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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA DOS BISPOS DO BRASIL
 REGIONAL NORDESTE III EM VISITA
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AD LIMINA APOSTOLORUM
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Sexta-feira, 29 de Setembro de 1995

 

Prezados Irmãos Bispos

1. É com imensa alegria que vos dou as boas-vindas, Bispos provenientes das Províncias Eclesiásticas da Bahia e de Aracajú: “Graça e paz vos sejam dadas da parte d’Aquele que é, que era e que há de vir” (Ap 1, 4). A vossa presença testemunha a comunhão na graça que vos une, na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, ao Bispo de Roma, centro visível da unidade em todos os tempos. Ao realizardes a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos, renovais a vossa convicção de que a realidade histórica concreta, que é a Igreja, tem a sua origem nos Doze e no nosso Senhor Jesus Cristo, que estabeleceu este Corpo vivo como sacramento da salvação (cf. Lumen Gentium, 1), que Ele mesmo nos obteve mediante a Sua morte e ressurreição. Agradeço as palavras do Senhor Bispo D. Paulo Lopes de Faria, elas representam o espírito que acompanha vossos irmãos no episcopado, e refletem a sintonia que norteia a vossa comum missão de Pastores das Igrejas particulares que representais.

2. Esta certeza acerca da Igreja como sinal efetivo da salvação é a fonte dos vossos incansáveis esforços para transmitir o Evangelho a todos os que foram confiados ao vosso cuidado pastoral. Ela é a base do dever urgente, de todos os Pastores da Igreja, de inspirarem e orientarem a plantatio Ecclesiae e o ulterior desenvolvimento da Esposa de Cristo em todos os lugares e em todas as culturas.

No limiar do terceiro milênio, a missão apostólica que vos foi confiada encontra-se diante dos formidáveis desafios da Nova Evangelização, em que a cultura reveste uma importância primordial. Precisamente na linha destas considerações, ao participar das comemorações do V Centenário da Evangelização da América Latina, fiz questão de dar particular ênfase à “cultura cristã”, onde o Evangelho de Cristo levado aos homens atingisse cada qual na sua cultura, na esperança de que, por sua vez, a fé dos cristãos fecundasse as culturas emergentes. A América Latina representa quase a metade dos católicos do mundo. O sucesso da Nova Evangelização dependerá de como a Igreja, e particularmente vós, que levais sobre os ombros a pesada carga de iluminar os caminhos do rebanho que vos foi confiado, sabereis manter esse diálogo entre a cultura e a fé.

Para confirmar vossos esforços e infundir-vos coragem diante de vossos deveres, como já o fiz por ocasião das visitas “ad limina” de vossos coirmãos de outros Regionais, permito-me sugerir algumas reflexões sobre temas que muitos de vós compartilhastes comigo e que estão entre os objetivos prioritários do vosso ministério episcopal. E, particularmente convosco, do Regional Nordeste III, desejo hoje entreter-me sobre o estado da renovação litúrgica no vosso imenso país e a tarefa de chegar a uma Liturgia romana corretamente inculturada no povo brasileiro.

3. A promoção da vida litúrgica, no contexto acima acenado, apresenta mais de um desafio. Tenho conhecimento que, nesse setor da vossa responsabilidade, muito foi feito e por isso é necessário dar graças a Deus. A mesa da Palavra de Deus foi abundantemente aberta a todos com traduções adaptadas ao uso litúrgico, e a recente publicação do Missal e da Liturgia das Horas na língua do Brasil oferecem agora à oração da Igreja no Brasil pontos de referências definitivos.

Esta oração, que funda suas raízes no tesouro da tradição da Igreja e tende a santificar o dia e as obras, deve acompanhar a missão de sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, e estar sempre mais aberta também aos leigos. A missão da Igreja e a sua atividade apostólica exigem de fato estar unidas à oração incessante, segundo o convite e o exemplo de Cristo, para elevar a Deus o mundo que evangelizamos (cf. Mt 26, 41; Mc 6, 46).

