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VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A PÁDUA
12 DE SETEMBRO DE 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
À COMUNIDADE ECLESIAL E SOCIEDADE CIVIL

Palácio do Governo da Região Véneta
Domingo, 12 de Setembro de 1982

 

Ilustres Senhores

1. Agradeço vivamente ao Presidente da Junta Regional as gentis palavras com que me acolheu, e dirijo a todos vós, representantes dos vários sectores da vida social e cultural desta ilustre cidade, a minha mais cordial e deferente saudação.

Há mais de sete séculos este grande edifício cívico no qual nos encontramos é, com a Catedral, com a Basílica do Santo e com a vizinha Universidade, um dos pólos simbólicos, um importante ponto de referência não só para aquele que vem a Pádua, mas também para quem goste de aprofundar o significado da cidade e do seu território, das vicissitudes passadas e das condições presentes, em vista de possíveis e desejáveis desenvolvimentos futuros.

Com uma denominação consagrada pelo uso secular, vós chamais "da Região" a esta Sala, na qual os vossos pais, representantes das várias categorias, corporações e camadas sociais, "arrazoavam", ou seja examinavam e discutiam os negócios e as causas do público interesse e utilidade, e os magistrados administravam a justiça, à luz da razão.

Nome tão belo e responsabilizante não pode deixar de sugerir, por analogia, algumas reflexões.

A minha memória, em particular, recorda outra expressão, que de há séculos está esculpida num portal da Universidade de Cracóvia, tão querida ao meu coração: "Plus ratio quam vis": vale mais a razão do que a força.

Em Pádua, como em Cracóvia, como em qualquer lugar onde viva uma sociedade que se inspire na mensagem cristã, o uso da razão, na vida quotidiana e nos momentos de maior responsabilidade política e social, foi considerado e deve sê-lo, agora e sempre, como índice indispensável e qualificante de sabedoria, de humanidade e de civilização.

2.Estarmos aqui reunidos neste lugar, que apresenta, também na importante decoração pictórica, os sinais da integração entre sociedade civil e comunidade eclesial, não só nos leva a considerar com respeito e veneração as grandes estações do passado, singularmente densas de vicissitudes e muitas vezes ricas de duráveis valores em toda a terra que divide com Veneza nome e prestígio, mas constitui oportuna ocasião para nos perguntarmos, diante de tão eloquentes testemunhos históricos e artísticos, culturais e sociais, religiosos e civis, de que modo ainda hoje homens e mulheres, jovens e anciãos, estudantes e trabalhadores podem viver concordemente na única comunidade humana, que traz em si mesma, distinguíveís mas não separáveis, as prerrogativas, os valores e os aspectos, do religioso e do civil, do individual e do social, do material e do espiritual.

Para nos determos ainda um instante naqueles tempos, voltamos o olhar para os muros deste admirável espaço arquitectónico e vemos como aquela sociedade cristã da Idade Média, embora tantas vezes dilacerada por ferozes desavenças, soube exprimir a própria visão do mundo na unidade da fé em que eram assumidos, permanecendo embora distintos, os valores, as exigências e as crenças que se referem ao visível e ao invisível, ao temporal e ao eterno, à vida do corpo e à do espírito.

3.O alcance daquela síntese não foi fácil, nem breve foi o trabalho que o precedeu.

Pouco antes de Dante lhe construir, com a Divina Comédia, a mais alta suma poética, Giotto realizou maravilhosa sinfonia cristológica e mariana, na vossa Capela dos Scrovegni, e o século de Francisco, de António e de Tomás de Aquino tinha-se pouco antes concluído.

Mas quantas lutas, que divisão de ânimos, que disputas acesas, que penosos erros, que prolongadas tribulações de pessoas e de povos perturbaram, também naqueles séculos, a Igreja e a sociedade civil!

Nestas mutações históricas tem-se uma confirmação de cada homem, e a sociedade religiosa e civil a que pertence, poderem e deverem desempenhar funções insubstituíveis e por vezes improrrogáveis.

Não é minha intenção, a este propósito, indicar de modo específico os campos em que hoje se pode, e talvez se deva, pedir à comunidade civil e religiosa, leiga e eclesiástica, de Pádua e da inteira região veneziana, que opere e progrida em vista de um real e duradouro progresso individual e social, material e moral; considero todavia que não se podem ignorar alguns temas e problemas que se apresentam à luz de factos e situações, que estão bem presentes a todos.

4.O primeiro é constituído pela necessidade de salvaguardar a dimensão transcendente na edificação da civitas hominis (sociedade do homem). Esta tensão para o durável e o eterno, de que foram mestres os vossos Santos, compreende, por um lado, a fundamentalidade de Deus e, por outro, a centralidade do homem, remido pela vida e pela paixão de Cristo, morto e ressuscitado.

Esta tensão para o transcendente pode-se traduzir numa recomendação viva e sincera: não permitais que o materialismo e o utilitarismo, que se apresentam como busca cada vez mais laboriosa dos bens materiais, conduzam a perder o sentido do eterno, a perder de vista os valores dominantes de Deus e aquela visão religiosa e cristã da vida, que distingiu as gentes venezianas e as impeliu a procurarem exprimir, também na actividade social e politica, as exigências da mensagem cristã.

5.Um segundo problema, muito sentido, é o de realizar uma nova síntese cultural, um encontro possivelmente harmónico entre a nova ciência e os direitos da consciência, entre as actividades produtivas e as exigências do espírito, entre uma gestão inteligentemente pragmática dos vários organismos e uma sincera ética do serviço, entre as gerações que se apagam e as que sobem ao horizonte da vida: e, por último, entre o dever de ser fiel ao Evangelho na Igreja e o empenho de fazer-se promotor e cooperador de um equilibrado bem-estar na sociedade civil.

Pádua e a região de Veneza poderiam encontrar-se numa situação particularmente favorável para conseguir um caminho concorde nesta direcção. Também nisto, nos ensina o passado que uma síntese eficaz — entre tendências, exigências e valores de diversa natureza — é possível só operando-se em recíproco entendimento, com mútuo respeito, e tendo presente a perspectiva social própria do cristianismo.

6.Um terceiro e último ponto desta reflexão desejaria reservar para o triste fenómeno da violência.

Pádua e o seu território, nos últimos anos, afligiram-se com uma série de factos preocupantes. Por isso eu atrevo-me a pedir propósitos de paz e não de destruição a todos os que julguem ter motivos para protestar contra as pessoas e os ordenamentos sociais; mas peço ao mesmo tempo que na sociedade civil, no mundo do trabalho e da produção, da escola e dos serviços, cada um actue de modo tal que não pré-constitua motivos, situações e solicitações, que cheguem a justificar, se não a promover, formas exasperadas de conflito, ou que possam, mesmo sendo como pretexto, despertar reacções contrárias ao uso da razão e do bem comum.

Não há, de facto, situação conflitual, sobre que as livres vontades das pessoas não possam e não devam intervir, para prevenir erros, para ajustar os meios reais aos fins possíveis, para curar as feridas e para reconciliar os ânimos (cf. Gaudium et Spes, 25).

Como conclusão deste encontro, formulo de todo o coração votos pela defesa e pelo incremento da paz social, da concórdia civil, da vida espiritual e das actividades laborativas de Pádua e das generosas gentes venezianas, assegurando orações por que as várias camadas sociais operem solidariamente à procura e na salvaguarda do verdadeiro bem comum, e para que a fé coerentemente praticada continue a constituir a nota distintiva vossa e do povo que representais, ao mesmo tempo que de boa vontade invoco a bênção do Senhor.

 



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