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DIÁLOGO DO PAPA FRANCISCO
COM AS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA
DA UNIÃO INTERNACIONAL DAS SUPERIORAS-GERAIS
 (UISG)

Sala Paulo VI
Quinta-feira, 12 de maio de 2016

[Multimídia]


 

 

[A primeira pergunta é relativa a uma melhor inserção das mulheres na vida da Igreja]

Vossa Santidade disse que «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida da Igreja e da sociedade», e contudo as mulheres são excluídas dos processos decisórios na Igreja, sobretudo nos níveis mais altos, e da pregação na Eucaristia. Um importante impedimento ao abraço pleno da Igreja ao «génio feminino» é o vínculo que tanto os processos decisórios como a pregação têm com a ordenação sacerdotal. Vossa Santidade vê um modo para separar da ordenação os papéis da liderança e a pregação na Eucaristia, de modo que a nossa Igreja possa ser mais aberta a receber o génio das mulheres, num futuro muito próximo?

Neste ponto há várias coisas que devemos distinguir. A pergunta relaciona-se com a funcionalidade, está muito ligada à funcionalidade, enquanto que o papel da mulher vai além. Mas eu agora respondo à pergunta, depois falamos... Vi que há outras perguntas que vão além.

É verdade que as mulheres são excluídas dos processos decisórios na Igreja: não excluídas, mas é muito frágil a inserção das mulheres ali, nos processos decisórios. Devemos ir em frente. Por exemplo — deveras eu não vejo dificuldades — penso que no Pontifício Conselho Justiça e Paz a responsável pela secretaria é uma mulher, uma religiosa. Foi proposta outra e eu nomeei-a, mas ela não aceitou, porque tinha que ir para outro lado a fim de desempenhar trabalhos da sua Congregação. Deve-se ir além, porque em tantos aspetos dos processos decisórios não é necessária a ordenação. Não é necessária. Na reforma da Constituição apostólica Pastor bonus, a propósito dos Dicastérios, quando não há a jurisdição que vem da ordenação — ou seja, a jurisdição pastoral — não se vê escrito que pode ser uma mulher, não sei se chefe de dicastério, não me recordo, mas... Por exemplo para os migrantes: no dicastério para os migrantes poderia ser uma mulher. E quando há necessidade — agora que os migrantes entram num dicastério — da jurisdição, é o Prefeito quem dá esta autorização. Mas no respeitante à normal administração pode ser, na execução do processo decisório. Para mim é muito importante a elaboração das decisões: não só a execução, mas também a elaboração, ou seja, que as mulheres, tanto consagradas como leigas, entrem na reflexão do processo e no debate. Porque a mulher encara a vida com um olhar próprio e nós homens não podemos vê-la assim. É o modo de ver um problema, de considerar qualquer outra coisa, que a mulher vê de maneira diferente do homem. Devem ser complementares, e nas consultas é importante que haja mulheres.

Em Buenos Aires fiz a experiência de um problema: analisando-o com o Conselho presbiteral — portanto só homens — estava bem tratado; depois, revendo-o com um grupo de mulheres religiosas e leigas enriqueceu tanto, muito, e favoreceu a decisão com uma visão complementar. Isto é necessário! E penso que devemos ir em frente, depois sobre isto o processo decisório verá.

Depois, a questão da pregação na Celebração Eucarística. Não há problema algum que uma mulher — uma religiosa ou uma leiga — faça a pregação numa Liturgia da Palavra. Não há problema algum. Mas na Celebração Eucarística há um problema litúrgico-dogmático, porque a celebração é uma — a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística, é uma unidade — e Aquele que lhe preside é Jesus Cristo. O sacerdote ou o bispo preside em nome de Jesus Cristo. Trata-se de uma realidade teológico-litúrgica. Naquela situação, não havendo a ordenação das mulheres, elas não podem presidir. Mas pode-se estudar mais e explicar melhor o que muito veloz e rapidamente eu disse agora.

Ao contrário, na liderança não há problemas: nisso devemos ir em frente, com prudência, mas procurando soluções...

Aqui há duas tentações, das quais nos devemos precaver.

A primeira é o feminismo: o papel da mulher na Igreja não é feminismo, é direito! É um direito de batizada com os carismas e os dons que o Espírito concedeu. Não se deve cair no feminismo, porque isto reduziria a importância da mulher. Eu não vejo, neste momento, um grande perigo em relação a isto entre as religiosas. Não o vejo. Talvez outrora, mas em geral não há.

