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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO MARRROCOS
[30-31 DE MARÇO DE 2019]

COLETIVA DE IMPRENSA DO SANTO PADRE
 DURANTE O VOO DE REGRESSO DE RABAT

Domingo, 31 de março de 2019

[Multimídia]


 

Gisotti:

Boa tarde, Santo Padre! Boa tarde a todos vós. Temos um voo mais breve do que o planeado, mas acho que gostareis de voltar mais facilmente para casa; entretanto a conferência de imprensa também será um pouco mais breve. Por isso nada mais acrescento de introdução, senão isto, Santo Padre: Ontem, dizíamos «servidor da esperança», vimos a alegria, a esperança, muitíssimos jovens, um sinal lindo poucos dias depois da assinatura da [Exortação Apostólica] Christus vivit, que será tornada pública dentro de dois dias; este é, pois, mais um bom sinal, que veio de Marrocos. Não sei se Vossa Santidade quer também dizer alguma coisa antes de dar lugar às perguntas.

Papa Francisco

Agradeço-vos pela companhia, a viagem, o vosso trabalho, que vos exigiu grande empenho porque, num dia e meio, aconteceram muitas coisas. Obrigado pelo vosso trabalho. E agora estou à vossa disposição.

Gisotti

Como é claramente de tradição, começamos pelos meios de comunicação locais. Siham Toufiki, queres fazer a pergunta em francês ou inglês?

Siham Toufiki, Agência Map:

Em francês. Houve momentos muito fortes nesta visita e mensagens incisivas. Esta visita foi um acontecimento excecional, histórico para o povo marroquino. A questão: quais serão os frutos desta visita para o futuro, para a paz no mundo, para a convivência no diálogo entre culturas?

Papa Francisco

Diria que agora temos as flores; os frutos virão depois! Mas as flores são promissoras. Estou feliz pela possibilidade que tive, nestas duas viagens [Emirados Árabes Unidos e Marrocos], de falar sobre uma realidade que me está muito a peito: a paz, a unidade, a fraternidade. Com os irmãos e irmãs muçulmanos, selamos esta fraternidade no Documento de Abu Dhabi e aqui, em Marrocos, foi o que todos vimos: uma liberdade, uma fraternidade, uma hospitalidade; todos irmãos, com um respeito muito grande. E isto é uma linda «flor», uma bela flor de convivência que promete dar frutos. Não devemos desistir! É verdade que ainda haverá dificuldades, haverá muitas dificuldades, porque existem, infelizmente, grupos intransigentes. Mas gostaria de reiterar aqui e deixar claro: em toda a religião, há sempre um grupo fundamentalista, que não quer avançar e vive de amargas recordações, das lutas passadas; prefere a guerra e semeia o medo. Nós vimos que é mais belo semear esperança: semear a esperança e caminhar de mãos dadas, sempre para diante. Vimos que, no diálogo convosco aqui em Marrocos, são necessárias pontes, e ficamos tristes quando vemos pessoas que preferem construir muros. Porque é que ficamos tristes? Porque aqueles que constroem muros, acabarão prisioneiros dos muros que edificam. Pelo contrário, aqueles que constroem pontes, irão tão longe. A meu ver, construir pontes é algo que ultrapassa o humano, porque se torna necessário um esforço muito grande. Impressionou-me imenso uma frase do escritor Ivo Andrić, no romance A ponte sobre o Drina: diz que a ponte é feita por Deus com as asas dos anjos para que os homens comuniquem, entre as montanhas e as margens dum rio, para que os homens possam comunicar entre si. A ponte serve para a comunicação humana. Isto é muito belo e vi-o em Marrocos. Pelo contrário, os muros são contra a comunicação, são para o isolamento, e fica-se prisioneiro de tais muros... Assim, resumindo: os frutos não se veem, mas veem-se muitas flores que darão frutos. Continuemos para diante assim.

