VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL
(30 DE JUNHO - 12 DE JULHO DE 1980)
DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
POR OCASIÃO DA VISITA
À FAVELA DOS ALAGADOS EM SALVADOR
Salvador (Bahia), 7 de Julho de 1980
Caríssimos amigos, irmãos e irmãs em Cristo
1. Este encontro com vocês, me traz grande alegria; o calor da sua acolhida me impressiona e me comove. Saudando a todos, com afeto em Cristo Senhor, elevo a Deus um pensamento agradecido, por me ter permitido vir até aqui, visitar o lugar onde vivem e sobretudo ver vocês.
Quando viajo em minhas visitas pastorais, com a missão de representar Cristo diante de toda a Igreja esparsa pelo mundo, lembro-me sempre de que o mesmo Cristo exigiu de São Pedro e, por conseguinte, daqueles que viessem a ocupar o lugar dele, na “Igreja que preside à assembléia universal da caridade” (S. Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos, “Inscriptio”, 1,1-2, 2: Funk, 1, 213), uma profissão de amor. Amor a este Cristo, sem o qual é impossível apascentar bem os fiéis cristãos, que Ele chamava os “cordeiros” e as “ovelhas”. E o amor ao próximo, e em primeiro lugar aos irmãos na fé. Por este amor, todos saberão que somos seus discípulos (cf. Jo 13, 35).
Em obediência a este mandamento, eu faço o possível por encontrar-me com todos: ricos e pobres, os que vivem com comodidade, ao menos relativa, e os que têm grandes dificuldades para viver. A todos quero falar e testemunhar o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que creiam n’Ele e possam chegar à Salvação.
Mas os menos favorecidos de bens da terra, porque têm mais necessidade de ajuda e conforto, ocupam sempre um lugar especial nesta preocupação de ser fiel e continuar a missão de Cristo: “anunciar aos pobres a Boa Nova” da salvação de Deus (cf. Lc 4, 18).
Considero como dito a vocês tudo aquilo que dizia ao visitar a favela do Vidigal no Rio de Janeiro. Eu me sinto interpelado, como a Igreja se sente interpelada, pela proclamação das bem-aventuranças por parte do Cristo Senhor e me sinto comprometido para fazer algo, para que os homens todos sejam interpelados por tal proclamação, mobilizados para a grande tarefa de promoção de maior justiça, a construção de uma sociedade sempre mais justa, por isso mesmo mais humana. A justiça, porém, novo nome do bem comum, como já tive ocasião de dizer, só se consolidará sobre a base da conversão das mentes e das vontades: fazer que cada homem tenha coração de pobre: “Bem-aventurados os pobres de espírito”(Mt 5,3).
2. Assim estou aqui porque quero ser fiel ao espírito de Cristo e porque amo a vocês, como são e como se apresentam. Todos são pessoas humanas e meus irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Pensei em tantos bairros pobres de Salvador e de todo o Brasil, que gostariam de receber a visita do Papa. O Papa teria um prazer especial em fazer esta visita a cada casa ou barraco onde vivem famílias ou pessoas humildes, às vezes em dura pobreza. Não sendo possível fazê-lo, quero que a visita que agora lhes faço seja também um símbolo, como se entrando aqui eu estivesse penetrando em todos os bairros iguais a este.
Dizia que aproximando-me de vocês eu encontro pessoas humanas: seres que possuem uma inteligência sedenta da verdade e uma vontade que deseja o amor, filhos de Deus, almas redimidas por Cristo, e portanto seres ricos de uma dignidade que ninguém pode machucar sem ferir o próprio Deus. Assim, vocês apreciam, certamente, quem lhes dá conforto, alento, coragem e esperança; quem os ajuda a crescer e desenvolver-se em sua capacidade de pessoas humanas e a superar os obstáculos à própria promoção; quem os ajuda a amar em um mundo de ódio e a ser solidários em um mundo terrivelmente egoísta. Mas é claro que vocês têm consciência de não serem somente objeto de benemerências mas pessoas ativas na construção do próprio destino e da própria vida. Queira Deus que sejamos muitos a oferecer a vocês uma colaboração desinteressada para que se libertem de tudo quanto de certo modo os escraviza, mas em pleno respeito àquilo que vocês são, em pleno respeito ao seu direito de serem os primeiros autores da própria promoção humana. Minha maior alegria, foi a de saber de várias fontes, que há em vocês, entre outras, duas grandes qualidades: vocês têm, graças a Deus, o sentido de família, e vocês possuem um grande senso de solidariedade para se ajudarem uns aos outros, quando é preciso.
Continuem a cultivar esses bons sentimentos, a ser muito amigos de todos, mesmo daqueles que, por qualquer motivo, parece lhes fecham o coração. Vocês sejam corações sempre abertos!
3. Vejam: só o amor conta – não é demais repetir isso – só o amor constrói. Vocês têm de lutar pela vida, fazerem tudo para melhorar as próprias condições em que vivem, é um dever sagrado, porque essa é também a vontade de Deus. Não digam que é vontade de Deus que vocês fiquem numa situação de pobreza, doença, má habitação que contraria, muitas vezes, a sua dignidade de pessoas humanas. Não digam: “É Deus quem quer”. Sei que isso não depende só de vocês. Não ignoro que muita coisa deverá ser feita por outros para acabar com as más condições que afligem vocês ou para melhorá-las. Mas vocês é que têm de ser sempre os primeiros no tornar melhor a própria vida em todos os aspectos. Desejar superar as más condições, dar as mãos uns aos outros para juntos buscar melhores dias, não esperar tudo de fora mas começar a fazer todo o possível, procurar instruir-se para ter mais possibilidades de melhoria: estes são alguns passos importantes na caminhada de vocês.
Assim, deste lugar e neste momento, em nome de vocês como seu irmão em humanidade, só com o poder do amor e a força do Evangelho de Jesus Cristo, eu peço a todos aqueles que podem ou devem ajudar que deixem entrar no próprio coração o eco das angústias dos corações de vocês, vendo faltar o alimento, a roupa, a casa, a instrução, o trabalho, os remédios, enfim tudo aquilo que é necessário para alguém viver como pessoa humana. E que esse meu clamor suscite um diálogo, mesmo que seja silencioso, um diálogo de amor, que se exprime com atos de ajuda e de partilha entre irmãos. Deus, Pai de nós todos, verá com agrado e abençoará tal bondade, como Jesus prometeu: “Dai, e vos será dado” (Lc 6, 38).
Com este apelo às consciências, desejo encorajar o desejo de vocês, que é também o meu, de melhorarem seu nível de vida, para sempre se tornarem: mais homens, com toda a sua dignidade; mais irmãos de todos os homens, na família humana; e mais filhos de Deus, sabendo e praticando o que isso quer dizer. E com grande afeto, abençoo a todos vocês, às suas famílias e a todos aqui dos Alagados, bem como a todos os presentes. O Papa reza por todos; rezem também por ele, principalmente nestes dias em que está no Brasil.
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