Outro perigo, que é uma tentação muito forte e falei dele várias vezes, é o clericalismo. E isto é muito forte. Pensemos que hoje mais de 60 por cento das paróquias — das dioceses não sei, talvez um pouco menos — não têm o conselho para os assuntos económicos nem o conselho pastoral. Que significa? Que aquela paróquia ou diocese é guiada com um espírito clerical, só pelo padre, que não concretiza aquela sinodalidade paroquial, ou diocesana, a qual não é uma novidade deste Papa. Não! Está no Direito Canónico, é uma obrigação que o pároco tem de dispor de um conselho de leigos, para e com os leigos, leigas e religiosas, relativo à pastoral e aos assuntos económicos. E não o fazem. Eis o perigo do clericalismo hoje na Igreja. Devemos ir em frente e eliminar este perigo, porque o sacerdote é um servo da comunidade, o bispo é um servo da comunidade, não é o chefe de uma empresa. Não! Isto é importante. Na América Latina, por exemplo, o clericalismo é muito forte, muito marcado. Os leigos não sabem o que fazer, se não perguntam ao sacerdote... É muito forte. E por isso a consciencialização do papel dos leigos na América Latina está muito atrasada. Salvou-se um pouco disto unicamente na piedade popular: porque o protagonista é o povo e o povo fez as coisas como calhava; e aos sacerdotes, este aspeto não interessava muito, e havia quem não encarava de bom grado este fenómeno da piedade popular. Mas o clericalismo é uma atitude negativa. E é cúmplice, porque se realiza a dois, como o tango, que se dança a dois... Ou seja: o sacerdote que deseja clericalizar o leigo, a leiga, o religioso e a religiosa, o leigo que pede por favor para ser clericalizado, porque é mais cómodo. Isto é curioso. Eu, em Buenos Aires, fiz esta experiência três ou quatro vezes: um bom pároco, que veio ter comigo e me disse: «Sabe, eu tenho um leigo muito bom na paróquia: faz isto e aquilo, sabe organizar, é muito ativo, é deveras um homem de valor... Vamos fazê-lo diácono?». Ou seja, «clericalizemo-lo?». «Não! Deixa que permaneça leigo. Não o faças diácono». Isto é importante. A vós acontece isto, que o clericalismo muitas vezes impede o desenvolvimento lícito da situação.

Eu pedirei — e talvez o faça chegar à Presidente — à Congregação para o Culto Divino que explique bem, de maneira aprofundada, o que disse um pouco superficialmente sobre a pregação na Celebração Eucarística. Porque não tenho a teologia nem a clareza suficientes para o explicar agora. Mas é preciso distinguir bem: uma coisa é a pregação numa Liturgia da Palavra, e isto pode-se fazer; outra coisa é a Celebração Eucarística, aqui há outro mistério. É o Mistério de Cristo presente e o sacerdote ou o bispo que celebra in persona Christi.

No respeitante à liderança... Sim, penso que esta pode ser a minha resposta em geral à primeira pergunta. Vejamos a segunda.

[A segunda pergunta é sobre o papel das mulheres consagradas na Igreja]

As mulheres consagradas já trabalham tanto com os pobres e com os marginalizados, ensinam a catequese, acompanham os doentes e os moribundos, distribuem a comunhão, em muitos países guiam as orações comuns na ausência de sacerdotes e naquelas circunstâncias pronunciam a homilia. Na Igreja há o cargo do diaconado permanente, mas está aberto só aos homens, casados ou não. O que impede que a Igreja inclua as mulheres entre os diáconos permanentes, precisamente como aconteceu na Igreja primitiva? Por que não constituir uma comissão oficial que possa estudar a questão? Pode dar alguns exemplos de onde Vossa Santidade vê a possibilidade de uma melhor inserção das mulheres e das mulheres consagradas na vida da Igreja?