Neste sentido, uma palavra faz-se necessária, por ocasião da recente publicação, em vosso País, da edição definitiva da Liturgia das Horas, agora completada. Muitos dos vossos Relatórios Quinquenais indicavam a necessidade de se ajudar os presbíteros a redescobrirem a importância do Breviário para a vida espiritual e ministério. É, pois, chegado o momento de empreender todos os esforços possíveis para corresponder a esta exigência, ajudando os vossos sacerdotes a viverem com renovado ardor e entusiasmo, e em espírito de amoroso obséquio ao Senhor, aquela “ação” litúrgica que, como Sacerdotes, são chamados a oferecer em nome e com toda a Igreja. O dever da recitação integral e cotidiana do Ofício Divino (Codex Iuris Canonici, can. 276 § 2 e 3)deve ser percebido não como fria e mecânica norma, mas como uma imperiosa necessidade do próprio ser sacerdotal, feito “intérprete e veículo da voz universal que canta a glória de Deus e pede a salvação do homem”(Audiência Geral de 2 de junho de 1993, 5; Congregação para o Clero, Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, n. 50). A sua celebração seja diligentemente preparada, instruindo-se os seminaristas acerca da história e do significado do Breviário; e aos jovens sacerdotes proporcione-se um adequado acompanhamento, no quadro da formação permanente, também quanto a este sacrossanto dever (Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, n. 82).

4. As ações litúrgicas enquanto “celebrações da Igreja, que é "sacramento da unidade"”(Sacrosanctum Concilium, 26) devem ser disciplinadas unicamente pela autoridade competente e, uma vez que isso foi determinado, exigem da parte de todos grande e respeitosa fidelidade aos ritos e aos textos autênticos (cf. Sacrosanctum Concilium, 22).

Visto que a Liturgia, como a experiência pós-conciliar nos ensinou, tem um grande valor pastoral, em vários livros litúrgicos foi previsto, com indicações precisas nos Praenotanda, uma margem de adaptações à assembléia e às pessoas, e uma possibilidade de abertura ao gênio e à cultura dos diversos povos. Para vós é chegado o momento de avaliar quanto foi feito até agora nesse campo e a oportunidade de estudar em que formas e em que modo responder ao prescrito por aquelas normas. Toda esta obra deve obter nos ritos aquela nobre simplicidade que ponha em equilíbrio a possibilidade de sinais facilmente compreensíveis, sem que isso degenere no empobrecimento dos mesmos sinais, tornando-os, ao contrário, mais expressivos das realidades sagradas a que devem servir, e contribuindo, no seu contexto, para a dignidade e a beleza da celebração.

Cabe a cada Bispo, como regulador, promotor e guarda de toda a vida litúrgica na comunidade eclesial que lhe foi confiada, fazer frutificar a graça de Deus (cf. Decreto Christus Dominus, 15), e por isso é dever de cada um de vós vigiar a fim de que se observem com cuidado e diligência as normas e diretivas que dizem respeito às celebrações, sejam essas comuns a todo o território da Conferência Episcopal ou particulares à uma Diocese. Uma errada aplicação do valor da criatividade e da espontaneidade nas celebrações, mesmo se típica de tantas manifestações da vida do vosso povo, não deve levar a alterar nem os ritos, nem os textos, nem sobretudo o sentido do mistério que se celebra na Liturgia. A recente Instrução da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos “Varietates Legitimae” vos oferece tudo quanto é necessário para poder estruturar, dirigir, examinar e corrigir a revisão dos vossos livros litúrgicos e poder assim apresentá-los à definitiva aprovação.

5. Não me é desconhecido, todavia, que a vossa ação de pastoral litúrgica a serviço da nova evangelização deve tomar em consideração as exigências de uma sociedade, como a vossa, que é multicultural. Graças à presença de vários grupos culturais se opera um enriquecimento para a catolicidade da Igreja. Mas o cuidado espiritual para os católicos que são, como tive ocasião de dizer: “Uma mescla racial e cultural” que “marcou profundamente e continuará a marcar o modo de ser e de exprimir-se do povo brasileiro”(Aos representantes do mundo da cultura, Salvador, Bahia, 20 de Outubro de 1991, 4), exige particular solicitude pastoral. Muitos vivem nas áreas urbanas, um ao lado do outro, transformando a sua cultura; para outros, o grau de integração continua a ser limitado, outros enfim continuam a manter a sua cultura original. Este articulado fenômeno implica uma particularmente sensível e partícipe resposta pastoral, confiada à vossa discrição e à vossa prudência apostólica.

