos pagãos, aos gentios, àqueles que não eram israelitas». Uma novidade tão grande, a da «Igreja dos pagãos», que «desnorteou os discípulos», os quais «não sabiam o que fazer e o Espírito Santo teve que intervir com sinais fortes». A este propósito Francisco evocou também o episódio da conversão do centurião Cornélio (capítulo 10 dos Atos dos Apóstolos). Em síntese, «a conversão de Paulo é como uma porta aberta para a universalidade da Igreja».
Mas como devem os cristãos encarnar esta Igreja de portas abertas? O Papa frisou duas características tiradas precisamente do «modo de ser» de Paulo. «Sabemos que Paulo era um homem forte, um homem apaixonado pela lei, por Deus, pela pureza da lei, mas era honesto, coerente». Até o seu perseguir os cristãos antes da conversão era fruto do «zelo que tinha pela pureza da casa de Deus, pela glória de Deus». Mas ele era «um homem aberto a Deus, aberto à voz do Senhor» e, capaz de arriscar por ela: «Arriscava, arriscava, ia em frente».
Uma coerência que era enriquecida por «outro aspeto do seu comportamento»: Paulo «era um homem dócil», o seu «temperamento era teimoso», mas «a sua alma não era teimosa, estava aberta às sugestões de Deus». E assim este homem que «com fervor» antes se dedicava «a matar os cristãos e a aprisioná-los», depois de ter ouvido a voz do Senhor torna-se «como uma criança e deixa-se levar». O Papa sintetizou com características breves a trepidação dos primeiros tempos depois da conversão: Paulo «deixa-se levar a Jerusalém, jejua três dias, aguarda que o Senhor diga... Todas aquelas convicções que tinha permanecem silenciadas, aguardando a voz do Senhor: “que devo fazer, Senhor?”. Ele vai a Damasco, para se encontrar com outro homem dócil e deixa-se catequizar como uma criança, deixa-se batizar como uma criança». Dócil a ponto que quando recuperou as forças, Paulo continua em silêncio: «Vai à Arábia para rezar, por quanto tempo não sabemos, talvez anos, não sabemos». Eis as características paulinas propostas ao cristão de hoje: «Abertura à voz de Deus e docilidade».
Uma passagem para a contemporaneidade que o Papa Francisco ilustrou precisamente graças à presença das irmãs do Cottolengo, às quais se tinha dirigido anteriormente de maneira direta — «Obrigado pela escuta da voz de Deus e pela docilidade. Talvez nem sempre sejais dóceis... Talvez tenhais repreendido a superiora ou falado mal de outra... mas a vida é assim...» — frisando em seguida precisamente o seu precioso testemunho de docilidade ao Senhor: «Não compreendemos facilmente o que é o Cottolengo... Eu recordo a primeira vez que o visitei nos anos 70, não esqueço, nem sequer a irmãzinha que me acompanhava, chama-se Felice, ainda me recordo o nome. E ela antes de abrir uma porta disse-me: “Tem coragem para ver coisas desagradáveis?”. E depois, antes de passar para outro quarto: “Tem coragem de ver coisas ainda mais desagradáveis?”. A vida inteira ali, entre os descartados, disseminados precisamente ali».
E de novo, dirigindo-se às religiosas, acrescentou: «Perseverança, coração aberto para ouvir a voz de Deus e docilidade: sem isto, não teríeis podido fazer o que fizestes». Uma capacidade que «é um sinal da Igreja». E acrescentou: «Gostaria de agradecer hoje, através de vós, a tantos homens e mulheres corajosos, que arriscam a vida, que vão em frente, que procuram até caminhos novos na vida da Igreja. Procuram vias novas! “Mas, padre, não é pecado?”. Não, não é pecado! Procuremos caminhos novos, isto far-nos-á bem a todos! Sob a condição de que sejam as vias do Senhor. Mas ir em frente: em frente na profundidade da oração, na profundidade da docilidade, do coração aberto à voz de Deus».
Esta é a maneira de «fazer as verdadeiras mudanças na Igreja, com pessoas que sabem lutar no pequeno e no grande». A este respeito, o Papa abordou aquela «tensão» que por vezes se sente «entre o pequeno e o grande», em relação à qual há quem diga: «“Não, não faço estas coisas pequenas, eu nasci para coisas grandes”. Erras!, e, ao contrário, quem afirma: «“Ah, eu não consigo fazer coisas grandes, faço pequenas”. És um pusilânime». O pequeno e o grande, ao contrário, «caminham juntos» e «um cristão deve ter este carisma, do pequeno e do grande». Como se lê, «no túmulo de um grande santo», onde está escrito: «Não se assustar por fazer coisas grandes e ao mesmo tempo ter em consideração as coisas pequenas». Por conseguinte, dirigindo-se às religiosas, acrescentou: «Vós nunca teríeis podido fazer o que fizestes no Cottolengo, todos os dias, se não tivésseis tido a coragem de ouvir o pequeno de cada dia, a docilidade e o coração aberto a Deus».
E concluiu: «Peço a Paulo hoje por todos nós que estamos aqui, pelos sacerdotes eritreus — e obrigado pelo vosso trabalho pastoral na Itália, obrigado por fazerdes um bom trabalho, são tantos os vossos concidadãos — a graça da docilidade à voz do Senhor e do coração aberto ao Senhor; a graça de não recear de fazer coisas grandes, de ir em frente, sob a condição de ter a delicadeza de cuidar das coisas pequenas».
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