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ENCONTRO COM OS MEMBROS DA CÚRIA ROMANA
PARA A APRESENTAÇÃO DOS VOTOS NATALÍCIOS

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

Sala Clementina
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

[Multimídia]


 

Amados irmãos e irmãs!

O Natal é a festa da fé no Filho de Deus que Se fez homem, para devolver ao homem a dignidade filial que perdera por causa do pecado e da desobediência. O Natal é a festa da fé nos corações que se transformam em manjedoura para O receber, nas almas que permitem a Deus fazer brotar do tronco de sua pobreza o rebento de esperança, caridade e fé.

O dia de hoje proporciona-nos uma nova ocasião para trocarmos os votos natalícios e desejar a todos vós, aos vossos colaboradores, aos Representantes pontifícios, a todas as pessoas que prestam serviço na Cúria e a todos os vossos entes queridos um santo e jubiloso Natal e um feliz Ano Novo. Que este Natal nos abra os olhos para abandonarmos o supérfluo, o falso, o malévolo e o fictício, e vermos o essencial, o verdadeiro, o bom e o autêntico. Sinceros votos de todo o bem.

Amados irmãos!

Tendo falado anteriormente sobre a Cúria Romana ad intra, desejo este ano partilhar convosco algumas reflexões sobre a realidade da Curia ad extra, nomeadamente a relação da Cúria com as nações, com as Igrejas particulares, com as Igrejas Orientais, com o diálogo ecuménico, com o Judaísmo, com o Islamismo e as outras religiões, isto é, com o mundo externo.

As minhas reflexões baseiam-se certamente nos princípios basilares e canónicos da Cúria, na própria história da Cúria, mas também na visão pessoal que procurei partilhar convosco nos discursos dos últimos anos, no contexto da atual reforma em curso.

E, a propósito da reforma, vem-me à mente a frase simpática e significativa de Mons. Frédéric-François-Xavier de Mérode: «Fazer as reformas em Roma é como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dentes».[1] Nela se ressalta a grande paciência, dedicação e delicadeza que são necessárias para se alcançar tal objetivo, dado que a Cúria é uma instituição antiga, complexa, venerável, composta por pessoas de diferente cultura, língua e mentalidade, e que estruturalmente, desde sempre, está ligada à função primacial do Bispo de Roma na Igreja, ou seja, ao «sacro» ministério querido pelo próprio Cristo Senhor para bem de todo o corpo da Igreja (ad bonum totius corporis).[2]

Assim, a universalidade do serviço da Cúria deriva e brota da catolicidade do Ministério Petrino. Uma Cúria fechada em si mesma trairia o objetivo da sua existência e cairia na autorreferencialidade, condenando-se à autodestruição. Por sua natureza, a Cúria está projetada ad extra, enquanto ligada ao Ministério Petrino, ao serviço da Palavra e do anúncio da Boa Nova: o Deus Emanuel, que nasce entre os homens, que Se faz homem para mostrar a cada homem a sua íntima proximidade, o seu amor sem limites e o seu desejo de que todos os homens sejam salvos e cheguem a gozar da beatitude celeste (cf. 1 Tim 2, 4); o Deus que faz despontar o seu sol sobre bons e maus (cf. Mt 5, 45); o Deus que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20, 28); o Deus que constituiu a Igreja para estar no mundo sem ser do mundo, e para ser instrumento de salvação e de serviço.

Pensando precisamente nesta finalidade ministerial, petrina e curial, ou seja, de serviço, na saudação que recentemente dirigi aos Padres e Chefes das Igrejas Orientais Católicas,[3] empreguei a expressão «primado diaconal», associando-a imediatamente com a imagem cara a São Gregório Magno de Servus servorum Dei. Na sua dimensão cristológica, esta definição expressa, antes de mais nada, a firme vontade de imitar a Cristo, que assumiu a forma de servo (cf. Flp 2, 7). Bento XVI, quando falou sobre esta frase, disse que, nos lábios de Gregório, não era «uma fórmula piedosa, mas a verdadeira manifestação do seu modo de viver e agir. Sensibilizava-o intimamente a humildade de Deus, que em Cristo Se fez nosso servo, nos lavou e lava os pés sujos».[4]

Idêntica atitude diaconal deve caraterizar também aqueles que, a vário título, trabalham na área da Cúria Romana, a qual – como lembra o próprio Código de Direito Canónico – «desempenha o seu múnus em nome e por autoridade [do Sumo Pontífice] para o bem e serviço das Igrejas» (cân. 360; cf. CCEO cân. 46).

