DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS MEMBROS DO SACRO COLÉGIO,
COLABORADORES DA CÚRIA ROMANA,
DO GOVERNATORATO DA CIDADE DO VATICANO
E DO VICARIATO DE ROMA
Sala Paulo VI
28 de Janeiro de 1982
1. É-me grato encontrar-me novamente convosco — depois da Audiência do fim do ano —, Senhores Cardeais, Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, Colaboradores Leigos da Cúria Romana, do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano e do Vicariato de Roma. O Cardeal Decano interpretou agora os vossos sentimentos com a costumada delicadeza de expressão e nobreza de alma. A Ele e a todos vós digo: Obrigado!
O encontro realiza-se na vigília da solenidade de São Pedro e São Paulo, aliás faz parte essencial da mesma, muito embora, infelizmente, as minhas condições não o terem permitido o ano passado. É uma festa que toca todos nós de perto. É a festa do primeiro Papa, sobre o qual edificou Cristo a sua Igreja (cf. Mt 16, 18). É a festa de Paulo, Mestre das Gentes, farol de luz nos séculos. É a festa da Igreja. Todos nos sentimos profundamente envolvidos nela. Diz respeito a mim, certamente, como de resto sempre disse respeito a todos os que se sucederam na missão e na obra de Pedro. Mas não diz respeito só ao Papa. A tradição fala-nos dos colaboradores imediatos de São Pedro, participantes das suas solicitudes universais, colaboradores da sua mesma missão, responsáveis, em diverso grau mas numa única intensidade de fé, dos destinos da Sé Apostólica. Vós sucedestes-lhes, e tendes também vós a felicidade de partilhar a vida e o trabalho do Sucessor de Pedro. Sois chamados a esta grande responsabilidade, que é única no seu género.
Pedro e os seus sucessores receberam o tremendo encargo de guiar a Igreja nas alternadas vicissitudes do tempo. Mas eles não estão sós. O Papa não está, não se sente só. Todos sois chamados a colaborar com Ele. Todos. Desde os Cardeais ao mais humilde subalterno. O facto desta comum consciência de colaboração não exclui certamente que há-de ser dado o devido e justo peso aos aspectos da justiça e dos direitos do trabalho; mas isto não pode deixar de ser acompanhado da plena consciência de que este serviço na Sé Apostólica comporta uma especificidade própria, que atinge o seu valor, precisamente, em todos serem chamados a participar na mesma missão, que o Papa desempenha em beneficio da Igreja, representada nele, como em Pedro, "figurata generalitate" (Santo Agostinho, In Ioann. Ev. Tract. 124, 5; PL 35, 1973).
No Natal convidei-vos a reflectir comigo sobre a presença e sobre os contactos da Igreja com o mundo exterior. Na solenidade requintadamente eclesial de São Pedro, reflectimos juntos sobre a sua vida interior.
Santificação do homem
2. A Igreja foi instituída para o homem. "O homem é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo" escrevi eu na minha primeira Encíclica (Redemptor Hominis, 14). E a vida interior da Igreja tem como primeiro objectivo a santificação do homem, querida pelo Amor eterno de Deus Trino. A missão, a mim confiada, e que incansavelmente procuro levar avante com o vosso auxilio, que me é indispensável, não é senão isto. Santificar-se e santificar! Viver e fazer viver o desígnio divino de salvação! Compreender e fazer compreender o mistério da Igreja!
Sob a acção do Espírito
3. Este mistério, isto é a realidade esplendente e misteriosa da Igreja "escondida desde tempos antigos em Deus" (Ef 3, 9), é objecto das predilecções do Pai, é fruto do sacrifício de Cristo, inundado pela acção santificadora do Paráclito.
A presença deste Espírito Santo, Dominum et vivificantem, ainda nos envolve depois das celebrações centenárias do ano passado. Como prosseguimento e conclusão daquelas comemorações, recebi este ano os Mestres e os participantes no Congresso Internacional de Pneumatologia, que aprofundaram os vários aspectos bíblicos, patrísticos, teológicos e ecuménicos da doutrina católica sobre o Espírito Santo. Pude assim reviver a emoção do Pentecostes do ano passado!
O trabalho dos nossos Organismos — digo de todos e de cada um dos seus componentes — deve ser levado avante com esta atenção ao Espírito Santo "que fala às Igrejas" (cf. Apoc 2, 7.11.17.29; 3, 6.13.22). É uma atenção que requer preces, humildade, disponibilidade, sacrifício e abertura às necessidades das Igrejas locais e de todo o mundo.