Esta pergunta vai no sentido do «fazer»: as mulheres consagradas já trabalham tanto com os pobres, fazem muitas coisas... no «fazer». E aborda o problema do diaconado permanente. Alguém poderia dizer que as «diaconisas permanentes» na vida da Igreja são as sogras [ri, riem]. Com efeito, havia isto na antiguidade: havia um início... Eu recordo que era um tema que me interessava bastante quando vinha a Roma para as reuniões e alojava na Domus Paulo VI; vivia ali um teólogo sírio, bom, que fez a edição crítica e a tradução dos Hinos de Efrém, o Sírio. E certa vez perguntei-lhe acerca disto, e ele explicou-me que nos primeiros tempos da Igreja havia algumas «diaconisas». Mas o que são estas diaconisas? Eram ordenadas ou não? Disto fala o Concílio de Calcedónia (451), mas não é muito claro. Qual era o papel das diaconisas naqueles tempos? Parece — disse-me aquele homem, que faleceu, era um ótimo professor, sábio, erudito — parece que o papel das diaconisas era ajudar no batismo das mulheres, para a imersão, eram elas que as batizavam, para o decoro, também para fazer a unção sobre o corpo das mulheres, no batismo. E até uma coisa curiosa: quando havia um juízo matrimonial porque o marido tratava mal a esposa e ela ia lamentar-se com o bispo, as diaconisas eram encarregadas de ver as marcas deixadas no corpo da mulher pelas pancadas do marido e informar o bispo. Recordo isto. Há algumas publicações sobre o diaconado na Igreja, mas não é claro como aconteceu. Penso que pedirei à Congregação para a Doutrina da Fé que me refira acerca dos estudos sobre este tema, porque eu vos respondi apenas com base no que ouvi deste sacerdote que era um pesquisador erudito e válido, sobre o diaconado permanente. E além disso, gostaria de constituir uma comissão oficial que possa estudar a questão: penso que fará bem à Igreja esclarecer este aspeto; concordo, e falarei para realizar uma coisa deste género.

Depois dizeis: «Estamos de acordo com Vossa Santidade, que várias vezes apresentou a necessidade de um papel mais incisivo das mulheres nas posições decisórias na Igreja». Isto é claro. «Quem pode dar algum exemplo de onde a senhora vê a possibilidade de uma melhor inserção das mulheres e das mulheres consagradas na vida da Igreja?». Digo uma coisa que vem a seguir, porque sei que há uma pergunta geral. Nas consultas da Congregação para os Religiosos, nas assembleias, as consagradas devem participar: isto é certo. Outra coisa: uma melhor inserção. De momento não me vêm à mente coisas concretas, mas sempre o que disse antes: procurar o parecer da mulher consagrada, porque a mulher vê as coisas com uma originalidade diversa dos homens, e isto enriquece: quer na consulta, quer na decisão, quer na concretização.

Estes trabalhos que fazeis com os pobres, com os marginalizados, ensinar a catequese, acompanhar os doentes e os moribundos, são trabalhos muito «maternos», onde a maternidade da Igreja se pode expressar mais. Mas há homens que fazem o mesmo, e bem: consagrados, ordens hospitalares... E isto é importante.

Por conseguinte, sobre o diaconado, sim, aceito e parece-me útil uma comissão que esclareça bem isto, sobretudo em relação aos primeiros tempos da Igreja.

No respeitante a uma melhor inserção, repito o que disse acima. Se há algo para concretizar, perguntai-o agora: sobre quanto disse, há mais alguma pergunta, que me ajude a pensar? Continuemos...

[A terceira pergunta refere-se ao papel da União internacional das superioras-gerais]

Que papel poderia desempenhar a Uisg, de maneira a poder ter uma palavra no pensamento da Igreja, uma palavra que seja ouvida, dado que tem em si a voz de dois mil institutos de religiosas? Como é possível que com muita frequência somos esquecidas e não feitas participantes, por exemplo da assembleia geral da Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, onde se fala da vida consagrada? Pode a Igreja permitir-se continuar a falar de nós, em vez de falar connosco?