Primado diaconal «em referência ao Papa»[5] e, em consequência, é igualmente diaconal o trabalho que se realiza dentro da Cúria Romana (ad intra) e fora (ad extra). Este tema da diaconia ministerial e curial faz-me remontar a um antigo texto, presente na Didascalia Apostolorum, onde se recomenda que o «diácono seja o ouvido e a boca do Bispo, o seu coração e a sua alma»,[6] pois desta concórdia depende a comunhão, a harmonia e a paz na Igreja, já que o diácono é o guardião do serviço na Igreja.[7] Creio que não é casual o facto de o ouvido ser o órgão da audição mas também do equilíbrio; e a boca, o órgão para provar mas também para falar.

Outro texto antigo acrescenta que os diáconos são chamados a ser como que os olhos do Bispo.[8] Os olhos veem para transmitir as imagens à mente, ajudando-a a tomar as decisões e a encaminhar para o bem todo o corpo.

A relação que se pode deduzir destas imagens é a de comunhão e obediência filial para servir o povo santo de Deus. Não há dúvida que a mesma relação deve existir também entre todos aqueles que trabalham na Cúria Romana, desde os Chefes de Dicastério e Superiores até aos oficiais e restante pessoal. A comunhão com Pedro fortalece e revigora a comunhão entre todos os membros.

Deste ponto de vista, a evocação dos sentidos do organismo humano ajuda a perceber o significado da extroversão, da atenção ao que existe fora. Com efeito, no organismo humano, os sentidos são a nossa primeira ligação com o mundo ad extra, são como que uma ponte para ele; são a nossa possibilidade de nos relacionarmos. Os sentidos ajudam-nos a apreender o real e, de igual modo, a situar-nos no real. Não é por acaso que São Inácio de Loyola faz recurso aos sentidos na contemplação dos Mistérios de Cristo e da verdade.[9]

Isto é muito importante para superar aquela lógica desequilibrada e degenerada de conluios ou de pequenos clubes que realmente representam – não obstante todas as suas justificações e boas intenções – um câncer que leva à autorreferencialidade, que se infiltra também nos organismos eclesiásticos como tais e, de modo particular, nas pessoas que lá trabalham. Mas, quando isto acontece, perde-se a alegria do Evangelho, a alegria de comunicar Cristo e de estar em comunhão com Ele; perde-se a generosidade da nossa consagração (cf. At 20, 35; 2 Cor 9, 7).

Permiti-me aqui uma palavra sobre outro perigo: o dos traidores da confiança ou os que se aproveitam da maternidade da Igreja, isto é, as pessoas que são cuidadosamente selecionadas para dar maior vigor ao corpo e à reforma, mas – não compreendendo a alçada da sua responsabilidade – deixam-se corromper pela ambição ou a vanglória e, quando delicadamente são afastadas, autodeclaram-se falsamente mártires do sistema, do «Papa desinformado», da «velha guarda»... em vez de recitar o «mea culpa». A par destas pessoas, há ainda outras que continuam a trabalhar na Cúria e às quais se concede todo o tempo para retomar o caminho certo, com a esperança de que encontrem na paciência da Igreja uma oportunidade para se converter e não para se aproveitar. Isto naturalmente sem esquecer a esmagadora maioria de pessoas fiéis que nela trabalham com louvável empenho, fidelidade, competência, dedicação e também com grande santidade.

Assim é oportuno, voltando à imagem do corpo, destacar a necessidade de que estes «sentidos institucionais» – a que poderemos, de alguma forma, comparar os Dicastérios da Cúria romana – devem agir de maneira conforme à sua natureza e finalidade: em nome e com a autoridade do Sumo Pontífice e sempre para o bem e ao serviço das Igrejas.[10] Os Dicastérios estão chamados a ser na Igreja como que antenas sensíveis fiéis: emissoras e recetoras.