E este trabalho é realizado no centro da Igreja, ao serviço da Igreja, da sua missão santificadora. É o objectivo que absorve todas as minhas forças, que têm necessidade do vosso auxilio para levar avante a acção do Pontificado. Procuremos percorrer de novo as etapas desta acção, tal como se realizou nos meses passados, seguindo como pontos de referência para a nossa reflexão as linhas mestras da eclesiologia do Concilio Vaticano II.
O Povo de Deus
4. O Concílio falou do Povo messiânico de Deus, que "tem por cabeça Cristo; ... por condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, ... por lei o mandamento novo; amar, ... por fim o Reino" (Lumen Gentium, 9); e colocou em plena luz a sua tríplice missão sacerdotal, profética e real, participando directamente na missão mesma de Cristo.
O serviço do Papa, e da Cúria Romana unida a Ele, acentuou hoje as suas dimensões universais precisamente porque deseja ajudar os outros irmãos "deste Povo messiânico" a viverem e a exercerem de modo pleno a sua tríplice missão.
Daqui deriva a raiz teológica das viagens, que graças a Deus realizei até agora, e constituem a aplicação em escala universal do carisma de Pedro, para confirmar e consolidar a vitalidade da Igreja, na fidelidade à Palavra, ao serviço da verdade, para o incremento da vida sacramental e eucarística, de que falei na Encíclica Redemptor Hominis (n. 20). Todas as minhas peregrinações se resumem nisto. No ensinamento dado, em total fidelidade ao Evangelho, a todas as categorias do Povo de Deus. Na proclamação integral da verdade. Na celebração eucarística. A palavra do Evangelho, semeada a mãos cheias naquelas peregrinações, adquire a sua verdadeira eficácia porque é centrada em torno da Palavra, do Verbo de Jesus Cristo, que se torna presente nos altares daquelas grandes assembleias do Povo de Deus, que ficam gravadas na minha memória como a recordação mais elevada e comovente das minhas visitas: Collevalenza e Tódi em Novembro, e depois, este ano, da Nigéria ao Benim, do Gabão à Guiné Equatorial, de Assis a Livorno e a Bolonha, a Portugal, da Grã-Bretanha à Argentina e ultimamente a Genebra. E também uma aspiração, que há tempo me estava tanto a peito, pôde finalmente realizar-se: a adoração eucarística na capela do Sacramento da Basílica Vaticana, por mim inaugurada na manhã de 2 de Dezembro. As solenes cerimónias romanas, e a visita às paróquias, têm como centro a Missa. O dia do Papa começa com a Missa. Assim inicia o vosso dia, caríssimos colaboradores eclesiásticos, com a vossa Missa, enquanto todas as almas consagradas, e muitíssimos colaboradores leigos haurem da Eucaristia de todos os dias, ou pelo menos do domingo, a força e a generosidade para o seu serviço. Como é belo, para além do trabalho diversificado de cada um, que se integra com o dos outros, saber que todos os dias nos encontramos unidos no Coração
Neste contexto apraz-me salientar aqui que, este ano, quis dar maior impulso à Secção para o Culto Divino, dentro da Congregação para os Sacramentos e o Culto. Muitos são evidentemente os frutos que a Igreja espera do incremento da Sagrada Liturgia, como o quis o Concilio; a Cúria Romana tem o dever de responder com empenho exemplar a esta tarefa fundamental.
Com a Eucaristia não posso deixar de citar a administração dos Sacramentos: a renovação das promessas baptismais em Wembley e recordo, do mesmo modo, os baptismos por mim conferidos em Janeiro no Vaticano, e os sacramentos da iniciação cristã durante a vigília do Sábado Santo, em São Pedro — a penitência que administrei na Sexta-Feira Santa na Basílica, a unção dos enfermos na catedral de Southwark, as várias ordenações episcopais e sacerdotais, a renovação dos compromissos tomados por numerosos casais no seu matrimónio, em York. É-me grato, aliás, salientar como foi bem compreendida esta linha directriz da minha visita à Grã-Bretanha, que foi uma catequese itinerante sobre a vida sacramental.
É portanto com particular interesse que recordo também nesta oportunidade a sessão do Synodus Episcoporum do próximo ano, que será dedicado à Penitência e à Reconciliação na Igreja: em vistas da sua preparação, para a qual estão a trabalhar os episcopados de todo o mundo em sintonia com a Secretaria Geral do Sínodo, quis dedicar-lhe as reflexões dos meus colóquios dominicais no Angelus, dos domingos da Quaresma. É assunto da maior e mais vital importância para a vida eclesial, e reafirmo aqui a expectativa que nutro por aquele acontecimento, para o qual peço desde já a vossa oração.
Ecumenismo, Diálogo, Zelo missionário
5. No quadro da vida do Povo de Deus, a Lumen Gentium colocou em relevo especial quer as relações que se devem manter com os fiéis cristãos não católicos e com os não-cristãos, quer o carácter missionário da Igreja mesma.
Com esta luz servi a causa da unidade. O Ecumenismo foi a minha solicitude principal desde o início do meu Pontificado; mas este ano foi particularmente rico de fermentos e promessas. Não esquecerei certamente nunca a visita do Representante do Patriarca de Constantinopla à Policlínica "Gemelli", exactamente há um ano. E recordo depois o encontro com o Patriarca da Igreja ortodoxa Etíope, a 17 de Outubro; a Santa Missa celebrada na Basílica de São Paulo fora dos Muros em conclusão da Semana de orações pela unidade dos Cristãos; as Audiências no Vaticano para algumas personalidades e grupos, entre os quais os alunos do Instituto Ecuménico de Bossey. Ficam gravados na minha memória os vários encontros com os Chefes das outras Igrejas cristãs, durante as minhas viagens apostólicas, e sobretudo os que foram característica da minha visita à Grã-Bretanha: a homilia durante a Missa na catedral católica de Westminster, a oração tão sugestiva na histórica catedral de Cantuária, juntamente com o Arcebispo Doutor Runcie, à qual se veio a seguir a Declaração Comum sobre as relações entre as nossas duas Igrejas, os outros encontros de Cantuária, e os de Liverpool, de Edimburgo e de Cardiff, naquela viagem, que em Londres defini como "serviço à unidade no amor" (Homilia em Westminster, 2).
Quanto ao diálogo com os representantes das religiões não cristãs, devo repetir o meu "obrigado" pelo acolhimento que me foi reservado em Países de população prevalentemente muçulmana, em particular pelo encontro em Kaduna, na Nigéria. Quanto aos Hebreus, recordo comovidamente o encontro nas Fossas Ardeatinas com o Grão-Rabino de Roma; e as linhas que tracei no discurso aos Delegados das Conferências Episcopais para as Relações com o Hebraísmo.
O zelo missionário da Igreja é todavia a ansiedade mais preocupante, mesmo quotidiana do meu coração: as minhas peregrinações a terras longínquas, onde a comunidade católica está em minoria, são disso como símbolo. É-me, a seguir, particularmente agradável a celebração do Dia Missionário Mundial, para o qual envio cada ano a minha mensagem, a fim de poder ser oportunamente meditada e explicada pelas Igrejas locais.
Neste horizonte vastíssimo de anúncio do Evangelho em todo o mundo, apraz-me aqui sublinhar também o lugar que tem a China na minha estima e no meu coração. Ocorre este ano o quarto centenário da chegada ao Continente asiático do Padre Mateus Ricci; e a evangelização naquele nobre país teve através dos séculos notável irradiação, no número das suas dioceses, no zelo e na fidelidade dos seus Bispos, do Clero, dos Missionários e dos fiéis. Ao recordar tão rico património de fé e de tradição, que lealmente contribuiu para o bem-estar e para a paz da Nação, desejei manifestar a minha presença e a minha esperança aos católicos chineses, quer na Pátria quer distribuídos pelo mundo: com a carta do Primeiro do Ano, com a saudação no Angelus de 24 de Janeiro na mesma circunstância, e, sobretudo, com a Santa Missa celebrada em São Pedro pela Igreja na China, a 21 de Março passado.
Os Bispos
6. A Lumen Gentium sublinhou depois, no capítulo terceiro, o essencial papel dos Bispos no mistério da Igreja. Eles, "por divina instituição, sucederam no lugar dos Apóstolos, como pastores da Igreja, e... quem os ouve, ouve a Cristo, quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que mandou Cristo (cf. Lc 10, 16). Na pessoa portanto dos Bispos, assistidos pelos sacerdotes, está presente no meio dos crentes o Senhor Jesus Cristo, Pontífice Sumo" (Lumen Gentium, 20 s.).