Irmã Teresina, tenha um pouco de paciência, porque me veio à mente o que me tinha esquecido da outra pergunta, sobre «o que pode fazer a vida consagrada feminina?». É um critério que deveis rever, que também a Igreja deve rever. O vosso trabalho, o meu e o de todos nós, é de serviço. Mas eu, muitas vezes, encontro mulheres consagradas que desempenham um trabalho de servidão e não de serviço. É um pouco difícil de explicar, porque não gostaria que se pensasse em casos concretos, que talvez seja um mau pensamento, porque ninguém conhece bem as circunstâncias. Mas pensemos num pároco, um pároco que por segurança imaginemos: «Não, não, a minha casa paroquial está nas mãos de duas religiosas» — «E são elas que gerem?» — «Sim, sim!» — «E o que fazem de apostolado, catequese?» — «Não, só isso!». Não! Isto é servidão! Diga-me, senhor pároco, se não há na sua cidade mulheres capazes, que precisam de trabalho. Que assuma uma, duas, que desempenhem este serviço. Estas duas irmãs, que se dediquem às escolas, aos bairros, aos doentes, aos pobres. É este o critério: trabalho de serviço e não de servidão! E quando, a vós Superioras, pedem uma coisa que é mais servidão do que serviço, sede corajosas e dizei «não». Isto é um critério que ajuda muito, porque quando se pretende que uma consagrada faça um trabalho de servidão, desvaloriza-se a vida e a dignidade daquela mulher. A sua vocação é o serviço: serviço à Igreja, onde quer que seja. Mas não servidão!

E agora [respondo a] Teresina: «Qual é, a seu parecer, o lugar da vida religiosa apostólica feminina no âmbito da Igreja? O que faltaria à Igreja se não houvesse mais religiosas?». Faltaria Maria no dia de Pentecostes! Não há Igreja sem Maria! Não há Pentecostes sem Maria! Maria estava ali, talvez não falasse... Isto já o disse, mas gosto de o repetir. A mulher consagrada é um ícone da Igreja, é ícone de Maria. O sacerdote não é um ícone da Igreja: não é ícone de Maria: é ícone dos apóstolos, dos discípulos que são enviados a pregar. Mas não da Igreja e de Maria. Digo-vos isto para vos fazer refletir sobre o facto de que «a» Igreja é feminina; a Igreja é mulher: não é «o» Igreja, mas «a» Igreja. Mas é uma mulher casada com Jesus Cristo, tem o seu Esposo, que é Jesus Cristo. E quando um bispo é escolhido para uma diocese, o bispo — em nome de Cristo — desposa a Igreja particular. A Igreja é mulher! E a consagração de uma mulher faz dela ícone precisamente da Igreja e ícone de Nossa Senhora. E nós homens não o podemos fazer. Isto vos ajudará a aprofundar, desta raiz teológica, um grande papel na Igreja. Gostaria que este aspeto não passasse despercebido.

Concordo totalmente [sobre a conclusão da terceira pergunta]. A Igreja: a Igreja sois vós, somos todos. A hierarquia — digamos — da Igreja deve falar de vós, mas primeiro e no momento deve falar convosco! Isto é certo. Na Assembleia da Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica vós deveis estar presentes. Sim, sim! Isto di-lo-ei ao Prefeito: na Assembleia vós deveis estar presentes! É claro, porque falar de um ausente nem sequer é evangélico: deve poder ouvir o que se pensa, e depois façamos juntos. Concordo. Eu não imaginava que houvesse tanta distância, a sério. E obrigada por o terdes dito com tanta coragem e com aquele sorriso.

Permiti-me um gracejo. A senhora fê-lo com aquele sorriso, que no Piemonte se chama sorriso da mugna quacia [com uma cara ingénua]. Muito bem! Sim, vós tendes razão neste aspeto. Penso que é fácil reformar, falarei disto com o Prefeito. «Mas esta Assembleia geral não falará das irmãs, falará de outra coisa...» — «É necessário ouvir as irmãs porque elas têm outra visão da questão». Trata-se do que disse antes: é importante que estejais sempre inseridas... Agradeço-vos a pergunta. Alguns esclarecimentos a este propósito? Algo mais? É claro?

Recordai-vos bem disto: o que faltaria à Igreja se as religiosas não existissem? Faltaria Maria no dia de Pentecostes. A religiosa é ícone da Igreja e de Maria; e a Igreja é feminina, casada com Jesus Cristo.

