MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO,
ASSINADA PELO CARDEAL SECRETÁRIO DE ESTADO PIETRO PAROLIN,
POR OCASIÃO DO XXXVI MEETING PARA A AMIZADE ENTRE OS POVOS
[RÍMINI, 20-26 DE AGOSTO DE 2015]
Excelência Reverendíssima!
Em nome do Santo Padre Francisco e também meu, dirijo uma cordial saudação a Vossa Excelência, aos organizadores e aos participantes no XXXVI Meeting para a amizade entre os povos.
A sugestiva e poética expressão escolhida como tema deste ano — «Di che è mancanza questa mancanza, cuore, che a un tratto ne sei pieno?» [Do que é falta esta falta, coração, da qual de repente ficas cheio?] (Mario Luzi) — evidencia o «coração» que cada um de nós tem e que santo Agostinho descreveu como «coração inquieto» que nunca se contenta e busca algo à altura da sua expectativa. É uma busca que se exprime em perguntas sobre o significado da vida e da morte, sobre o amor, o trabalho, a justiça e a felicidade.
Mas para sermos dignos de encontrar uma resposta é preciso considerar seriamente a própria humanidade, cultivando sempre esta sadia inquietude. Em tal compromisso — diz-nos o Papa Francisco — «é possível recorrer apenas a alguma experiência humana frequente, como por exemplo, a alegria de um reencontro, as desilusões, o medo da solidão, a compaixão pela dor alheia, a incerteza perante o futuro, a preocupação com um ser querido» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 155).
Eis que vemos emergir aqui uma das maiores questões do mundo de hoje: diante de tantas respostas parciais, que oferecem só «falsos infinitos» (Bento XVI) e produzem uma estranha anestesia, como dar voz às interrogações que todos trazemos no íntimo? Diante do torpor da vida, como despertar a consciência? Para a Igreja abre-se um caminho fascinante, como foi no início do cristianismo, quando os homens se afligiam na vida sem a coragem, a força nem a seriedade de formular as perguntas decisivas. E, como aconteceu a são Paulo no Areópago, falar de Deus a quem reduziu, censurou ou esqueceu os seus «porquês», resulta uma excentricidade que parece distante da vida real com os seus dramas e provações.
Por conseguinte, nenhum de nós pode iniciar um diálogo sobre Deus, se não conseguir alimentar a chama que arde no coração sem acusar alguém pelos próprios limites — que são também os nossos — sem pretender, mas acolhendo e ouvindo todos. A tarefa dos cristãos — como o Papa Francisco gosta de repetir — é iniciar processos mais do que ocupar espaços (cf. ibid., 222). E o primeiro passo é precisamente despertar o sentido daquela falta da qual o nosso coração está cheio e que tão frequentemente jaz sob o peso de dificuldades e esperanças desiludidas. Mas «o coração» existe, e está sempre em busca.
O drama de hoje consiste no perigo iminente da negação da identidade e da dignidade da pessoa humana. Uma preocupante colonização ideológica reduz a percepção das necessidades autênticas do coração para oferecer respostas limitadas que não consideram a amplidão da procura de amor, verdade, beleza e justiça que reside em nós. Somos filhos deste tempo e sofremos a influência de uma mentalidade que oferece novos valores e oportunidades, mas pode até condicionar, limitar e danificar o coração com propostas alienantes que diminuem a sede de Deus.
Mas o coração não se satisfaz porque, como disse o Papa Bento XVI, falando aos jovens de San Marino, «é uma janela aberta para o infinito» (19 de Junho de 2011). Por que devemos sofrer e no final morrer? Por que existem o mal e a contradição? Vale a pena viver? Ainda podemos esperar diante de uma «terceira guerra mundial combatida por etapas» e com tantos irmãos perseguidos e assassinados por causa da sua fé? Ainda tem sentido amar, trabalhar, fazer sacrifícios e comprometer-se? Para onde irão a minha vida e as das pessoas que nunca gostaríamos de perder? O que estamos a fazer no mundo?... São perguntas que todos nos formulamos, jovens e adultos, crentes e não-crentes. Mais cedo ou mais tarde, pelo menos uma vez na vida, por causa de uma provação ou de um evento jubiloso, reflectindo sobre o futuro dos próprios filhos ou sobre a utilidade do próprio trabalho, cada um deve fazer as contas com uma ou mais questões. Até o negador mais contumaz não as consegue extirpar totalmente da própria existência.
A vida não é um desejo absurdo, a falta não é sinal de que nascemos «errados», ao contrário, é o alarme que nos avisa que a nossa natureza é feita para grandes ideais. Como escreveu o servo de Deus padre Giussani «as exigências humanas constituem referência, afirmação implícita de uma resposta última que está além das modalidades existenciais experimentáveis. Se fosse eliminada a hipótese de um “além”, aquelas exigências seriam inaturalmente sufocadas» (O sentido religioso, Milão 1997, 157). O mito de Ulisses fala-nos do nostos algos, a nostalgia que só pode encontrar satisfação numa realidade infinita.
Por isso Deus, o Mistério infinito, curvou-se sobre o nosso nada sedento d’Ele e ofereceu a resposta que todos esperam até sem se dar conta disto, enquanto a buscam no sucesso, no dinheiro, no poder, nas drogas de todos os tipos, na afirmação dos próprios desejos momentâneos. Só a iniciativa de Deus criador podia preencher a medida do nosso coração; e Ele veio ao nosso encontro para se deixar encontrar como amigo. E assim nós podemos repousar até num mar tempestuoso, porque estamos certos da sua presença. O Papa Francisco disse: «Mesmo que a vida de uma pessoa tenha sido um desastre, destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. [...] Mesmo se a existência da pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre espaço no qual a semente boa pode germinar. É preciso confiar em Deus» (La Civiltà Cattolica, 19 de Setembro de 2013, 470).
Com o tema deste ano, o Meeting pode cooperar com uma tarefa essencial da Igreja, isto é, «não deixar que alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: “Já não sou eu quem vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20)» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 160), porque «é o anúncio — de Jesus — que dá resposta ao anseio de infinito que existe em todo o coração humano» (ibid., 165). Jesus «veio mostrar-nos, tornar-nos visível o amor que Deus sente por nós. [...] Um amor activo, real. [...] Um amor que cura, perdoa, ergue, cuida. Um amor que se aproxima e restitui dignidade. Uma dignidade que podemos perder de muitos modos e formas. Mas Jesus é obstinado nisto: deu a vida por isso, para nos restituir a identidade perdida» (Papa Francisco, Discurso no Centro de reeducação em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 10 de Julho de 2015). Eis o contributo que a fé cristã oferece a todos e que o Meeting pode testemunhar antes de tudo com a vida das pessoas que o realizam.
Por fim, o Santo Padre faz votos para que os organizadores e os voluntários do Meeting vão ao encontro de todos, apoiados pelo desejo de anunciar com força, beleza e simplicidade a boa nova do amor de Deus, que ainda hoje se inclina sobre a nossa falta para a preencher com a água de vida que brota de Jesus ressuscitado. O Papa pede que rezeis pelo seu ministério e concede de coração a Vossa Excelência e a todos os participantes no Meeting a Bênção Apostólica.
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana