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CONCELEBRAÇÃO DURANTE A VISITA DO SANTO PADRE
 AO «ALMO COLÉGIO» CAPRÂNICA DE ROMA

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Terça-feira, 22 de Janeiro de 1980

 

Filhos caríssimos

1. Constitui para mim motivo de alegria sincera poder celebrar convosco esta Eucaristia, na festa da Padroeira do vosso "Almo Colégio", que exalta como justo título de glória o mérito de ser o primeiro Instituto deste género a surgir em Roma. Deve-se, na verdade, à visão larga do seu piedoso Fundador, o Cardeal Domenico Caprânica, ter principiado a existir nesta Cidade, quase um século antes de começar o Concílio Tridentino, um lugar em que aos jovens aspirantes ao sacerdócio eram oferecidos todos os meios necessários para bem se prepararem para o futuro ministério.

Gerações inteiras de eclesiásticos, formados num profundo "sensus Ecclesiae", saíram deste Instituto no decurso de mais de cinco séculos de história. Sei que, entre os seus alunos, o "Almo Colégio" conta mesmo dois Papas, Bento XV e Pio XII, além de numerosos Cardeais, Prelados e muitos sacerdotes zelosos, que difundiram tesouros de ciência e bondade pela "vinha do Senhor". Homens que aprenderam aqui a amar a Cristo e à Igreja, que nesta Comunidade se exercitaram na prática das virtudes humanas e cristãs, que nela se prepararam para tomar activamente o seu lugar nos diversos encargos, dos mais humildes aos mais prestigiosos, a que o Senhor os chamou.

Vós, filhos caríssimos, sois os herdeiros de uma tradição gloriosa e bom é que desperteis, em vós mesmos, a consciência disso também nesta circunstância, à volta da mesa eucarística e sob os olhares de Deus, para vos sentirdes estimulados a estar à altura dos nobres  exemplos de virtude, deixados por aqueles que vos precederam entre estas paredes venerandas. Os testemunhos deles devem ser para cada um de vós contínuo chamamento a uma generosa e coerente aplicação ao estudo e à disciplina eclesiástica, à oração e à fidelidade aos vossas deveres, de maneira que vos prepareis a ser sacerdotes totalmente de Cristo para a edificação do Povo de Deus.

2. A isto vos impele também o exemplo da menina, a cuja intercessão o vosso Seminário está confiado. Santa Inês, com a sua existência de virgindade e martírio, despertou no povo romano, e no mundo inteiro, uma onda de comovida admiração, que o tempo não conseguiu abafar. Nela impressiona a maturidade do juízo apesar da idade muito juvenis, a firmeza da decisão apesar da pressionabilidade feminina, e a coragem impávida apesar das ameaças dos juízes e da crueldade dos tormentos.

Já Santo Ambrósio exprimia admiração com as conhecidas palavras que a Liturgia nos propôs no Ofício de Leitura: "Em corpo tão pequeno haveria porventura espaço para as feridas?... Contudo, as meninas desta idade não suportam sequer o rosto zangado dos pais, e choram, como se de feridas se tratasse, por causa da picada de um alfinete. Mas Inês permanece impávida entre as mãos dos cruéis algozes, imóvel perante o peso e estridente arrastar das cadeias" (De virginibus, 1, 2, 7; PL 16, 190).

Como tenro e cândido cordeiro oferecido em dom a Deus, Inês prestou o testemunho supremo a Cristo com o holocausto cruento da sua juvenil vida. O antigo rito, que prevê neste dia a bênção de dois cordeiros, cuja 1ã serve depois para confeccionar os pálios arquiepiscopais, perpetua a recordação deste exemplo de coragem invicta e de pureza intemerata.

3. A imagem da heróica menina leva-nos espontaneamente com o pensamento às palavras pronunciadas por Jesus no Evangelho: Bendigo-Te, ó Pai , Senhor do céu e da terra; porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelastes aos pequeninas. Sim, ó Pai, porque isso foi do Teu agrado (Mt 11, 25-26). "Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra": estas palavras solenes parecem trespassadas por uma espécie de calafrio de exultação. Jesus vê longe; vê, no decorrer dos séculos, a falange inumerável de homens e mulheres de toda a idade e condição, que alegremente aderiram à Sua mensagem. Neste número está também Inês.

Irmana-os uma característica: são pequenos, quer dizer, simples, humildes. Assim foi desde o principio: A boa nova é anunciada aos pobres (Lc 7, 22), disse Jesus aos mensageiros de João, e o Seu primeiro "Bem-aventurados" reservou-o para eles (Mt 5, 3). É a gente humilde, repelida e desprezada, que O compreende e vem ter com Ele. E com ela estabelece imediato entendimento; é gente que sabe que nada sabe e nada vale, sabe que tem necessidade de auxilio e de perdão; por isso, quando Ele fala dos mistérios do Reino e quando diz que veio trazer o perdão de Deus e a salvação, encontra em tal gente corações abertos para O compreenderem.