[A quarta pergunta é relativa aos impedimentos que encontramos como mulheres consagradas no âmbito da Igreja]

Caríssimo Santo Padre, muitos institutos estão a enfrentar o desafio de dar novidade à forma de vida e às estruturas revendo as Constituições. Isto está a revelar-se difícil, porque nos encontramos impedidas pelo Direito Canónico. Vossa Santidade prevê mudanças no Direito Canónico, de maneira a facilitar esta novidade? Além disso, os jovens têm dificuldade de pensar num engajamento permanente, quer no matrimónio quer na vida religiosa. Poderíamos ser abertas a compromissos temporários? E outra questão: desempenhando o nosso ministério em solidariedade com os pobres e com os marginalizados, muitas vezes somos erroneamente consideradas ativistas sociais ou como se tomássemos posições políticas. Algumas autoridades eclesiais gostariam que fôssemos mais místicas e menos apostólicas. Que valor é atribuído à vida consagrada apostólica e em particular às mulheres, por algumas partes da Igreja hierárquica?

Primeiro: as mudanças que se devem fazer para assumir os novos desafios: a senhora falou de novidades, novidades em sentido positivo, se entendi bem, coisas novas que chegam... E a Igreja é mestra nisto, porque teve que mudar muito, mesmo muito na história. Mas em cada mudança é necessário discernimento, e não se pode fazer discernimento sem oração. Como se faz discernimento? A oração, o diálogo, depois o discernimento em comum. É preciso pedir o dom do discernimento, de saber discernir. Por exemplo, um empresário deve fazer mudanças na sua empresa: ele avalia concretamente, e faz o que a sua consciência lhe diz. Na nossa vida, entra outra personagem: o Espírito Santo. E para fazer uma mudança, devemos avaliar todas as circunstâncias concretas, isto é verdade, mas para entrar neste processo de discernimento com o Espírito Santo são necessários oração, diálogo e discernimento comum. Penso que sobre este aspeto nós não estamos bem formados — quando digo «nós» falo também dos sacerdotes — no discernimento das situações, e temos que procurar fazer experiências e encontrar também alguma pessoa que nos explique bem como se faz o discernimento: um bom padre espiritual que conheça bem estas coisas e no-las explique, que não é um simples «pró e contra», fazer a soma e ir em frente. Não, é algo mais. Qualquer mudança que tenha que ser feita, requer que se entre neste processo de discernimento. E isto vos dará mais liberdade, mais liberdade! O Direito Canónico: mas não há problema algum. No século passado o Direito Canónico foi mudado — se não erro — duas vezes: em 1917 e depois sob são João Paulo II. Pequenas mudanças podem ser feitas, fazem-se. Ao contrário, estas foram duas mudanças de todo o Código. O Código é uma ajuda disciplinar, uma ajuda para a salvação das almas, para tudo isto: é a ajuda jurídica da Igreja para os processos, para muitas coisas, mas que no século passado foi totalmente mudado por duas vezes, refeito. E assim podem-se mudar algumas partes. Há dois meses chegou um pedido para mudar um cânone, não me recordo bem... Mandei estudar a questão e o Secretário de Estado fez as consultas e todos concordaram, tinha que ser mudado para o maior bem, e foi feito. O Código é um instrumento, isto é muito importante. Mas insisto: nunca fazer uma mudança sem um processo de discernimento, pessoal e comunitário. E isto dar-vos-á liberdade, porque pondes na mudança o Espírito Santo. Foi o que fez são Paulo, o próprio são Pedro, quando ouviu que o Senhor o estimulava a batizar os pagãos. Quando lemos o livro dos Atos dos Apóstolos, admiramo-nos com tantas mudanças, tantas... É o Espírito! Isto é interessante: no livro dos Atos dos Apóstolos, os protagonistas não são os apóstolos, é o Espírito. «O Espírito constrangeu a fazer isto»; «o espírito disse a Filipe: vai ali e acolá, encontra o ministro da economia e batiza-o»; «O Espírito faz», «o Espírito diz: não, não venhais aqui»... É o Espírito. Foi o Espírito quem deu a coragem aos apóstolos para fazer esta mudança revolucionária de batizar os pagãos sem percorrer o caminho da catequese nem da praxe judaica. É interessante: nos primeiros capítulos há a Carta aos apóstolos, depois do Concílio de Jerusalém, enviam aos pagãos convertidos. Contam tudo o que fizeram: «O Espírito Santo e nós decidimos isto». Eis um exemplo de discernimento que fizeram. Qualquer mudança, fazei-a assim, com o Espírito Santo. Isto é: discernimento, oração e também avaliação concreta das situações.

E em relação ao Código não há problema, ele é um instrumento.