Por diversas ocasiões pude testemunhar este amálgama de raças que convive harmoniosamente em cada Estado da Federação. Esta pacífica convivência deve ser incentivada, evitando-se tudo aquilo que pode contrapor as raças e culturas, em atitudes estéreis de antagonismo ou de conflitos. A índole do vosso povo, e, mais especialmente, a fé legada pelos primeiros missionários que foram ao Brasil, consolidou a convicção de que se criou as bases de um recíproco entendimento, que deve continuar servindo de exemplo para muitas nações afora. “Rezo – como já vos disse – para que a um mundo freqüentemente dominado pelas contendas entre povos e raças, o Brasil possa dar... uma lição essencial, a da verdadeira integração” (Homilia durante a Missa para as Famílias, Rio de Janeiro, 1 de Julho de 1980, 2).

Como compreenderão, o respeito pelas diversas culturas e a correspondente inculturação evangélica aborda questões que merecem um destaque a parte. Não é possível, contudo, descurar aqui a consideração da cultura afro-brasileira no quadro mais amplo da evangelização “ad gentes”, e que hoje é bem presente na reflexão teológica e pastoral de vossas Igrejas particulares em terras do Brasil. Trata-se da delicada questão da aculturação, de modo especial dos ritos litúrgicos, ao vocabulário, às expressões musicais e corporais típicas da cultura afro-brasileira. Sobre este tema tão complexo gostaria de tecer algumas considerações.

Primeiramente, convém perguntar-se acerca da conveniência de dar ao culto litúrgico uma feição afro-brasileira, como tenho constatado em algumas circunstâncias, onde o elemento negro é bastante acentuado. Todos sabemos que a interação dos costumes e tradições dos brancos, com a maneira de ser dos escravos negros vindos da África, trouxe ao vocabulário, à sintaxe e à prosódia da língua portuguesa falada no Brasil uma feição própria. A presença de elementos negros na arte sacra barroca do período colonial, que deixou tão belos monumentos da arquitetura e escultura religiosa, na música sacra e profana e nos festejos da religiosidade popular, marcou de modo inconfundível as expressões culturais mais autênticas desta sociedade multirracial que é o Brasil. Nesta mesma história já se mostram presentes formas válidas de inculturação, que, sem trair a verdade da fé e da revelação cristãs, souberam incorporar a estes legítimos valores e expressões da cultura popular que, dessa forma, eram evangelizados.

Salta, porém, à vista de que se estaria distanciando da finalidade específica da evangelização, acentuar um destes elementos formadores da cultura brasileira, isolá-lo deste processo interativo tão enriquecedor, de modo quase a se tornar necessária a criação de uma nova liturgia própria para as pessoas de raça negra. Mais ainda, quando se pretende dar a um tal rito litúrgico uma apresentação externa e uma estruturação –  tanto nas vestes, como na linguagem, no canto, nas cerimônias e objetos litúrgicos – que acabam por assumir elementos provindos dos assim chamados cultos afro-brasileiros, sem a rigorosa aplicação de um discernimento sério e profundo acerca da sua compatibilidade com a Verdade revelada por Jesus Cristo. Assim, por exemplo, é preciso manter uma adequada e prudente vigilância em certos ritos que inspiram a aproximação do augusto Mistério Trinitário ao panteão dos espíritos e divindades dos cultos africanos, chegando-se mesmo, em certos casos, a modificar as fórmulas sacramentais em sua referência trinitária; mais ainda, deve-se assinalar, corrigindo oportunamente, a introdução no rito sacramental católico – a Santa Missa, mas também em outros sacramentos – de ritos, cantos e objetos pertencentes explicitamente ao universo dos cultos afro-brasileiros. Faz-se necessária e urgente uma corajosa vigilância dos Bispos, para a solerte e imediata correção de tais excessos, sempre que eles se manifestem.