Julgo meu encargo principal, como foi confiado pelo próprio Jesus ao Apóstolo Pedro, o de "confirmar" os meus irmãos Bispos (cf. Lc 22, 32), de reflectir com eles sobre a grave responsabilidade que lhes toca de ser testemunhas de Cristo "usque ad ultimum terrae" (Act 1, 8). Os momentos mais altos do meu ministério são os passados juntamente com os Irmãos no Episcopado dos vários Continentes.
Com o pleno regresso às minhas actividades, desde os princípios de Outubro do ano passado, tive a alegria de receber os episcopados, em "visita ad limina", de nada menos que 22 Países. A vinda a Roma dos Bispos para a visita "ad limina apostolorum" é, diria eu, verdadeira e própria experiência comunitária de vida entre o Sucessor de Pedro e os Sucessores dos Apóstolos: encontros particulares, audiência colectiva por último, concelebração no mesmo Altar, ágape fraterno na mesma mesa. São encontros tonificantes, de verdadeira Koinonia na alegria do Espírito.
Particular relevo adquirem obviamente os encontros com os Episcopados das várias Nações, por mim visitadas; sinal visível daquele fraternal "collegialis affectus" (Lumen Gentium, 23), que deve caracterizar as relações do Papa e dos Bispos no interior do Colégio episcopal, de que lhes traçou as linhas o Concílio.
Sacerdotes, Seminaristas
7. O mesmo capítulo terceiro da Lumen Gentium termina com uma densa síntese do ministério sacerdotal, visto em toda a sua complexidade e riqueza. Se os Bispos são os primeiros responsáveis da cura pastoral nas suas dioceses, não podem cumprir o seu grave encargo sem o trabalho dos sacerdotes.
A minha predilecção vai, de modo especialíssimo, para todos os sacerdotes do mundo!
Enviei a todos os sacerdotes da Igreja, por ocasião da passada Quinta-Feira Santa, a oração que me brotou do íntimo como reflexão corroborante sobre o sacerdócio, que nos configura a Cristo no Espírito Santo, e quis que também este ano aquele "dia natal do nosso sacerdócio" fosse por mim vivido em "particular comunhão espiritual" com todos os presbíteros, a fim de partilhar com eles a oração, as ansiedades pastorais, as esperanças, para animar o serviço deles generoso e fiel, para lhes agradecer em nome de toda a Igreja. E também em todas as minhas viagens pastorais, quis reservar um particular encontro com os sacerdotes.
Nesta continuidade tomam lugar também as minhas solicitudes pelos seminaristas, os sacerdotes de amanhã, esperança da Igreja, cujo crescimento lento mas progressivo é de bom auspício para o futuro.
O Laicado
8. A Constituição dogmática conciliar sobre a Igreja põe em realce a obra dos leigos, isto é de "todos os fiéis, com exclusão dos membros da ordem sagrada e do estado religioso..., que, na qualidade de incorporados a Cristo com o baptismo e constituídos Povo de Deus e, na sua medida, tornados participantes do oficio sacerdotal, profético e real de Cristo, pela sua parte exercem, na Igreja e no mundo, a missão própria de todo o povo cristão" (Lumen Gentium 31).
O meu Pontificado, como o dos meus Predecessores, tende essencialmente a conseguir que os leigos tomem cada vez maior consciência desta sua dignidade e responsabilidade, e da plena confiança que neles põe a Igreja, chamando-os a assumir o lugar que lhes toca. Tal finalidade única é a que têm: a catequese das Audiências das Quartas-feiras e daqueles grandes encontros do Papa com o Laicado de todas as proveniências; os encontros dominicais para o Angelus; as visitas às Paróquias romanas, onde me é dado entabular fecundas conversas com todas as componentes da vida paroquial, levadas ao auge supremo com a celebração da Eucaristia; as Audiências às várias expressões da vida laical no mundo; e o recente encontro de Genebra com os membros das Organizações Internacionais Católicas, empenhados num sério trabalho de difusão capilar do ensinamento da Igreja em contacto com organismos qualificados em todo o proceder humano. Assim também as minhas viagens são essencialmente troca de amor e de fé com todos os representantes do Laicado, deste verdadeiro, grande e insubstituível tecido conjuntivo da Santa Igreja.