No respeitante ao compromisso permanente dos jovens. Nós vivemos numa «cultura do provisório». Contava-me um bispo, há tempos, que um jovem universitário tinha ido ter com ele, tendo terminado a universidade, 23/24 anos, e lhe disse: «Eu gostaria de ser sacerdote, mas só por dez anos». É a cultura do provisório. Nos casos matrimoniais é assim. «Eu caso-me contigo enquanto o amor durar e depois adeus». Mas amor entendido em sentido hedonista, no sentido desta cultura de hoje. Obviamente estes matrimónios são nulos, não são válidos. Não têm consciência da perpetuidade de um compromisso. Nos matrimónios é assim. Lede a problemática na Exortação apostólica Amoris laetitia, encontra-se nos primeiros capítulos e lede como preparar o matrimónio. Uma pessoa disse-me: «Eu não entendo isto: para ser padre é preciso estudar, preparar-se por oito anos, mais ou menos. E depois, se não funciona, ou se te apaixonas por uma linda menina, a Igreja permite: vai, casa-te, começa outra vida. Para se casar — que é para toda a vida, «para» a vida — a preparação em muitas dioceses são três, quatro conferências... Mas assim não funciona! Como pode um pároco assinar que estes estão preparados para o matrimónio, com esta cultura do provisório, com apenas quatro explicações? Trata-se de um problema muito sério. Na vida consagrada, sempre me surpreendeu — positivamente — a intuição de são Vicente de Paulo: ele via que as Irmãs da Caridade tinham que fazer um trabalho tão árduo, tão «perigoso», precisamente na fronteira e todos os anos têm que renovar os votos. Só por um ano. Mas tinha-o feito como carisma, não como cultura do provisório: para dar liberdade. Penso que na vida consagrada os votos temporais facilitam isto. E, não só, vós vedes, mas eu seria bastante favorável talvez para prolongar um pouco os votos temporários, devido a esta cultura do provisório que os jovens de hoje têm: significa... prolongar o namoro antes de celebrar o matrimónio! Isto é importante.

[Agora o Papa responde a uma parte da pergunta que não foi lida mas que estava escrita].

Os pedidos de dinheiro nas nossas Igrejas locais. O problema do dinheiro é muito importante, quer na vida consagrada, quer na Igreja diocesana. Nunca devemos esquecer que o diabo entra «pelos bolsos»: tanto pelos bolsos do bispo, como pelos da Congregação. Isto concerne o problema da pobreza, disto falarei a seguir. Mas a avidez do dinheiro é o primeiro degrau para a corrupção de uma paróquia, de uma diocese, de uma Congregação de vida consagrada, é o primeiro degrau. Penso que vem a propósito: o pagamento dos sacramentos. Reparai, se alguém vos pedir isto, denunciai o facto. A salvação é gratuita. Deus convidou-nos gratuitamente; a salvação é como um «desperdício de gratuitidade». Não há salvação a pagamento, não há sacramentos a pagamento. Está claro? Eu conheço, na minha vida vi corrupção neste aspeto. Recordo um caso, logo a seguir à minha nomeação episcopal, ocupava-me da zona mais pobre de Buenos Aires: está dividida em quatro vicariatos. Ali havia tantos migrantes dos países americanos, e acontecia que quando se vinham casar os párocos diziam: «Esta gente não tem a certidão de batismo». E quando a requeriam no próprio país diziam-lhe: «Sim, mas primeiro envia 100 dólares — recordo um caso — e depois envio-ta». Falei com o cardeal, o cardeal falou com o bispo do lugar... Mas entretanto o povo podia casar-se sem a certidão de batismo, com o juramento dos pais ou dos padrinhos. E este é o pagamento, não só do sacramento mas das certidões. Recordo que certa vez em Buenos Aires veio um jovem à paróquia, que se queria casar, para pedir o nulla osta para celebrar o sacramento noutra paróquia: é uma forma simples. Na secretaria responderam-lhe: «Sim, passe amanhã, venha amanhã e estará pronto», indicando-lhe a quantia a pagar. Uma boa quantia, mas trata-se de um serviço, é só verificar os dados e preencher. E ele — que era um excelente advogado, jovem, muito fervoroso, bom católico — veio ter comigo: «Agora que faço?» — «Vai amanhã e diz-lhe que enviaste o cheque ao arcebispo, e que o arcebispo lhe entregará o cheque». O comércio do dinheiro.