A Igreja Católica tributa um sincero respeito em relação aos cultos afro-brasileiros, mas considera nocivo o relativismo concreto de uma prática entre ambos ou de uma mistura entre eles, como se tivessem o mesmo valor, pondo em perigo a identidade da fé cristã católica. Ela sente-se no dever de afirmar que o sincretismo é danoso ali onde a verdade do rito cristão e a expressão da fé podem facilmente ser comprometidas aos olhos do fiéis, em detrimento de uma autêntica evangelização.

A vós Bispos, em diálogo constante e confiante com a Sé Apostólica, foi entregue a responsabilidade de saber escolher os tempos e os modos de promover a inculturação da fé, através das celebrações litúrgicas que a exprimem e sustentam, conscientes que os tempos e os modos requerem uma reflexão paciente e rigorosa, baseada sobre uma autêntica teologia destinada a uma renovação espiritual, que se inspire em princípios católicos sobre a inculturação.

Não podemos, porém, falar da renovação espiritual das vossas Dioceses, sem examinarmos com atenção também o estado da fé e da participação na Eucaristia, demonstrado pelos vossos fiéis; a Eucaristia é a fonte, o centro e o ápice da vida da Igreja (cf. Lumen Gentium, 11: Catecismo da Igreja Católica, nn. 1324-1327). O “dom sincero” de Si mesmo, feito por Jesus e oferecido na Cruz, é tornado presente e aplicado na Eucaristia, e os presbíteros “unem as preces dos fiéis ao sacrifício da Cabeça e, no sacrifício da Missa, representam e aplicam o único sacrifício do Novo Testamento”(Lumen Gentium, 28). Portanto, administrar este grande mistério é um dos maiores privilégios e responsabilidades do vosso múnus episcopal. Infelizmente, às vezes pode acontecer que a Liturgia seja alterada, de maneira séria, por omissões ou acréscimos ilícitos aos textos aprovados. Nestas circunstâncias, “compete aos Bispos extirpar estes abusos, pois a regulamentação da Liturgia depende do Bispo, dentro dos limites traçados pelo direito” (Carta Apostólica Vigesimus quintus annus, 13). A relação verdadeira entre as celebrações do Mistério Pascal e uma determinada cultura se concretiza no momento em que ela permite ao Evangelho penetrar na própria vida da cultura, “superando os elementos culturais incompatíveis com a fé e com a vida cristã e elevando os valores ao mistério da salvação que provém de Cristo”(Pastores dabo vobis, 55).

A tarefa de adaptação e de inculturação é importante para o futuro do renovamento da vida litúrgica. A Constituição litúrgica anunciou o princípio (cf. Sacrosanctum Concilium, 37-40) e deu as primeiras indicações de procedimento. A Instrução sobre a “Liturgia Romana e a inculturação” aprofundou o tema, precisou os procedimentos que devem ser seguidos por parte das Conferências Episcopais, à luz do Direito Canônico e da experiência do primeiro quarto de século depois da reforma litúrgica (cf. Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Varietates legitimae, nn. 62 e 65-68).

6. Continuando o esforço necessário para enraizar a liturgia romana nas várias culturas, os bispos, assistidos por pessoas competentes e fiéis às orientações do Magistério que dizem respeito à disciplina da Igreja universal, devem cuidar em conservar sempre o “verdadeiro e autêntico espírito da Liturgia, no respeito à unidade substancial do Rito romano, expressa nos livros litúrgicos” (Carta Apostólica Vigesimus quintus annus, 16).

Seja-me permitido propor-vos alguns elementos de reflexão antes de tudo acerca do “verdadeiro e autêntico espírito da Liturgia”, e depois acerca do sentido da frase: “no respeito à unidade substancial do Rito romano”, expressa nos livros litúrgicos (Sacrosanctum Concilium, 37 e 38).