Gisotti

Santo Padre, outra pergunta dos meios de comunicação de Marrocos! Nadia Hammouchi…

Nadia Hammouchi, TV 2M

Vossa Santidade esteve dois dias em terra do Islã. É chefe da Igreja Católica e encontrou o Rei de Marrocos, que é também o Comandante dos crentes. Houve, pois, tempo para um intercâmbio, para dialogar no quadro desta aproximação que é necessária entre as religiões, entre as culturas; e assinaram também algo de concreto relativamente a Jerusalém. Em que sentido pode esta visita, com todos os momentos fortes que registou, reforçar este diálogo, este impulso e este relacionamento entre o Chefe da Igreja Católica e o Comandante dos crentes em Marrocos?

Papa Francisco

Quando existe um diálogo fraterno, sempre há um relacionamento a vários níveis. Permiti-me uma imagem: o diálogo não pode ser «de laboratório»; deve ser humano. E, se é humano, faz-se com a mente, com o coração e com as mãos; assim se fazem pactos e se assinam. Por exemplo, o Apelo Comum sobre Jerusalém foi um passo em frente realizado, não por uma autoridade de Marrocos e por uma autoridade do Vaticano, mas por irmãos crentes que sofrem ao ver que esta «Cidade da Esperança» ainda não é tão universal como desejamos todos: judeus, muçulmanos e cristãos. Todos queremos isto. E, por isso, assinamos este voto: mais do que um acordo, é um voto, um apelo à fraternidade religiosa que é simbolizada por aquela cidade que é de nós todos. Somos todos cidadãos de Jerusalém, todos os crentes. Não sei se era esta a pergunta que me querias fazer. Gostei também do encontro com alguns líderes religiosos respeitadores e desejosos de dialogar. Os vossos líderes religiosos são fraternos, estão abertos… E isto é uma graça. Continuemos para diante por esta estrada.

Gisotti

Santo Padre, agora faz a pergunta Nicolas Senèze, de La Croix.

Nicolas Senèze, La Croix

Boa tarde, Santo Padre. Ontem, o rei de Marrocos disse que protegerá os judeus marroquinos e os cristãos doutros países que vivem em Marrocos. A pergunta é sobre os muçulmanos que se convertem ao cristianismo: queria saber se está preocupado com estes homens e mulheres que correm risco de prisão ou – nalguns países muçulmanos como os Emirados, que Vossa Santidade visitou – de morte? E também uma pergunta – um pouco manhosa! – sobre o Cardeal Barbarin, que nasceu em Rabat onde estivemos em visita dois dias…

Gisotti

Uma pergunta…

Senèze

...é um pouco manhosa – eu sei! Esta semana, o Conselho da diocese de Lião votou, quase por unanimidade, que se encontre uma solução duradoura para o seu afastamento. Deixando de lado o destino judicial do Cardeal, queria saber se é possível para Vossa Santidade, que tem muito a peito a sinodalidade da Igreja, ouvir este apelo duma diocese numa situação muito difícil?

