VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
À MONGÓLIA
[31 de agosto - 4 de setembro 2023]
ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, COM A SOCIEDADE CIVIL
E COM O CORPO DIPLOMÁTICO
DISCURSO DO SANTO PADRE
Sala “Ikh Mongol” do Palácio de Governo (Ulaanbaatar)
Sábado, 2 de setembro de 2023
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Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente do Grande Hural de Estado,
Senhor Primeiro-Ministro,
Ilustres membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades civis e religiosas,
Insignes Representantes do mundo da cultura,
Senhoras e Senhores!
Agradeço ao Senhor Presidente o acolhimento e as palavras que me dirigiu, e estendo a cada um de vós a minha cordial saudação. Sinto-me honrado por estar aqui, feliz por ter chegado a esta terra fascinante e vasta para visitar este povo que conhece bem o significado e o valor do caminho. Isto está patente nas suas moradas tradicionais, as ger, encantadoras casas itinerantes. Com respeito e emoção, imagino-me a entrar pela primeira vez numa dessas tendas circulares, disseminadas pela majestosa terra mongol, para vos encontrar e conhecer melhor. Eis-me na entrada, peregrino de amizade, que chego até junto de vós, em ponta de pés e com o coração feliz, desejoso de me enriquecer humanamente na vossa presença.
Quando se entra numa casa de amigos, fica bem a troca de presentes, acompanhando-os com palavras evocativas das anteriores ocasiões de encontro. E, se as relações diplomáticas modernas entre a Mongólia e a Santa Sé são recentes (ocorre este ano o 30º aniversário da assinatura duma carta para reforçar as relações bilaterais), temos de recuar no tempo muito mais, exatamente 777 anos (precisamente entre o fim de agosto e os princípios de setembro de 1246) quando o Enviado Papal, Frei Giovanni di Pian del Carpine, visitou Guyug, o terceiro Imperador mongol e apresentou ao Grã Khan a carta oficial do Papa Inocêncio IV. Pouco tempo depois, era redigida em carateres tradicionais mongóis a carta de resposta, timbrada com o selo do Grã Khan e traduzida em várias línguas. Está guardada na Biblioteca do Vaticano e hoje tenho a honra de lhe oferecer uma cópia autenticada, realizada com as técnicas mais avançadas para garantir a melhor qualidade possível. Que a mesma seja sinal duma amizade antiga que cresce e se renova.
Soube que as crianças das vossas aldeias, pela manhãzinha, da porta da ger estendem o olhar para o horizonte distante a fim de contar as cabeças de gado e referir o seu número aos pais. Também a nós, nos fará bem abraçar com o olhar o amplo horizonte que nos rodeia, superando estreitezas de perspetivas curtas para nos abrirmos a uma mentalidade de respiro global, como convidam a fazer as ger que, nascidas da experiência do nomadismo das estepes, espalharam-se por um vasto território, tornando-se um elemento identificador de várias culturas vizinhas. Os espaços imensos das vossas regiões, desde o deserto do Gobi à estepe, desde as grandes pradarias aos bosques de coníferas até chegar às cadeias montuosas dos Altai e dos Khangai, com os seus inúmeros ziguezagues dos cursos de água, que, vistos do alto, parecem requintadas decorações em tecidos preciosos antigos: tudo isto é um espelho da grandeza e beleza de todo o planeta, chamado a ser um jardim hospitaleiro. A vossa sabedoria, a sabedoria do vosso povo, que se foi sedimentando ao longo de gerações e gerações de criadores de gado e cultivadores prudentes e sempre atentos para não romper os delicados equilíbrios do ecossistema, tem muito a ensinar a quem hoje não quer fechar-se numa míope procura de interesses particulares, mas deseja entregar aos vindouros uma terra ainda acolhedora, uma terra ainda fecunda. Aquilo que a criação representa para nós, cristãos, isto é, o fruto dum benévolo desígnio de Deus, vós no-lo ajudais a reconhecer e promover com delicadeza e atenção, contrastando os efeitos da devastação humana com uma cultura feita de cuidado e previdência, que se reflete em políticas de ecologia responsável. As gers são espaços habitacionais que hoje poderíamos definir smart e green, porque versáteis, multifuncionais e com impacto-zero sobre o meio ambiente. Além disso, a visão holística da tradição xamânica mongol e o respeito por todo o ser vivo que lhes vem da filosofia budista constituem um válido contributo para o compromisso urgente e inadiável pela tutela do planeta Terra.