Antenas «emissoras» enquanto habilitadas a transmitir fielmente a vontade do Papa e dos Superiores. A palavra «fidelidade»,[11] para aqueles que trabalham na Santa Sé, «assume um caráter particular, já que colocam ao serviço do Sucessor de Pedro boa parte das suas energias, do seu tempo e do seu ministério diário. É uma responsabilidade séria, mas também um dom especial, que, com o passar do tempo, vai desenvolvendo um vínculo afetivo com o Papa, feito de íntima confidência, um natural idem sentire, bem expresso precisamente pela palavra “fidelidade”».[12]

A imagem da antena alude igualmente ao outro movimento, inverso, de «recetor». Trata-se de apreender as solicitações, as perguntas, os pedidos, os gritos, as alegrias e as lágrimas das Igrejas e do mundo, para os transmitir ao Bispo de Roma a fim de lhe permitir desempenhar mais eficazmente a sua tarefa e missão de «princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão».[13] Com tal recebimento, que é mais importante do que o aspeto preceituoso, os Dicastérios da Cúria romana entram generosamente naquele processo de escuta e sinodalidade de que já tenho falado.[14]

Amados irmãos!

Recorri à expressão «primado diaconal», à imagem do corpo, dos sentidos e da antena a fim de explicar que, precisamente para alcançar os espaços onde o Espírito fala às Igrejas (isto é, a história) e para realizar a finalidade do seu agir (a salus animarum), é necessário, antes indispensável, praticar o discernimento dos sinais dos tempos,[15] a comunhão no serviço, a caridade na verdade, a docilidade ao Espírito e a obediência confiante aos Superiores.

Talvez seja útil lembrar aqui que os próprios nomes dos diferentes Dicastérios e Departamentos da Cúria romana sugerem as realidades em favor das quais devem trabalhar. Bem vistas as coisas, trata-se de ações fundamentais e importantes para toda a Igreja e – diria – para o mundo inteiro.

Sendo realmente muito ampla a atividade da Cúria, hoje limitar-me-ei a falar-vos genericamente da Cúria ad extra, isto é, de alguns aspetos fundamentais selecionados, a partir dos quais não será difícil, no futuro próximo, elencar e aprofundar os outros campos de ação da Cúria.

A Cúria e a relação com as Nações

Neste campo, desempenha um papel fundamental a Diplomacia Vaticana, que é a busca sincera e constante de tornar a Santa Sé construtora de pontes, de paz e de diálogo entre as nações. E sendo uma Diplomacia ao serviço da humanidade e do homem, da mão estendida e da porta aberta, esforça-se por escutar, entender, ajudar, assinalar e intervir pronta e respeitosamente em qualquer situação para colmar distâncias e tecer confiança. O único interesse da Diplomacia Vaticana é permanecer livre de qualquer interesse mundano ou material.

Assim, a Santa Sé está presente no cenário mundial, para colaborar com todas as pessoas e as nações de boa vontade e para reiterar incessantemente a importância de preservar a nossa casa comum de todo o egoísmo destrutivo; para afirmar que as guerras só trazem morte e destruição; para extrair do passado os ensinamentos necessários que nos ajudam a viver melhor o presente, construir solidamente o futuro e salvaguardá-lo para as novas gerações.

Os encontros com os Chefes das nações e com as várias Delegações, juntamente com as Viagens Apostólicas são o instrumento e têm por objetivo isso mesmo.

Eis o motivo por que se constituiu a Terceira Secção da Secretaria de Estado, ou seja, com a finalidade de demonstrar a solicitude e a proximidade do Papa e dos Superiores da Secretaria de Estado ao pessoal de quadro diplomático e também aos religiosos e religiosas, aos leigos e leigas que trabalham nas Representações Pontifícias. Uma Secção que se ocupa das questões atinentes às pessoas que trabalham no serviço diplomático da Santa Sé ou que para isso se preparam, em estreita colaboração com a Secção para os Assuntos Gerais e com a Secção para as Relações com os Estados.[16]

Esta particular solicitude baseia-se na dúplice dimensão do serviço do pessoal diplomático de quadro: pastores e diplomatas, ao serviço das Igrejas particulares e das nações onde trabalham.