Aqui abordamos um problema sério, que é o da pobreza. Digo-vos uma coisa: quando um instituto religioso — e isto é válido também para as outras situações — se sente morrer, quando não tem a capacidade de atrair novos membros, talvez tenha passado o tempo para o qual o Senhor tinha escolhido aquela Congregação, a tentação é a avidez. Porquê? Porque pensam: «Pelo menos temos o dinheiro para a velhice». Isto é grave. E qual é a solução que a Igreja sugere? A união de vários institutos com carismas que se assemelham, e ir em frente. Mas o dinheiro nunca é uma solução para os problemas espirituais. É uma ajuda necessária, mas só o que serve. Acerca da pobreza Santo Inácio dizia que é «mãe» e «muro» da vida religiosa. Faz-nos crescer na vida religiosa como mãe e preserva-a. E começa a decadência quando falta a pobreza. Recordo-me de quando, noutra diocese, um colégio de irmãs muito importante tinha que fazer obras na casa das irmãs porque era velha, tinha que ser renovada; e fizeram um bom trabalho. Fizeram um bom trabalho. Mas naquele tempo — falo do ano de 1993/94 mais ou menos — diziam: «Reconstruamos a casa com todos os confortos, o quarto com casa de banho, tudo, e também a televisão...». Naquele colégio, que era muito importante, das 2 às 4 da tarde não se encontrava uma freira no colégio: estavam todas no quarto a ver a telenovela! Isto é falta de pobreza, e leva-te à vida confortável, às fantasias... Este é um exemplo, talvez o único no mundo, mas para compreender o perigo do conforto em demasia, da falta de pobreza ou de uma certa austeridade.

[Outra parte da pergunta não lida mas escrita]

As religiosas não recebem um ordenado pelos serviços que desempenham, como os padres. De que maneira podemos demonstrar um rosto atraente da nossa subsistência? Como podemos encontrar os recursos financeiros necessários para o desempenho da nossa missão?

Dir-vos-ei duas coisas. Primeira: ver como é o carisma, o interior do vosso carisma — cada qual tem o seu — e qual é o lugar da pobreza, porque há congregações que exigem uma vida de pobreza muito, muito forte; outras, não tanto, mas todas são aprovadas pela Igreja. Procurar a pobreza segundo o carisma. Depois: as poupanças. É prudência ter poupanças; é prudência ter uma boa administração, talvez com algum investimento, isso é prudente: para as casas de formação, para levar por diante as obras pobres, escolas para os pobres, trabalhos apostólicos... Uma fundação da própria congregação: vê-se fazer isto. E a riqueza pode ser prejudicial e corromper a vocação, mas também a miséria. Se a pobreza se torna miséria, também isto é prejudicial. Ali vê-se a prudência espiritual da comunidade no discernimento comum: a economia informa, todos falam, sim é demais, não é demais... Aquela prudência materna. Mas por favor, não vos deixeis enganar pelos amigos da congregação, que depois vos «depenarão» e vos privarão de tudo. Vi tantas casas, ou houve quem me contou, de religiosas que perderam tudo porque confiaram num tal... «muito amigo da congregação»! Há tantos manhosos, tantos astutos. A prudência consiste em não «consultar uma só pessoa: quando tiverdes necessidade, consultai várias pessoas, diferentes. A administração dos bens é uma responsabilidade muito grande, enorme, na vida consagrada. Se não dispondes do necessário para viver, dizei-o ao bispo. Dizei a Deus: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje», o verdadeiro. Mas falai com o Bispo, com a Superiora-Geral, com a Congregação para os religiosos. Para o necessário, porque a vida religiosa é um caminho de pobreza, mas não é um suicídio! E esta é a santa prudência! Está claro?

E depois, onde há conflitos devido ao que as Igrejas locais vos pedem, é preciso rezar, discernir e ter a coragem, quando se deve, de dizer «não»; e ter a generosidade, quando se deve, de dizer «sim». Contudo, vedes quanto é necessário o discernimento!

Quando desempenhamos o nosso ministério, somos solidárias com os pobres e com os marginalizados, muitas vezes somos erroneamente consideradas ativistas sociais ou como se tomássemos posições políticas. Algumas autoridades eclesiais olham negativamente para o nosso ministério, frisando que deveríamos concentrar-nos mais numa forma de vida mística. Nestas circunstâncias, como podemos viver a nossa vocação profética?