Papa Francisco

Posso dizer que, em Marrocos, há liberdade de culto, há liberdade religiosa, há liberdade de pertencer a um credo religioso. Naturalmente a liberdade sempre se vai desenvolvendo, cresce... Pensai em nós cristãos: há trezentos anos, havia esta liberdade que temos hoje? A fé cresce na consciência, na capacidade de se compreender a si mesma. Um monge francês do século V, Vicente de Lerins, cunhou uma expressão muito bela para explicar como se pode crescer na fé, explicar melhor as coisas, crescer também na moral, mas permanecendo sempre fiéis às raízes. Disse três expressões, que assinalam a estrada: crescer na explicitação e na consciência da fé e da moral deve ser de tal modo ut annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate, isto é, o crescimento deve ser consolidado nos anos, ampliado no tempo, mas é a mesma fé que é sublimada com os anos. Assim se compreende, por exemplo, que hoje tenhamos tirado, do Catecismo da Igreja Católica, a pena de morte. Há trezentos anos, queimavam vivos os hereges. Porque a Igreja cresceu na consciência moral, no respeito pela pessoa. E de igual modo cresce a liberdade de culto; também nós devemos continuar a crescer. Há católicos que não aceitam aquilo que o Vaticano II disse sobre a liberdade de culto, sobre a liberdade de consciência. Há católicos que não o aceitam. Também nós temos este problema. Entretanto também os irmãos muçulmanos crescem na consciência, embora alguns países não compreendam bem ou não cresçam como os outros. Em Marrocos, há este crescimento. Neste contexto, aparece o problema da conversão: há alguns países que ainda não a preveem. Não sei se é proibida, mas na prática é. Outros países, como Marrocos, não criam problemas, são mais abertos, mais respeitadores e buscam uma certa maneira de proceder com discrição. Outros países, com cujos representantes falei, dizem: não criamos problemas, mas preferimos que façam o batismo fora do país e voltem cristãos. São modos de progredir na liberdade de consciência e na liberdade de culto. Mas há outra coisa que me preocupa: o retrocesso de nós cristãos, quando tiramos a liberdade de consciência. Pensai nos médicos e nas instituições hospitalares cristãs que não têm o direito à objeção de consciência, por exemplo, quanto à eutanásia. Como é possível? A Igreja avançou e vós, países cristãos, recuais? Pensai nisto, porque é verdade. Hoje nós, cristãos, corremos o perigo de alguns Governos nos tirarem a liberdade de consciência, que é o primeiro passo para a liberdade de culto. Não é fácil a resposta! Mas não nos limitemos a acusar os muçulmanos; acusemo-nos também a nós próprios, pensando nestes países onde acontece isto que nos deve encher de vergonha.

Depois, sobre o Cardeal Barbarin: homem da Igreja, apresentou a demissão, mas eu moralmente não posso aceitá-la, porque juridicamente – mesmo na jurisprudência mundial clássica – há a presunção de inocência, durante o tempo em que a causa está aberta. Ele recorreu em apelo, e a causa está aberta. Quando o tribunal de segunda instância pronunciar a sentença, vamos ver o que acontece. Mas há sempre a presunção de inocência. Isto é importante, porque vai contra a superficial condenação mediática: «Fez isto...». Mas cuidado! Que diz a jurisprudência? Que, se uma causa está aberta, há a presunção de inocência. Talvez não seja inocente, mas há a presunção. Certa vez falei dum caso na Espanha, no qual a condenação mediática arruinou a vida dalguns padres, que mais tarde foram julgados inocentes. Antes de fazer uma condenação mediática, devemos pensar duas vezes. Não sei se respondi. Ele [o Cardeal], honestamente, preferiu dizer: «Retiro-me, tomo uma licença voluntária e deixo o Vigário-Geral administrar a arquidiocese até que o tribunal pronuncie a sentença final». Claro? Obrigado.

Gisotti

Peço-vos para serdes breves e fazerdes apenas uma pergunta, precisamente para respeitar todos os grupos linguísticos. Temos Cristina Cabrejas, da Efe.

Cristina Cabrejas, Agência Efe

Boa tarde, Papa Francisco. Coloco-lhe a pergunta em italiano. No discurso de ontem às autoridades, disse que o fenómeno migratório não se resolve com as barreiras físicas, mas aqui, em Marrocos, a Espanha construiu duas barreiras com lâminas afiadas para cortar aqueles que pretendam superá-las. Conheceu alguns deles naquele encontro. E, nestes dias, o presidente Trump disse que quer fechar completamente as fronteiras e, além disso, suspender as ajudas a três países da América Central. Que gostaria de dizer a estes governantes, a estes políticos que ainda defendem tais decisões? Obrigado.