A família e o trabalho estão em primeiro lugar nos problemas do Laicado, mas de tais questões já tratei convosco no Natal. Baste aqui recordar, quanto ao primeiro ponto, o Pontifício Conselho para a Família que, há mais de um ano, iniciou o seu trabalho; muitas são as tarefas confiadas ao novo Organismo, e muitas as exigências e as expectativas que a Igreja coloca nele, e que eu faço minhas desejando um pleno ritmo de actividade. Assim recordo com satisfação a oportunidade que me foi dada de sublinhar o empenho da Igreja pela salvaguarda dos valores do matrimónio, na anual Audiência ao Tribunal da Sagrada Rota Romana (28 de janeiro), como também de inculcar a missão evangelizadora da família com os dirigentes das Pontifícias Obras Missionárias (7 de maio). Quanto ao trabalho, como sabeis, a partir de Maio do ano passado, tudo se passou como para um contínuo aprofundamento do tema do trabalho no 95º aniversário da Rerum Novarum de Leão XIII: e penso de novo na visita aos estabelecimentos da Solvay de Rosignano perto de Livorno, e sobretudo na recentíssima a Genebra para a 68° Sessão da Conferência Internacional do Trabalho na prestigiosa sede da "Repartição Internacional do Trabalho" diante dos representantes de todo o mundo, e nos encontros lá celebrados com os Delegados dos trabalhadores, e dos dadores de trabalho.
Não desejaria esquecer aquela particular porção do laicado, que sinto tão próxima, e para a qual vai todo o meu afecto, que é correspondido como bem sei: os jovens. Quanta alegria, recebida e dada! Quanta seriedade de promessas e de compromissos! Recordo os encontros estupendos, realizados durante as minhas viagens, com toda aquela juventude que a eles correspondeu com a sua participação recolhida e exultante. Como não recordar os jovens nigerianos de Onitsha, os italianos de Bolonha na Praça Maior, e de outras cidades, os portugueses de Lisboa, os escoceses de Edimburgo em Murrayfield, os de Gales de Cardiff no Ninian Park? Ainda em Edimburgo houve o encontro com a gente da escola escocesa. Nem posso esquecer a resposta sempre generosa, que me vem dos jovens universitários, como dos seus professores, em inesquecíveis ocasiões como a Missa em preparação para a Páscoa, na Basílica Vaticana, o Congresso Internacional "UNIV 82" promovido pelo Instituto para a Cooperação universitária, o encontro da tarde do dia de Páscoa com mais de 5 mil universitários; e apraz-me também evocar que a anual Audiência ao Clero romano para o inicio da Quaresma foi dedicada este ano aos problemas da pastoral universitária. Nem esqueço os encontros periódicos com grupos de jovens desportistas de variada especialização.
Nos jovens, que fazem tropel à volta de mim, vejo a aurora da sociedade do terceiro milénio, que eles hão-de formar com a sua preparação reflexiva e alegre; e aos responsáveis das Igrejas locais, Bispos e Sacerdotes, indico que a prioridade dos seus cuidados pastorais deve dirigir-se precisamente à juventude, que será o suporte da Igreja e da sociedade dos Dois Mil.
Porção privilegiada do Povo de Deus são os doentes e as pessoas idosas, que sem descanso convido a darem o seu contributo de solidão e sofrimento para "completarem na carne aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor do seu Corpo que é a Igreja" (cf. Col 1, 24): em cada minha Capela solene, a cada Audiência e a cada viagem minha não falta nunca a presença dos caríssimos enfermos.
A Cultura
9. Uma alusão especial merecem as relações com o mundo da cultura, cuja solicitude é para mim preocupação constante e ponto de referência obrigatório para o meu serviço pontifical. A seu tempo, naquele grande Fórum internacional da cultura que é a UNESCO, tinha indicado as linhas mestras sobre que se move a Igreja ao confrontar-se com os homens da ciência, da arte e da cultura, aos quais está confiada a promoção do património específico da civilização de cada povo.
A Pontifícia Academia das Ciências continuou a sua árdua e benemérita obra de estudo e de aprofundamento de problemas altamente especializados: e recordo a Audiência de Outubro passado aos Académicos reunidos em Roma para o estudo sobre a cosmologia e a física fundamental. Assim tracei as relações que se interpõem entre fé e cultura na Audiência do Movimento Eclesial de compromisso cultural. Cito ainda as visitas ao Pontifício Ateneu Antoniano e ao Instituto de Patrologia "Augustinianum"; as Audiências a particulares. Encontros de Estudiosos; os encontros com os professores universitários da Emília e da Romanha no Convento de São Domingos em Bolonha (e a sucessiva paragem no arquiginásio daquela cidade); com a Universidade Católica de Lisboa; com os Professores universitários e os homens de cultura de Coimbra, e o, para mim tão significativo, com os estudiosos do Centro Europeu para a Investigação Nuclear (CERN), na recente visita a Genebra.