Com referência ao “espírito da Liturgia” (Sacrosanctum Concilium, 37)  não podemos duvidar que o Concílio Vaticano II entendia referir-se a uma realidade sempre presente na Igreja, mesmo se nem sempre vivida com igual acentuação. Uma coisa são as acentuações vitais que ao interno de um mesmo “espírito” a Igreja Ocidental e a Igreja Oriental, nas várias épocas culturais, sublinharam e favoreceram no Povo de Deus, e outra é o “espírito da Liturgia” no seu núcleo fundante e original. Este “espírito” não deriva das formas exteriores, que, na maior parte, são provenientes das culturas nas quais o Cristianismo se difundia, mas é subjacente a elas como aquilo que lhes confere o ser, como instrumento e manifestação exterior de convergência da ação de Cristo e de sua Igreja a nível de graça invisível.

É preciso recordar, além disso, que os Padres Conciliares, quando se referiam ao “verdadeiro e autêntico espírito da Liturgia”, tinham presente quanto a Constituição sobre a Sagrada Liturgia enuncia no seu proêmio (Sacrosanctum Concilium, 1-4) e na primeira parte do primeiro capítulo (Sacrosanctum Concilium, 5-13).

Se a Reforma litúrgica criou as condições e os meios para fomentar no povo de Deus o restabelecimento de um mais profundo sentido da “Igreja em oração” e da “oração da Igreja”, muito ainda resta por fazer para alcançar aquele objetivo, que sensibilize todos os fiéis de qualquer cultura. Muitos, talvez, se lançaram com ardor no novo, esquecendo-se do antigo. Outros permaneceram ligados às formas exteriores colocando em dúvida a necessidade de renovação, que era bem mais evidente e não podia se confundir com as desvios reprovados não somente pela autoridade competente, mas também pela maioria dos fiéis.

Se a Liturgia não levasse os fiéis a manifestarem com a vida o mistério salvífico de Cristo, Deus e Homem, e a genuína natureza da verdadeira Igreja, onde aquilo que é “humano se ordene ao divino e a ele se subordine, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente à cidade futura que buscamos”(Sacrosanctum Concilium, 2), não se poderia falar de atuação do “verdadeiro e autêntico espírito da Liturgia”.

Devemos firmemente compreender que se é nossa importante tarefa investigar as formas em que é possível e obrigatório inculturar a liturgia, mais importante ainda e igualmente obrigatório é que a obra redentora de Cristo que está presente na sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas, seja percebida, atuada e vivida em cada povo e língua, para a glória de Deus e a santificação dos homens (cf. Sacrosanctum Concilium, 7).

É vosso dever guiar o povo que vos foi confiado que, como todos os povos do Continente Latino-Americano, tem necessidade de sinais expressivos de canto, de sentimento e devoção externa, para conjugar o verdadeiro espírito litúrgico com a sua verdadeira religiosidade, com a sua alma mais profunda. Não se devem opor as duas realidades, mas convém assumi-las e fazer que se realizem uma a serviço da outra.

7. O Concílio Vaticano II, usando a expressão “servata substantiali unitate Ritus romani”(Sacrosanctum Concilium, 38) , queria sublinhar que a inculturação, que está em causa, reentra, quanto à parte normativa, naquilo que se refere só ao Rito romano, e que dele deveria continuar a fazer parte cada nova forma adaptada e inculturada segundo o direito e com a aprovação da Sé Apostólica. Em conformidade com o Concílio, na Carta Apostólica “Vicesimus Quintus Annus” (n. 16) retomei aquele texto agregando a referência aos livros litúrgicos. Em seguida, a Instrução sobre “A Liturgia romana e a inculturação” retomou o tema e oportunamente indicou como a atenção à substancial unidade do Rito romano entra, com pleno direito, entre os “Principia generalia” que devem guiar cada investigação e cada ação de inculturar o Rito romano, junto com a finalidade mesma da inculturação e da relação com a autoridade competente (cf. Instrução Varietates legitiamae, nn. 34-36 e 70).