A Cúria e as Igrejas particulares

A relação que liga a Cúria às dioceses e às eparquias é de primordial importância. Elas encontram na Cúria romana o apoio e suporte necessários de que possam precisar. É uma relação que se baseia na colaboração, na confiança e nunca na superioridade ou na contrariedade. A fonte desta relação está no Decreto conciliar sobre o ministério pastoral dos Bispos, onde se explica mais amplamente que o trabalho da Cúria é um trabalho realizado «para bem das Igrejas e em serviço dos sagrados pastores».[17]

Por isso, a Cúria romana tem como seu ponto de referência não só o Bispo de Roma, de quem recebe a autoridade, mas também as Igrejas particulares e os seus pastores em todo o mundo, para cujo bem trabalha e atua.

A esta caraterística de «serviço ao Papa e aos Bispos, à Igreja universal, às Igrejas particulares e ao mundo inteiro», fiz apelo no primeiro destes nossos encontros anuais, quando assinalei que, «na Cúria romana, de um modo especial aprende-se, “respira-se” esta dupla dimensão da Igreja, esta interpenetração entre universal e particular», e acrescentei: «Penso que esta seja uma das mais belas experiências de quem vive e trabalha em Roma».[18]

Nesta linha, as visitas ad limina Apostolorum representam uma grande oportunidade de encontro, diálogo e enriquecimento mútuo. Por isso é que preferi, ao encontrar os Bispos, ter um diálogo de escuta mútua, diálogo livre, reservado, sincero, que ultrapassa os esquemas protocolares e a troca habitual de discursos e recomendações. É importante também o diálogo entre os Bispos e os vários Dicastérios. Este ano, ao retomar as visitas ad limina depois do Ano do Jubileu, os Bispos confidenciaram-me que foram bem acolhidos e atendidos por todos os Dicastérios. Isto deixa-me tão feliz! E agradeço-o aos Chefes de Dicastério aqui presentes!

Permiti-me também aqui, neste momento particular da vida da Igreja, de chamar a atenção de todos nós para a próxima XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocada sobre o tema «Os jovens, a fé e o discernimento vocacional». Chamar a Cúria, os Bispos e toda a Igreja a prestar atenção especial à pessoa dos jovens não significa apenas pôr neles os olhos, mas também concentrar-se num tema nodal para um complexo de relações e urgências: as relações intergeracionais, a família, os campos da pastoral, a vida social... Assim o anuncia claramente o Documento preparatório na sua introdução: «A Igreja decidiu interrogar-se sobre o modo de acompanhar os jovens a reconhecer e a acolher a chamada ao amor e à vida em plenitude, e também pedir aos próprios jovens que a ajudem a identificar as modalidades hoje mais eficazes para anunciar a Boa Notícia. Através dos jovens, a Igreja poderá ouvir a voz do Senhor que ressoa inclusive nos dias de hoje. Assim como outrora Samuel (cf. 1 Sm 3, 1-21) e Jeremias (cf. Jr 1, 4-10), existem jovens que sabem vislumbrar aqueles sinais do nosso tempo, apontados pelo Espírito. Ouvindo as suas aspirações, podemos entrever o mundo de amanhã que vem ao nosso encontro e os caminhos que a Igreja é chamada a percorrer».[19]

A Cúria e as Igrejas Orientais

A unidade e a comunhão, que caraterizam a relação entre a Igreja de Roma e as Igrejas Orientais, representam um exemplo concreto de riqueza na diversidade para toda a Igreja. Na fidelidade às suas próprias Tradições bimilenárias e na ecclesiastica communio, experimentam e realizam a Oração Sacerdotal de Cristo (cf. Jo 17).[20]