Estas solicitudes pelo diálogo com as culturas do nosso tempo, "campo vital em que está em jogo o destino do mundo neste fim do século XX" encontraram expressão oficial, por uma obra aprofundada e orgânica, na recente instituição do Pontifício Conselho para a Cultura, ao qual entreguei encargos especializados para levarem avante esta fundamental relação Igreja-cultura. O Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et Spes (nn. 53-62), tinha dado o encargo disso, e colocado os fundamentos. Agora trata-se de se empenhar a valer no encontro das culturas, que, como ainda escrevi na Carta constitutiva do Conselho, "é hoje terreno de diálogo privilegiado entre homens empenhados na busca de um novo humanismo para o nosso tempo". A Igreja não quer descuidar nenhuma ocasião para dar "um impulso comum ao encontro, continuamente renovado, da mensagem salvífica do Evangelho com a pluralidade das culturas, na diversidade dos povos, aos quais deve levar os seus frutos de graça" (ibid.). Que o Senhor acompanhe com as Suas bênçãos estas novas tarefas que se abrem para a acção da Sé Apostólica!
A Paz
10. As viagens realizadas na Grã-Bretanha e na Argentina obrigam-me a tocar, seja embora brevemente, o tema da paz, ainda que ele entre mais na acção "ad extra" da Igreja. Mas as duas viagens, realizadas a tão breve distância devido à conhecida situação, foram por assim dizer "atípicas", isto é, com um carácter pastoral diverso do de todas as outras, porque realizadas em condições que, em geral, teriam desaconselhado a visita de um Papa a dois Países em estado de hostilidade. Mas estes "riscos" entram já na óptica da universal acção pastoral do Papa de hoje. Não podia deixar os dois povos sós, e devia além disso recordar perante a opinião pública de todos os Países do mundo que — como disse aos Bispos argentinos — "a universalidade, dimensão essencial do Povo de Deus, não se opõe ao patriotismo nem entra em conflito com ele. Ao contrário, integra-o, reforçando nele os valores que tem; sobretudo o amor à própria Pátria, levado, se necessário, até ao sacrifício; mas ao mesmo tempo abrindo o patriotismo de cada um ao patriotismo dos outros, para que se intercomuniquem e enriqueçam" (n. 6).
A paz constitui uma plataforma comum para a acção do Cristianismo no mundo; assim é na América Latina como no Próximo Oriente, onde a paz, tão comprometida mas tão necessária, tem um carácter religioso, uma dimensão espiritual. Afirmo aqui publicamente que estaria disposto a dirigir-me resolutamente também à atormentada terra do Líbano, se isto fosse possível, em favor da causa da paz, mantendo uma linha de oração e de súplica pela almejada solução dos problemas que perturbam aquelas regiões. E qualquer outra iniciativa seria por mim acolhida e empreendida para ajudar aquele povo, como me impõe o meu ministério de Pai e Pastor.
De facto, a justa paz, segundo o lema que dei para o Dia Mundial deste ano, é um dom de Deus confiado aos homens; dom frágil, mas possível; dom precário, mas precioso. E aproveitarei todas as ocasiões para o proclamar e defender.
Nesta luz encontram explicação os numerosos apelos, que lancei em favor da recordada situação no Atlântico Sul e no Próximo Oriente, como, anteriormente, em favor de El Salvador e Guatemala; a Missa em São Pedro de 1 de Janeiro e a "pro pace et iustitia servanda" de Maio passado; as celebrações eucarísticas em Coventry e no Santuário mariano de Luján; o encontro com os jovens da Acção Católica Italiana sobre o tema da paz.
Eleve-se dos nossos corações o brado: Dona nobis pacem! E trabalhemos todos sem cessar para merecer este dom!
Vocação à santidade
11. A universal vocação à santidade na Igreja foi o esplêndido apelo do Vaticano II, explicado no capítulo quinto da Lumen Gentium. A Igreja é fundamentalmente chamada a santidade. E dever desta Sé Apostólica é o de favorecer com todos os meios o caminho ascensional do Povo de Deus, cujos membros, "de qualquer estado ou grau, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade: por esta perfeição é promovido, também na sociedade terrena, um teor de vida mais humano" (Lumen Gentium, 40). As consequências desta acção são por conseguinte, benéficas também no plano social da convivência e da tranquilidade na ordem.