Além disso as gers, presentes tanto nas zonas rurais como nos centros urbanizados, testemunham a preciosa união entre tradição e modernidade; de facto, irmanam a vida de idosos e jovens, narrando a continuidade do povo mongol, que, desde a antiguidade até ao presente, soube preservar as suas raízes, abrindo-se, especialmente nas últimas décadas, aos grandes desafios globais do progresso e da democracia. Realmente, com a sua extensa rede de relações diplomáticas, a sua adesão ativa às Nações Unidas, o seu empenho pelos direitos humanos e a paz, a Mongólia de hoje desempenha um papel significativo no coração do grande continente asiático e no cenário internacional. Quero fazer menção também da vossa determinação em deter a proliferação nuclear e apresentar-vos ao mundo como país sem armas nucleares: a Mongólia não é só uma nação democrática que realiza uma política externa pacífica, mas pretende desempenhar um papel importante em prol da paz mundial. Além disso – outro sábio elemento a destacar –, a pena de morte já não aparece no vosso ordenamento judiciário.
Graças à sua possibilidade de adaptação aos extremos climáticos, as ger permitem viver em territórios muito variados, como aconteceu durante a conhecida epopeia do império mongol, que registou a continuidade territorial mais vasta de sempre. Para além do mais, chego à Mongólia em uma data importante para vós: no 860º aniversário do nascimento de Gengis Khan. Ao longo dos séculos, o fato de abraçar terras distantes e muito diversas pôs em relevo a capacidade não comum dos vossos antepassados em reconhecer as grandezas dos povos que compunham o imenso território imperial e colocá-las ao serviço do progresso comum. Este é um exemplo que deve ser valorizado e reproposto nos nossos dias. Queira o Céu que, nesta terra devastada por demasiados conflitos, se voltem a criar hoje, no respeito das leis internacionais, as condições daquela que foi outrora a pax mongolica, isto é, a ausência de conflitos. Como diz um vosso provérbio, «as nuvens passam, o céu permanece». Oxalá passem as nuvens escuras da guerra, sejam varridas pela firme vontade duma fraternidade universal, na qual as tensões se resolvam com base no encontro e no diálogo, e a todos sejam garantidos os direitos fundamentais! Aqui, no vosso país rico de história e de céu, imploremos este dom do Alto e trabalhemos juntos para construir um futuro de paz.
Entrando numa ger tradicional, o olhar sobe espontaneamente até ao ponto central mais alto, onde há uma janela para o céu. Quero sublinhar esta atitude fundamental que a vossa tradição nos ajuda a descobrir: saber manter o olhar fixo no alto. Elevar os olhos ao céu – aquele eterno céu azul, desde sempre por vós venerado – significa permanecer numa atitude de dócil abertura aos ensinamentos religiosos. De facto, há uma profunda conotação espiritual por entre as fibras da vossa identidade cultural e é estupendo que a Mongólia seja um símbolo de liberdade religiosa. Efetivamente, graças à contemplação daqueles horizontes infindos, escassamente povoados por seres humanos, aperfeiçoou-se no vosso povo uma propensão para a vertente espiritual, cujo acesso é possível valorizando o silêncio e a interioridade. À vista da terra que se vos impõe solenemente com os seus inumeráveis fenómenos naturais, brota também um sentimento de maravilha, que sugere humildade e frugalidade, escolha do essencial e capacidade de desapego de tudo o que não o é. Penso no perigo que representa o espírito consumista que hoje, além de criar tantas injustiças, leva a um individualismo que ignora os outros e as boas tradições recebidas. Ao contrário, as religiões, quando apelam ao seu património espiritual originário e não se deixam corromper por desvios sectários, são, a todos os efeitos, suportes fiáveis na construção de sociedades sãs e prósperas, onde os crentes se esforçam por que a convivência civil e as diretrizes políticas estejam sempre mais ao serviço do bem comum, constituindo também uma barreira ao perigoso verme da corrupção. Esta constitui sem dúvida uma séria ameaça ao desenvolvimento de qualquer grupo humano, alimentando-se duma mentalidade utilitarista e sem escrúpulos que empobrece países inteiros. A corrupção empobrece países inteiros. É indicativo dum olhar que se afasta do céu e evita os vastos horizontes da fraternidade, para se fechar em si mesmo e antepor a tudo os próprios interesses.