Nesta linha, no último encontro com os Patriarcas e Arcebispos-Mores das Igrejas Orientais, ao falar do «primado diaconal», ressaltei também a importância de aprofundar e rever a delicada questão da eleição dos novos Bispos e Eparcas que deve corresponder à autonomia das Igrejas Orientais e, ao mesmo tempo, ao espírito de responsabilidade evangélica e ao desejo de fortalecer cada vez mais a unidade com a Igreja Católica. «E tudo isto, na mais convicta aplicação daquela autêntica prática sinodal, que é distintiva das Igrejas do Oriente».[21] A eleição de cada Bispo deve refletir e fortalecer a unidade e a comunhão entre o Sucessor de Pedro e todo o Colégio Episcopal.[22]

A relação entre Roma e o Oriente é de mútuo enriquecimento espiritual e litúrgico. Na realidade, a Igreja de Roma não seria verdadeiramente católica sem as riquezas inestimáveis das Igrejas Orientais e sem o testemunho heroico de muitos dos nossos irmãos e irmãs orientais que purificam a Igreja, aceitando o martírio e dando a sua vida para não renegar a Cristo.[23]

A Cúria e o diálogo ecuménico

Há ainda espaços onde está particularmente empenhada a Igreja Católica, especialmente depois do Vaticano II. Entre eles inclui-se a unidade dos cristãos que «é uma exigência essencial da nossa fé, uma exigência que brota do íntimo do nosso ser crentes em Jesus Cristo».[24] É verdade que se trata de um «caminho», mas, como várias vezes foi reiterado pelos meus predecessores, é um caminho irreversível e não em inversão de marcha. «Gosto de repetir que a unidade se faz caminhando, para recordar que, quando caminhamos juntos, ou seja, quando nos encontramos como irmãos, rezamos juntos, colaboramos juntos no anúncio do Evangelho e no serviço aos últimos, já estamos unidos. Todas as divergências teológicas e eclesiológicas que ainda dividem os cristãos serão superadas unicamente por este caminho, sem que nós saibamos como nem quando, mas isto acontecerá segundo aquilo que o Espírito Santo quiser sugerir para o bem da Igreja».[25]

A Cúria trabalha neste campo para favorecer o encontro com o irmão, desatar os nós das incompreensões e hostilidades, e contrastar os preconceitos e o receio do outro que impediram de ver a riqueza da diversidade e na diversidade e a profundidade do Mistério de Cristo e da Igreja que permanece sempre maior do que qualquer expressão humana.

Os encontros verificados com os Papas, os Patriarcas e os Chefes das várias Igrejas e Comunidades sempre me encheram de alegria e gratidão.

A Cúria e o Judaísmo, o Islamismo, as outras religiões

A relação da Cúria romana com as outras religiões baseia-se na doutrina do Concílio Vaticano II e na necessidade do diálogo. «Porque a única alternativa à civilização do encontro é a incivilidade do conflito».[26] O diálogo é construído sobre três diretrizes fundamentais: «o dever da identidade, a coragem da alteridade e a sinceridade das intenções. O dever da identidade, porque não se pode construir um verdadeiro diálogo sobre a ambiguidade nem sobre o sacrifício do bem para agradar ao outro; a coragem da alteridade, porque quem é cultural ou religiosamente diferente de mim, não deve ser visto e tratado como um inimigo, mas recebido como um companheiro de viagem, na genuína convicção de que o bem de cada um reside no bem de todos; a sinceridade das intenções, porque o diálogo, enquanto expressão autêntica do humano, não é uma estratégia para se conseguir segundos fins, mas um caminho de verdade, que merece ser pacientemente empreendido para transformar a competição em colaboração».[27]

Prova concreta disto mesmo são os encontros realizados com as autoridades religiosas nas diferentes viagens apostólicas e nos encontros no Vaticano.

Estes são apenas alguns aspetos, importantes mas não exaustivos, da atividade da Cúria ad extra. Hoje escolhi estes aspetos ligados ao tema do «primado diaconal», dos «sentidos institucionais» e das «antenas emissoras e recetoras fiéis».

Amados irmãos e irmãs!