Toda a acção desta Santa Sé para a vida "ad intra" da Igreja, tem como objectivo, como disse no início, promover a santidade: da vida eucarística e sacramental, à tomada de consciência das responsabilidades inerentes a todo o Povo de Deus, Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Fiéis, para o empenho evangelizador a todos os níveis.
Por isso, caríssimos irmãos e irmãs, ao ajudar-me a levar avante esta obra, cujas linhas até agora foram traçadas por mim, vós contribuís para a santificação da Igreja, para a elevação da vida social, para a "consecratio mundi". Obrigado, digo-vos, por este insubstituível contributo, enriquecido pelo grau interior de fidelidade e de generosidade, que cada um de vós traz no quotidiano serviço da Santa Sé. É uma colaboração cuja riqueza é conhecida somente por Deus, que não a deixará sem recompensa!
A vocação à santidade, e o empenho por consegui-la, que diz respeito a todo o Povo de Deus, torna-se ao mesmo tempo um sinal da "índole escatológica da Igreja peregrina" e da "sua união com a Igreja celeste", como foi delineada no capitulo sétimo da Constituição dogmática Lumen Gentium: "não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da futura" (Heb 13, 14).
Anéis luminosos desta estreita união entre a vocação à santidade da Igreja e a sua confluência para a glória escatológica são as figuras de homens e de mulheres, que praticaram de modo heróico o dúplice preceito do amor a Deus e aos irmãos, e que portanto são proclamados com soleníssimos actos do Supremo Magistério Beatos e Santos à veneração de todos os fiéis.
Religiosos e Religiosas
12. Oportunamente o Concílio, depois do apelo à santidade, falou dos Religiosos (Lumen Gentium, VI), ilustrando a profissão dos conselhos evangélicos na Igreja e a natureza, importância e grandeza da consagração religiosa. Quero portanto, também daqui, recordar especificamente o posto que têm no meu coração os Religiosos, as Religiosas, os Membros dos Institutos Seculares, se bem que estejam compreendidos em muitos dos argumentos até agora tratados: eles de facto fazem parte do Povo de Deus, estão inseridos de maneira profunda na economia sacramental da Igreja, porque a vida religiosa é a epifania visível da efectividade levada até ao extremo da graça comunicada por Deus aos homens, especialmente com o Baptismo e com a Eucaristia; eles são a espinha dorsal da acção missionária; estão presentes no mundo do apostolado e da cultura; são o sinal do seguimento perfeito de Cristo e a presença do "já" escatólogico no "ainda não" da Igreja peregrina aqui na terra; enfim, para me limitar às Beatificações e Canonizações acenadas, não são todos membros de Institutos Religiosos aqueles para os quais decretei até agora as honras dos Altares?
Exprimo por isso o meu grande reconhecimento, que tive já ocasião de exteriorizar em várias oportunidades durante o ano: com a Audiência concedida à Plenária da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, em Novembro passado, e com as audiências aos Superiores e Superioras dos Institutos da Terceira Ordem Regular de São Francisco, aos Provinciais da Companhia de Jesus, aos Filhos da Caridade Canossianos; com as visitas à Comunidade de Don Guanella e aos Padres Agostinianos, como também às outras Famílias Religioosas já citadas de cada vez; e sobretudo com os encontros durante todas as minhas viagens apostólicas, entre os quais me ficou particularmente gravado, devido ao local e à celebração centenária, o encontro com os Franciscanos no Convento de Santo António, em Lisboa.
A todos os Religiosos e as Religiosas recordo o solene empenho de santidade, que assumiram perante a Igreja. Que ele continue sempre vivo! Que seja sempre autêntico! Que seja sempre reconhecível! E, com o Concílio, encorajo-os a colocar todo o cuidado "a fim de que mediante eles a Igreja possa, de facto, manifestar sempre melhor Cristo, tanto aos fiéis como aos infiéis"; e ter presentes os irmãos "na intimidade de Cristo... para que a edificação da cidade terrena tenha sempre o seu fundamento no Senhor e a Ele tenda" (Lumen Gentium, 46).
Maria
13. A grande Constituição dogmática sobre a Igreja termina com o fundamental capítulo oitavo, que ilustra o papel único de Maria na Igreja como "membro supereminente e de todo singular da Igreja, como o seu tipo e modelo excelente na fé e na caridade" (Lumen Gentium, 53). Aquela doutrina, sólida e profunda, tudo deve o reflorescer da piedade mariana no período pós-conciliar, graças também ao ensinamento de Paulo VI (Marialis cultus). Àquela doutrina sinto-me estreitamente ligado na prossecução do meu ministério, que desde o início depositei nas mãos de Maria.