Papa Francisco

Antes de mais nada, aquilo que disse há pouco: os construtores de muros, sejam eles de arame farpado com lâminas afiadas ou de tijolos, tornar-se-ão prisioneiros dos muros que fazem. Primeiro: a história o dirá. Segundo: quando me entrevistou, Jordi Évole fez-me ver um pedaço daquele arame com as lâminas. Digo-te sinceramente: fiquei comovido e depois, quando ele saiu, chorei. Chorei, porque não entra na minha cabeça e no meu coração tanta crueldade. Não entra na minha cabeça e no meu coração ver afogar no Mediterrâneo e levantar um muro nos portos. Não é este o modo de resolver o grave problema da migração. Compreendo: um governo com este problema tem a batata quente nas mãos, mas deve resolvê-lo doutra forma, humanamente. Quando vi aquele arame com as lâminas, parecia-me incrível. Outra vez, pude ver uma filmagem feita numa prisão, com refugiados que foram repelidos e mandados para trás. Prisões não oficiais, prisões de traficantes. Se quiseres, posso enviar-to. Fazem sofrer... fazem sofrer. As mulheres e as crianças vendem-nas, ficam os homens. E as torturas, que lá aparecem filmadas, são inacreditáveis. Foi uma filmagem feita às escondidas sobre os serviços. Eis a situação: eu não deixo entrar, porque de verdade não tenho lugar! Mas há outros países, há a União Europeia. É preciso falar, a União Europeia inteira. Não os deixo entrar e deixo-os afogar ou expulso-os, sabendo que muitos deles cairão nas mãos destes traficantes que venderão as mulheres e as crianças e matarão ou torturarão para reduzir a escravos os homens? Esta filmagem está à vossa disposição. Uma vez, falando com um governante – um homem que respeito e direi o nome: com Alexis Tsipras – sobre isto e os acordos para não deixar entrar, ele explicou-me as dificuldades, mas no fim deixou o coração falar e disse esta frase: «Os direitos humanos estão antes dos acordos». Esta frase merece o Prémio Nobel.

Gisotti

A questão é colocada por um alemão, Michael Schramm, ARD.

Michael Werner Schramm, ARD Roma

Peço desculpa pelo meu italiano que não é bom… Desculpai. A minha pergunta: Vossa Santidade luta há muitos anos para proteger e ajudar os migrantes, como fez nos últimos dias em Marrocos. A política europeia vai exatamente na direção oposta. A Europa torna-se uma espécie de bastião contra os migrantes. Esta política reflete a opinião dos eleitores. A maioria destes eleitores são cristãos católicos. Santidade, como se sente com esta triste situação?

Papa Francisco

É verdade que muitas pessoas de boa vontade – não só católicos, mas pessoas boas, de boa vontade – se sentem um pouco invadidas pelo medo, que é o «sermão» habitual do populismo: o medo. Semeia-se o medo, e depois tomam-se decisões. O medo é o início das ditaduras. Vamos ao século passado – repito isto, com frequência –, à queda da República de Weimar. A Alemanha precisava duma via de saída e, com promessas e medos, avançou Hitler. Sabemos o resultado… Aprendamos com a história! Não se trata duma novidade: semear medo é fazer uma colheita de crueldade, de fechamentos e até de esterilidade. Pensai no inverno demográfico da Europa. Mesmo nós que vivemos na Itália: abaixo de zero. Pensai na falta de memória histórica: a Europa fez-se com migrações, e esta é a sua riqueza. Pensemos na generosidade de tantos países, que hoje batem à porta da Europa, para com os migrantes europeus desde 1984 para trás, os dois períodos do pós-guerra de 1945 e 1918, quando partem em massa com destino à América do Norte, América Central, América do Sul. O meu pai foi acolhido lá no pós-guerra. A Europa também poderia ter um pouco de gratidão... Eu diria duas coisas. É verdade que o primeiro trabalho que precisamos de fazer é procurar que as pessoas que migram por causa da guerra ou da fome não tenham esta necessidade. Mas, se a Europa tão generosa vende ao Iémen as armas que matam as crianças, como pode a Europa ser coerente? Isto é um exemplo: a Europa vende armas. Depois, temos o problema da fome, da sede. A Europa, se quiser ser a «mãe» Europa e não a «avó» Europa, deve investir, deve procurar de forma inteligente ajudar a crescer com a educação, com os investimentos. Isto não é meu; disse-o a Chanceler Merkel. É algo que ela promove bastante: impedir a emigração, não com a força, mas com a generosidade, ou seja, com investimentos educativos, económicos, etc. Isto é muito importante. Segundo: Como agir? É verdade que um país não os pode receber todos, mas há a Europa inteira por onde distribuir os migrantes. Temos toda a Europa. Porque a hospitalidade deve ser de coração aberto, depois trata-se de acompanhar, promover e integrar. Se um país não pode integrar, deve pensar imediatamente em falar com outros países – «tu quantos podes integrar?» –, para dar uma vida digna às pessoas. Outro exemplo (vivi-o pessoalmente no tempo das ditaduras, da operação Condor em Buenos Aires), na América Latina: Argentina, Chile e Uruguai. Foi a Suécia que acolheu com uma generosidade impressionante. Imediatamente aprendiam a língua, a cargo do Estado, encontraram trabalho, casa. Agora a Suécia sente um pouco de dificuldade em integrar, mas di-lo e pede ajuda. Quando estive em Lund – no ano passado ou no anterior, não me lembro –, quem me acolheu foi o Primeiro-Ministro, mas depois, na cerimónia de despedida, havia uma Ministra, uma jovem Ministra – da educação, acho eu! –, um pouco morena, porque era filha duma sueca e dum imigrante africano: assim integra um país, que eu aponto como exemplo, a Suécia. Mas, para isto, requer-se generosidade; é preciso avançar. Com o medo, não avançaremos; com os muros, ficaremos fechados nestes muros. Estou a fazer um sermão…, desculpai!