Tal como iniciei este nosso encontro, falando do Natal como a festa da fé, gostaria de concluir destacando, porém, que o Natal nos lembra que uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida. Na verdade, uma fé meramente intelectual ou morna é apenas uma proposta de fé, que poderia concretizar-se quando chegar a envolver o coração, a alma, o espírito e todo o nosso ser, quando se permite a Deus nascer sempre de novo na manjedoura do coração, quando permitimos à estrela de Belém guiar-nos para o lugar onde jaz o Filho de Deus, não entre os reis e o luxo, mas entre os pobres e os humildes.

No seu livro Il Pellegrino cherubico, Angelo Silesio escreveu: «Depende apenas de ti: Ah, se o teu coração pudesse tornar-se uma manjedoura! Deus voltaria a nascer Menino na terra».[28]

Com estas reflexões, renovo os meus votos natalícios mais calorosos a vós e a todos os vossos entes queridos.

Obrigado!


Palavras improvisadas, no termo do Discurso à Curia

Como prenda de Natal, gostaria de vos deixar esta versão italiana da obra Je veux voir Dieu (Quero ver Deus), do Beato Padre Maria Eugénio do Menino Jesus. É uma obra de teologia espiritual que nos fará bem a todos. Talvez não a lendo toda; mas procurando no índice aquilo que mais interessa ou de que mais preciso. Espero que seja de proveito para todos nós.

E, ainda, o Cardeal Piacenza foi tão generoso que, com o trabalho da Penitenciaria (nomeadamente de Mons. Nykiel), fez este livro La festa del perdono (A Festa do Perdão), resultado do Jubileu da Misericórdia; também ele vo-lo quis oferecer de prenda. Agradeço ao Cardeal Piacenza e à Penitenciaria Apostólica.

Isto ser-vos-á dado a todos à saída.

Obrigado!

[Bênção]

E, por favor, rezai por mim.

 


[1] Cf. Giuseppe Dalla Torre, A propósito duma história da Gendarmaria Pontifícia (19/X/2017).

[2] «Cristo Nosso Senhor, para apascentar e aumentar continuamente o Povo de Deus, instituiu na Igreja diferentes ministérios, para bem de todo o corpo» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 18).

[3] Cf. Saudação aos Patriarcas e Arcebispos-Mores (9/X/2017).

[4] Catequese na Audiência Geral (4/VI/2008).

[5] Cf. João Paulo II, Discurso durante a reunião plenária do Sacro Colégio dos Cardeais (21/XI/1985), 4.

[6] Didascalia 2, 44: Funk, 138-166. Cf. W. Rordorf, «Liturgie et eschatologie», in Augustinianum 18 (1978), 153-161; Idem, «Que savons-nous des lieux de culte chrétiens de l'époque préconstantinienne?», in L'Orient Syrien 9 (1964), 39-60.

[7] Cf. Francisco, Encontro com os sacerdotes e os consagrados (Catedral de Milão, 25/III/2017).

[8] «Quanto aos diáconos da Igreja, sejam como que os olhos do Bispo, que sabem ver tudo em redor, investigando as ações de cada um dos membros da Igreja, caso alguém esteja para pecar: assim, prevenido pela advertência de quem preside, talvez não leve a termo o [seu pecado]» [Carta de Clemente a Tiago, 12: Rehm 14-15, in Enrico Cattaneo (coord.), Os Ministérios na Igreja Antiga. Testos patrísticos dos primeiros três séculos (Edições Paulinas, 1997), p. 696].

[9] Cf. Exercícios Espirituais, n. 121: «A quinta contemplação será aplicar os cinco sentidos sobre a primeira e a segunda contemplação».

[10] No comentário de São Jerónimo ao Evangelho de Mateus, temos una curiosa comparação entre os cinco sentidos do organismo humano e as virgens da parábola evangélica, que se tornam insensatas quando deixam de agir segundo a finalidade que lhes foi atribuída (cf. Comm. in Mt XXV: PL 26, 184).