Mas não aconteceu assim com os "sábios" e os "entendidos": estes formaram para si uma visão própria de Deus e do mundo, e não estão dispostos a mudá-la. Julgam tudo saber de Deus, possuir a resposta última e nada ter que aprender: por isso recusam a "boa nova", que parece tão esquisita e em contraste com os princípios fundamentais da sua "Weltanschauung". É mensagem que propõe certas reviravoltas paradoxais, que o seu "bom senso" não pode aceitar.

Assim acontecia nos tempos de Jesus, assim nos de Inês; assim acontece também hoje e talvez até de modo inteiramente particular. Vivemos numa cultura que tudo submete a análise critica e fá-lo muitas vezes absolutizando critérios que são unicamente parciais, por sua natureza inadaptados à percepção daquele mundo de realidades e valores, que escapa à verificação dos sentidos. Cristo não pede ao homem que renuncie à própria razão. E como poderia pedir isso, se foi Ele próprio que no-la deu? O que pede é que não cedamos à antiga sugestão do tentador, que não pára de nos fazer brilhar diante dos olhos a perspectiva enganadora de podermos ser "como Deus" (Cfr. Gén 3, 5). Só quem aceita os próprios limites intelectuais e morais, e se reconhece necessitado de salvação, pode abrir-se à fé e na fé encontrar, em Cristo, o seu Redentor.

4. Redentor que vem ao seu encontro na atitude do esposo. Temos bem presentes as estupendas expressões do texto de Oseias, ouvido há pouco: Então te farei minha esposa para sempre, far-te-ei minha esposa na justiça e no direito, com misericórdia e amor. Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor (Os 2, 21-22.). É o prenúncio da nova aliança, que Deus se prepara para concluir com o Seu povo: pacto de amor eterno, não já fundado na fragilidade do homem, mas na justiça e na fidelidade de Deus.

Estas palavras são dirigidas à Igreja, mas são também verdadeiras para cada alma em particular. Inês recolheu-as como convite pessoal à doação sem reservas. Aceitou ir ao deserto (Os 2, 16) com o Esposo divino e continuou a andar com Ele, sem se deixar afastar nem pelas lisonjas nem pelas ameaças: submetida à prova, "et aetatem vicit et tyrannum; et titulum castitatis martyrio consecravit" — venceu a idade e o tirano; e consagrou com o martírio a honra da castidade (S. Jerónimo, Ep. 130 ad Demetriadem, 5; PL 22, 1109).

5. A escolha de Santa Inês é também a vossa, caríssimos filhos. Vós também decidistes amar a Cristo com "coração indiviso" (Cfr. 1 Cor 7, 34), conscientes das riquezas de graça que esta doação total vos reserva. Todavia, como jovens perspicazes que sois, não vos passam despercebidas as dificuldades a que esta escolha vos expõe. Sabeis que podereis ser vitimas de mal-entendidos e incompreensões, e também de oposições e hostilidades, tanto mais dolorosas quanto mais falsas e encobertas.

Caríssimos, estas são perplexidades bem compreensíveis. Mas não vos parece que nas palavras de São Paulo, propostas pela segunda Leitura, vos é oferecida a resposta capaz de revigorar o coração temeroso e titubeante? O que é fraco segundo o mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte: O que é vil e desprezível no mundo, é que Deus escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são. Assim, ninguém se vangloriará diante de Deus (1 Cor 1, 27-29.)

É linha de procedimento que Deus não desmentiu nunca: Não é acaso prova disso a história de Inês, que nós hoje recordamos? Mediante a debilidade e a inexperiência de uma frágil menina, Deus meteu a ridículo a arrogância dos poderosos deste mundo, oferecendo testemunho surpreendente da força vitoriosa da fé: "magna vis fidei, quae etiam ab illa testimonium invenit aetate" — grande a força da fé, que foi testemunhada mesmo por aquela idade (Santo Ambrósio, De virginibus I, 2, 7; PL 16, 190).

É claro, portanto, o que é sugerido: que não devemos olhar tanto para nós mesmos quanto para Deus, e que n'Ele devemos procurar o "suplemento" de energia, que nos falta. Não está nisto o convite que ouvimos dos lábios mesmos de Cristo: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei (Mt 11, 26)? Ele é a luz capaz de dissipar as trevas, entre as quais anda às cegas a nossa inteligência limitada; Ele a força que pode dar vigor à nossa vontade fraca; Ele é o calor capaz de derreter o gelo dos nossos egoísmos e restituir entusiasmo aos nossos corações cansados.

Segundo Santa Inês, que nos indica o caminho, vamos ter então com Cristo, para experimentarmos nós também, que o Seu jugo é suave e a Sua carga é leve (Cfr. Mt 11, 29), e o nosso coração inquieto, tornado manso e humilde (Mt 11, 29), encontrará por fim conforto e paz.

 

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