Gisotti

Agora temos a pergunta de Cristiana Caricato, da TV2000.

Cristiana Caricato, TV2000

Santo Padre, acabou mesmo agora de falar de medos e do risco de ditaduras que estes medos podem gerar. Hoje mesmo, um Ministro italiano, referindo-se ao Convénio de Verona, disse: mais do que da família, é preciso ter medo do Islã. Mas Vossa Santidade há anos que diz algo completamente diferente. A seu ver, estamos em risco de ditadura no nosso país? É fruto do preconceito do não-conhecimento? Santo Padre, que pensa? E depois uma curiosidade: Vossa Santidade, denuncia muitas vezes a ação do diabo; fê-lo também no recente encontro sobre a proteção de menores. Parece-me que, no último período, esteja muito ativo, que o diabo tenha trabalhado muito ultimamente, mesmo na Igreja... Que fazer para o combater, sobretudo no que diz respeito aos escândalos de pedofilia? Bastam as leis? Porque está tão ativo o diabo neste momento?

Papa Francisco

Muito bem! Obrigado pela pergunta. Um jornal, depois do meu discurso no final do encontro dos Presidentes das Conferências Episcopais sobre a proteção dos menores, escreveu: «O Papa foi astuto; começou por dizer que a pedofilia é um problema mundial, um flagelo mundial; depois disse qualquer coisa sobre a Igreja, para no fim lavar as mãos e dar a culpa ao diabo». Um pouco simplista, não é? Aquele discurso é claro. Nos anos setenta, um filósofo francês fizera uma distinção que muito me iluminou; chamava-se Roqueplo [Philippe], e deu-me uma luz hermenêutica. Dizia ele: para se entender uma situação, é preciso dar todas as explicações e depois procurar os significados: isto que significa socialmente, que significa pessoalmente, ou religiosamente? Procuro dar todas as explicações, incluindo a explicação das medidas, mas há um ponto que não se compreende sem o mistério do mal. Pensai nisto: a pornografia infantil virtual. Houve dois encontros importantes: um em Roma e outro em Abu Dhabi. Pergunto-me como é possível que este fenómeno se tenha tornado uma realidade do dia-a-dia? Como é possível? E falo de estatísticas sérias. Como é possível que, se quisesses ver ao vivo o abuso sexual dum menor, bastaria conectar-te com a pornografia infantil virtual e to mostram? Olha que não estou a mentir: está nas estatísticas. Pergunto-me: Será que os responsáveis pela ordem pública não podem fazer nada? Nós, na Igreja, faremos todo o possível para acabar com este flagelo. Tudo faremos! E, naquele discurso, apontei medidas concretas. Existiam já antes do encontro, quando os Presidentes das Conferências me deram aquela lista que distribuí a todos vós. Mas os responsáveis destas indecências são inocentes? Aqueles que ganham com isto? Uma vez em Buenos Aires, com dois parlamentares da cidade – não do governo nacional –, fizemos uma «ordenança», uma disposição – não é lei –, uma disposição não vinculativa para os hotéis de luxo, na qual se dizia para afixar na portaria [este aviso]: «Neste hotel, não se permitem diversão com os menores». Ninguém quis afixá-lo. «Não! Compreende, não se pode... Dá a impressão que somos indecentes... Sabe-se que não o fazemos, mas sem o aviso». Um governo, por exemplo, não pode individuar onde se fazem estas coisas com