Como no âmbito de uma Igreja local, além das diferenças existentes no povo de Deus, entre membros da Hierarquia e leigos, entre grupos e culturas, é sempre a Liturgia que deve manifestar e unir uma Igreja local (cf. Sacrosanctum Concilium, 41), assim, e com maior razão, as Igrejas nascidas da transmissão apostólica da tradição romana, não obstante a variedade de línguas e de culturas, é na Liturgia que devem sentir-se e encontrar-se unidas. A necessidade e a exigência de unidade, que é uma das notas da Igreja, deve continuar a ser ainda mais presente hoje, no âmbito do Rito romano, para sustentar a interna vida da Igreja e sua relação com o mundo a evangelizar.

Na obra da inculturação de certas formas consideradas necessárias e úteis, não se trata de inspirar-se em formas que já existiram ou existentes em outros Ritos, que a Igreja toda respeita e venera, como parte do próprio patrimônio. É na experiência religiosa e como parte da cultura de um povo que devem ser buscadas as formas expressivas a harmonizar com o Rito romano e no âmbito do seu gênio peculiar. O resultado desta fusão deveria ser não uma simples e externa justaposição de elementos, mas uma síntese nova, sempre reconhecível como parte do Rito que foi levado com a evangelização.

O Rito romano depois da reforma desejada pelo Concílio, tem nas suas expressões litúrgicas uma vitalidade capaz de levar em consideração a sensibilidade e a expressividade das várias culturas, mesmo aquelas mais distantes da área em que originariamente nasceu e se desenvolveu. Se não se pode aceitar tudo de cada cultura é porque nas expressões culturais se associa, freqüentemente, uma forma de sincretismo incompatível com a mensagem cristã e com o verdadeiro e autêntico espírito da Liturgia. Isto quer dizer que, respeitada a finalidade e a estrutura interna de cada celebração litúrgica, útil para canalizar as formas e as expressões no âmbito dos divinos mistérios, deve-se descartar ou não assumir aquelas formas e aqueles modos rituais que não correspondam à natureza do mistério que se celebra, mormente quando relacionados à Encarnação, Paixão e Morte de Jesus Cristo, para não citar outros Mistérios da Redenção. Se de um lado não seria respeitoso para uma determinada cultura manter nos ritos litúrgicos expressões que sejam abertamente contrastantes com as tradições culturais dos fiéis, poderia igualmente acontecer não ser respeitoso para a substancial unidade do Rito romano imprimir na sua inculturação uma dinâmica diversa capaz, inclusive, de ferir a sensibilidade religiosa do povo cristão.

Os votos que vos faço, Bispos do Brasil, é que encontreis em vossos fiéis a colaboração construtiva para serdes sustentados no cumprimento da responsabilidade que vos foi confiada.

Abrir gradativamente as portas a uma inculturação do Rito romano no Brasil é servir à plenitude, à vitalidade, à comunitariedade da participação dos fiéis às celebrações litúrgicas (cf. Sacrosanctum Concilium, 23) de maneira que sempre mais sejam edificados como templo santo do Senhor, morada do Espírito Santo até a maturidade em Cristo. A Sé Apostólica cônscia de dever assistir-vos e confirmar-vos na vossa ação pastoral está disposta a colaborar com espírito confiante, partilhando convosco a responsabilidade.

8. Prezados Irmãos no Episcopado, estamos, aos poucos, chegando ao fim do Segundo Milênio da Era Cristã. O clima de preparativos para o grande Jubileu da Encarnação redentora de nosso Senhor faz-se sempre mais intenso. Neste sentido, conta acima de tudo, nos diversificados momentos da vida pastoral, fortificar e suscitar um novo ardor de santidade (cf. Redemptoris Missio, 90)  nos sacerdotes, nos religiosos, nas religiosas e nos leigos. Como Pastores segundo o coração de Deus (cf. Jer 3, 15), conduzi os fiéis católicos até as fontes da vida: “E a vida eterna consiste nisto: que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo (Jo 17, 3), a Quem enviaste”.

Ao invocar a intercessão de Nossa Senhora da Conceição Aparecida para que guie e ilumine, com a sua proteção materna, todas as pessoas que estão sob o vosso cuidado pastoral, vos concedo do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica.

 

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