Sim. Todas as consagradas devem viver misticamente, porque o vosso é um casamento; a vossa é uma vocação de maternidade, é uma vocação de estar no lugar da Mãe Igreja e da Mãe Maria. Mas quantos vos dizem isto, pensam que ser místico significa ser uma múmia, sempre assim, a rezar... Não, não. Deve-se rezar e trabalhar segundo o próprio carisma; e quando o carisma te leva adiante com os refugiados, com os pobres, tu deves fazê-lo, e chamar-te-ão «comunista»: não é o pior que te vão dizer. Mas deves fazê-lo. Porque o carisma te leva a isto. Recordo-me de uma religiosa na Argentina: foi provincial da sua congregação. Uma boa mulher, e ainda trabalha... sim, tem quase a minha idade. E trabalha contra os traficantes de jovens, de pessoas. Recordo-me que, durante o governo militar na Argentina, a queriam encarcerar, faziam pressão sobre o arcebispo, faziam pressão sobre a superiora provincial, antes que ela mesma se tornasse provincial, «porque esta mulher é comunista». Mas esta mulher salvou tantas jovens, tantas moças! Sim, é a cruz. Que disseram de Jesus? Que era Belzebu, que tinha o poder de Belzebu. A calúnia, estai preparadas. Se praticardes o bem, com a oração, diante de Deus, assumindo todas as consequências do vosso carisma e fordes em frente, preparai-vos para a difamação e para a calúnia, porque o Senhor escolheu para si esta vereda! E nós, bispos, devemos preservar estas mulheres que são ícones da Igreja, quando fazem coisas difíceis e são caluniadas, perseguidas. Ser perseguido é a última das Bem-Aventuranças. O Senhor disse-nos: «Bem-aventurados os perseguidos, os insultados» e todas estas coisas. Mas aqui o perigo pode ser: «Eu faço a minha» — não, não: tu ouves isto, perseguir-te-ão: fala. Com a tua comunidade, com a tua superiora, fala com todos, procura conselhos, discerne: outra vez a palavra. E esta religiosa da qual estou a falar, um dia encontrei-a a chorar, e dizia: «Olha a carta que recebi de Roma — não digo de onde — que devo fazer?» — «Tu és filha da Igreja?» — «Sim!» — «Queres obedecer à Igreja?» — «Sim» — «Responde que obedecerás à Igreja, e depois vai falar com a tua superiora, com a tua comunidade, com o teu bispo — que era eu — e a Igreja dirá o que deves fazer. Mas não uma carta que vem de 12.000 km de distância». Porque ali um amigo dos inimigos da irmã tinha escrito, ela foi caluniada. Corajosas, mas com humildade, discernimento, oração, diálogo.

Uma palavra de encorajamento a nós líderes, que carregamos o peso do dia.

Mas concedei-vos também um alívio! O repouso, porque muitas doenças são causadas pela falta de um repouso sadio, descanso em família... Isto é importante para suportar o peso do dia.

Vós mencionastes aqui também as religiosas idosas e doentes. Mas estas irmãs são a memória do instituto, foram elas que semearam, que trabalharam, e agora estão paralíticas, muito doentes ou postas de lado. Estas religiosas rezam pelo Instituto. Isto é muito importante, que se sintam participantes da oração pelo Instituto. Elas têm também uma experiência muito grande: algumas mais, outras menos! Ouvi-as! Ide visitá-las: «Diga-me, irmã, o que pensa acerca disto, daquilo?». Que se sintam interpeladas e da sua sabedoria virá um bom conselho. Estai certas.

Eis o que sinto que devo dizer-vos. Sei que me repito sempre e digo as mesmas coisas, mas a vida é assim... Gosto de ouvir as perguntas, porque me fazem pensar e sinto-me como o guarda-redes, que está ali, à espera de onde vem a bola... Isto é bom e é isto que fazeis também vós no diálogo.

Farei as coisas que prometi. E rezai por mim, eu rezo por vós. E vamos em frente. A nossa vida é pelo Senhor, pela Igreja e pelo povo, que sofre tanto e precisa da carícia do Pai, através de vós! Obrigado!

[Ave-Maria]

Depois da bênção:

E rezai por mim para que possa servir bem a Igreja.

 



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