as crianças? Com todas as filmagens ao vivo... Isto para dizer não só que o flagelo mundial é grande, mas também que isso não se compreende sem o espírito do mal. É um problema concreto; devemos resolvê-lo concretamente, mas dizer também que entra o espírito do mal. E, para resolver isto, há duas publicações que recomendo: um artigo de Gianni Valente – no «Vatican Insider», creio eu – onde fala dos donatistas. O perigo de hoje se tornar donatista a Igreja, prescrevendo receitas humanas que devem ser seguidas, mas limitando-se a estas e esquecendo as outras dimensões espirituais: a oração, a penitência, a acusação de si mesmo, que não estamos habituados a fazer. São precisas as duas coisas! Pois o que é preciso para vencer o espírito do mal não é «lavar-se as mãos» dizendo: «é obra do diabo». Não. Devemos também lutar contra o diabo, como devemos lutar contra as coisas humanas. A outra publicação é da «Civiltà Cattolica». Em 1987, eu tinha escrito um livro, Cartas da Tribulação, que eram as cartas do Padre Geral dos Jesuítas da época em que estava para ser dissolvida a Companhia [de Jesus]. Fiz um prólogo e eles fizeram um estudo sobre as cartas que escrevi ao episcopado chileno e ao povo do Chile sobre o modo como intervir sobre este problema. Os dois aspetos: o humano, científico e mesmo legal para contrastar o fenómeno; e depois o aspeto espiritual. Fiz o mesmo com os bispos dos Estados Unidos, porque as propostas estavam centradas demais na organização, nas metodologias e, involuntariamente, era negligenciada esta segunda dimensão espiritual. Com os leigos, com todos... Quero dizer-vos: a Igreja não é uma igreja «congregacionista», é uma Igreja Católica, onde o bispo deve assumir a questão como pastor. O Papa deve assumi-la como pastor. Como? Com as medidas disciplinares, com a oração, a penitência, com a acusação de si mesmo. E, naquela carta que escrevi antes de [os Presidentes das Conferências Episcopais] iniciarem os Exercícios Espirituais, também esta dimensão está bem explicada. Ficar-vos-ia grato se estudásseis as duas coisas: o aspeto humano e também o da luta espiritual. Obrigado.

Gisotti

Lamento que tenhamos verdadeiramente ultrapassado os limites de tempo, mas é uma conferência de imprensa que se tornou longa ...

Papa Francisco

[sobre a outra pergunta de Cristiana Caricato] Verdadeiramente eu, de política italiana, não sou um entendido. Não entendo... No «Expresso», tinha visto algo sobre um «Dia da Família». Não sei o que possa ser; sei que é um dos muitos «dias» que se celebra... Li a carta que enviou o Cardeal Parolin, e estou de acordo: uma carta pastoral, educada, dum coração de pastor. Mas, a propósito da política italiana, não me interpeleis. Não entendo. Obrigado.

Gisotti

Temos apenas um minuto para uma pequena surpresa a dois colegas que ontem fizeram anos: Phil Pullella e Gerard O'Connell, dois grandes colegas. E este é um pequeno presente também da comunidade dos vossos colegas e de todos nós.

Papa Francisco

Dizes-me que é mais velho do que eu... Mas um faz 45 e o outro 50! Muitas felicidades! Obrigado, boa viagem e bom jantar! Por favor, rezai por mim. Obrigado!

 



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