[11] O conceito de fidelidade revela-se muito exigente e significativo porque destaca também a duração no tempo do compromisso assumido, faz apelo a uma virtude que – como disse Bento XVI – «expressa o vínculo muito especial que se cria entre o Papa e os seus colaboradores imediatos, tanto na Cúria Romana como nas Representações Pontifícias» (Discurso à Comunidade da Pontifícia Academia Eclesiástica, 11/VI/2012).

[12] Ibidem.

[13] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 18.

[14] «Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar “é mais do que ouvir”. É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade” (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele “diz às Igrejas” (Ap 2, 7)» (Discurso no cinquentenário do Sínodo dos Bispos, 17/X/2015).

[15] Cf. Lc 12, 54-59; Mt 16, 1-4; Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 11: «O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas».

[16] Cf. Francisco, Carta Pontifícia, 18/X/2017; Comunicado da Secretaria de Estado, 21/XI/2017.

[17] Christus Dominus, 9.

[18] Discurso à Cúria Romana (21/XII/2013); cf. Paulo VI, Homilia por ocasião do seu octogésimo aniversário (16/X/1977): «Sim, tenho amado Roma, no contínuo empenho de meditar e compreender o seu segredo transcendente, incapaz eu certamente de o penetrar e viver, mas apaixonado sempre, como ainda estou agora, por descobrir como e porquê “Cristo é Romano” (cf. Dante Alighieri, A Divina Comédia, «Purgatório», XXXII, 102), (…) a vossa “consciência romana”, quer a cidadania desta Urbe predestinada vos tenha vindo por nascimento, quer por permanência em domicílio, ou ainda por hospitalidade aqui recebida; “consciência romana” que a Urbe é capaz de infundir a quem saiba respirar o seu sentimento de universal humanismo» [Insegnamenti di Paolo VI, XV (1977), 1957].

[19] Sínodo dos Bispos – XV Assembleia Geral Ordinária, Documento Preparatório Os jovens, a fé e o discernimento vocacional, Introdução.

[20] Por um lado, a unidade, que é fruto do dom do Espírito, encontra expressão natural e plena na «união indefetível com o Bispo de Roma» (Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, 40); e, por outro, o facto de estar inseridos na comunhão do Corpo inteiro de Cristo consciencializa-nos do dever de reforçar a união e a solidariedade no seio dos vários Sínodos Patriarcais, ‎‎«privilegiando sempre a conciliação nas questões de grande importância para a Igreja em ordem a uma ação colegial e unitária» (Ibid., 40)‎.

[21] Francisco, Saudação aos Patriarcas das Igrejas Orientais e os Arcebispos-Mores (21/XI/2013).

[22] Juntamente com os Chefes e Padres, os Arcebispos e os Bispos orientais, em comunhão com o Papa, com a Cúria e uns com os outros, todos somos chamados a «procurar sempre “a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência e a mansidão” (cf. 1 Tim 6, 11); um estilo de vida sóbrio à imagem de Cristo, que Se despojou para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9); (…) a transparência na gestão dos bens e a solicitude em relação a todas as debilidades e necessidades» (Ibidem).

[23] «Vemos muitos dos nossos irmãos e irmãs cristãos das Igrejas Orientais suportarem perseguições dramáticas e uma diáspora cada vez mais inquietante» (Francisco, Homilia por ocasião do centenário da Congregação para as Igrejas Orientais e do Pontifício Instituto Oriental, Basílica de Santa Maria Maior, 12/X/2017). «Relativamente a estas situações, ninguém pode fechar os olhos» (Idem, Mensagem no centenário de fundação do Pontifício Instituto Oriental, 12/X/2017).

[24] Francisco, Discurso à Plenária do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (10/XI/ 2016)‎.

[25] Ibidem.

[26] Francisco, Discurso aos Participantes na Conferência Internacional em prol da Paz (Cairo: Al-Azhar Conference Centre, 28/IV/2017).

[27] Ibidem.

[28] Publicado pelas Edições Paulinas, 1989, p. 170 [234-235]: «Es mangelt nur an dir: Ach, könnte nur dein Herz zu einer Krippe werden, Gott würde noch einmal ein Kind auf dieser Erden».

 



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