Este ano, de modo particular, depois do atentado ocorrido por misteriosa coincidência no dia comemorativo da aparição da Virgem em Fátima, o colóquio com Maria tem sido, desejaria dizer, ininterrupto. A Ela confiei repetidas vezes a sorte de todos os povos: a começar do acto de entrega de 8 de Dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição, à consagração à Virgem dos Países visitados: da Nigéria em Kaduna, da Guiné Equatorial em Bata, do Gabão em Libreville, da Argentina no Santuário de Luján; recordo as visitas aos santuários italianos de Nossa Senhora de Montenero, em Livorno, e de Nossa Senhora de São Lucas, em Bolonha; até ao ápice da peregrinação a Fátima em Portugal, "Terra de Santa Maria", que foi um acto pessoal de reconhecimento ao Senhor, quase como cumprimento de um tácito voto, pela protecção a mim concedida por meio da Virgem, e um solene acto de entrega e de consagração de todo o género humano à Mãe de Deus, em união com a Igreja mediante o meu humilde serviço, acto em que desejei "depositar, uma vez mais, as esperanças e as angústias da Igreja no mundo contemporâneo" (Ib., 1).
É-me também caro recordar como, a partir deste ano, uma encantadora imagem mariana vela, do alto do Palácio Apostólico, sobre as multidões que convergem para o centro da Cristandade a fim de orar e "videre Petrum".
Peço-vos estejais unidos a mim, em uníssono, nesta consagração à Virgem, que deve animar e santificar também a nossa fadiga quotidiana. Juntos colaboremos com humildade para esta grande intenção, por mim expressa na oração a Nossa Senhora: "Revele-se, uma vez mais, na história do mundo o infinito poder do Amor misericordioso! Que ele detenha o mal! Transforme as consciências! No Teu Coração Imaculado se manifeste para todos a luz da esperança!" (ib., 3). A Cúria Romana seja a primeira também a tornar-se dócil instrumento deste plano de amor e de reconciliação, mediante o qual a Virgem quer levar todos os homens a Cristo!
Conclusão
14. Venerados Cardeais, caríssimos Irmãos e Irmãs!
Vós vedes a que obra sois chamados por Deus. Ao traçar a acção por mim desenvolvida para a vida da Igreja "ad intra", foram explicitados de modo evidente a função e os deveres que, a pleno mérito, tendes nela. Se talvez pude dar-vos a impressão de falar principalmente dos "Acta Papae", na realidade a minha exposição acentuava também aqueles que são os vossos actos, os "Acta Apostolicae Sedis"! Cada um de vós deve ver a própria parte no serviço desenvolvido pelo Papa; cada um deve estar convicto de ser, a título diversificado mas não menos real, colaborador do Papa.
O trabalho da Cúria Romana é seguido por mim muito de perto. A minha presença nas periódicas reuniões dos Cardeais Chefes de Dicastério é um empenho constante; os encontros com os responsáveis dos vários Organismos curiais ocorrem com regularidade, tanto nas Audiências como nos encontros familiares e fecundos para o trabalho que espero de cada um dos Dicastérios. E se não pude aqui citá-los todos, devo dizer que nos pontos tocados, a recordação da obra e da cooperação, por eles oferecida, tem sido evidente. Cada um pôde reconhecer-se neste extraordinário trabalho que a Santa Sé desenvolve para a vida da Igreja, para a edificação do mundo!
Também por este trabalho estou-vos grato! É um trabalho que todos juntos prestais não só a mim, mas em mim e comigo, àquele "bem-aventurado Pedro, que vive e governa nesta sua sede, para garantir a verdade da fé a quantos a procuram" (S. Pedro Crisólogo a Eutiques, inter Epi. S. Leonis Magni, XXV, 2; PL 54, 743 s.).
Seja Ele, na sua Solenidade que de modo particular sentimos nossa neste centro tão próximo do lugar do seu testemunho supremo e do seu túmulo, a infundir-nos a firmeza dos propósitos, a fidelidade no serviço, e sobretudo a alegria, grande e verdadeira, de sermos parte viva desta Sé Apostólica, cujo único anseio é o de promover, juntamente com toda a Igreja, a edificação dos homens irmãos na verdade e na paz.
A todos, cordialíssima, a minha Bênção Apostólica.
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