Pelo contrário, foram protagonistas dum olhar voltado para o alto e de perspetivas amplas, muitos dos vossos líderes antigos, que demonstraram uma capacidade invulgar de integrar vozes e experiências diferentes, inclusive do ponto de vista religioso. De facto, reservava-se uma atitude respeitosa e conciliadora também para as múltiplas tradições sagradas, como testemunham os vários locais de culto – entre os quais se conta um cristão – tutelados na antiga capital de Kharakhorum. E assim resultou quase natural, para vós, chegar à liberdade de pensamento e de religião, sancionada pela vossa atual Constituição; superada, sem derramamento de sangue, a ideologia ateia que pensava ser seu dever extirpar o sentido religioso por considerá-lo um travão ao desenvolvimento, hoje reconheceis-vos no valor essencial da harmonia e sinergia entre os seguidores das diversas crenças que contribuem, cada qual do próprio ponto de vista, para o progresso moral e espiritual.
De bom grado a comunidade católica mongol deseja continuar a prestar o seu contributo para isso. Há pouco mais de trinta anos começou ela a celebrar a sua fé dentro duma ger, e a própria catedral atual, que se encontra nesta grande cidade, sugere a sua forma. São sinais do desejo de partilhar a própria obra, em espírito de serviço responsável e fraterno, com o povo mongol, que é o seu povo. Por isso alegro-me que a comunidade católica, apesar de pequena e modesta, participe com entusiasmo e empenho no caminho de crescimento do país, difundindo a cultura da solidariedade, a cultura do respeito por todos e a cultura do diálogo inter-religioso, e trabalhando pela justiça, a paz e a harmonia social. Espero que uma legislação clarividente e atenta às exigências concretas permita aos católicos locais, ajudados por homens e mulheres consagrados vindos, em sua maioria, doutros países, a que possam prestar sempre à Mongólia o seu contributo humano e espiritual, sem dificuldades, em benefício deste povo. A propósito, as negociações em curso para o estabelecimento dum acordo bilateral entre a Mongólia e a Santa Sé representam um canal importante para a obtenção das condições essenciais para o desenvolvimento das atividades ordinárias em que a Igreja Católica está empenhada. Entre elas, além da dimensão mais especificamente religiosa do culto, sobressaem as numerosas iniciativas de desenvolvimento humana integral, nomeadamente nos setores da educação, da saúde, da assistência e da pesquisa e promoção cultural: tais iniciativas testemunham bem o espírito humilde, o espírito fraterno e solidário do Evangelho de Jesus, a única estrada que os católicos são chamados a percorrer no caminho que partilham com cada povo.
O lema escolhido para esta Viagem – esperar juntos – expressa precisamente as potencialidades contidas no ato de caminhar com o outro, no respeito mútuo e sinergia em prol do bem comum. A Igreja Católica, instituição antiga e presente em quase todos os países, é testemunha duma nobre e fecunda tradição espiritual que contribuiu para o desenvolvimento de nações inteiras em muitos campos da convivência humana, desde a ciência à literatura, desde a arte à política. Estou certo de que os próprios católicos mongóis estão e continuarão a estar prontos a dar a própria contribuição para a construção duma sociedade próspera e segura, em diálogo e colaboração com todos os componentes que habitam esta grande terra beijada pelo céu.
«Sê como o céu»: com estas palavras, um famoso poeta convidava a transcender a caducidade das instáveis vicissitudes terrenas, imitando a magnanimidade inspirada precisamente pelo imenso e límpido céu azul que se contempla na Mongólia. Hoje também nós, peregrinos e hóspedes neste país que pode oferecer tanto ao mundo, desejamos aceitar este convite, traduzindo-o em sinais concretos de compaixão, diálogo e projeto comum. Que os diversos componentes da sociedade mongol, aqui bem representados, possam continuar a oferecer ao mundo a beleza e a nobreza dum povo único. Tal como a vossa escrita, assim possais permanecer «de pé» e aliviar tantos sofrimentos humanos ao vosso redor, lembrando a todos a dignidade de cada ser humano, chamado a habitar a casa terrena abraçando o céu. Bayarlalaa [obrigado]!
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