DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO NOVO EMBAIXADOR DO ZIMBÁBUE
POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO
DAS CARTAS CREDENCIAIS*
15 de Maio de 2003
Senhor Embaixador
Dou-lhe as minhas calorosas boas-vindas ao Vaticano e aceito as Cartas credenciais através das quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Zimbábue junto da Santa Sé. É com prazer que recebo as saudações e os bons votos que Vossa Excelência me transmitiu da parte do Senhor Presidente, do governo e do povo da sua Nação, e peço-lhe que tenha a cordialidade de lhes comunicar os meus mais sinceros votos de bem. Embora tenham passado muitos anos desde a minha visita ao seu País, ainda conservo boas memórias do dias felizes que passei no meio dos seus queridos compatriotas zimbabuanos, experimentando a sua afabilidade e hospitalidade, compartilhando a sua alegria e as suas aspirações. Por ocasião daquela visita, falei da África como de "um continente de esperança e de promessas para o futuro da humanidade" (Discurso na cerimónia de chegada a Harare, 10 de Setembro de 1988, n. 1): o meu desejo ardente é de que, neste novo milénio, aquelas promessas e aquela esperança se tornem uma realidade para a população zimbabuana e para todos os povos do Continente africano.
É com muita estima que reconheço a homenagem que Vossa Excelência quis fazer ao Arcebispo D. Patrick Chakaipa, que faleceu há um mês, e estou profundamente grato também pelo seu reconhecimento da significativa contribuição oferecida pelas instituições da Igreja católica à sociedade do Zimbábue em geral, de maneira particular nos campos da educação, da assistência à saúde e dos serviços sociais. Efectivamente, a Igreja considera o seu apostolado nestes sectores como um elemento essencial da sua missão religiosa, e ela deseja cumprir esta missão em harmonia com as outras pessoas que trabalham nestes mesmas áreas. A cooperação entre a Igreja e o Estado é de grande importância no desenvolvimento da formação intelectual e moral dos cidadãos em geral que, desta maneira, serão melhor preparados para construir uma sociedade verdadeiramente justa e estável. Esta é a parte da contribuição que a Igreja procura oferecer ao desenvolvimento humano dos indivíduos e dos povos, de maneira especial daqueles que vivem em maior necessidade.
É o mesmo compromisso que motiva a Santa Sé na sua actividade diplomática. Trabalhando juntamente com os outros membros da comunidade internacional, a Santa Sé procura promover a paz e a harmonia entre os povos, visando sempre o bem comum e o desenvolvimento integral dos indivíduos e das nações. A tarefa da diplomacia, hoje em dia, está a ser cada vez mais determinada pelas exigências da globalização e pelos novos desafios à paz mundial, que isto apresenta. As questões-chave não dizem mais respeito à soberania territorial fronteiras e jurisdição sobre certas áreas embora em determinadas regiões do mundo isto ainda represente um problema. De maneira geral, as ameaças contra a estabilidade e a paz no mundo contemporâneo são a pobreza extrema, as desigualdades sociais, a corrupção política, o abuso da autoridade, as tensões étnicas, a ausência da democracia e o desrespeito dos direitos do homem. Estas são algumas das situações que a diplomacia é chamada a resolver.
Não existe país no mundo que não esteja a enfrentar um ou mais destes problemas. Por este motivo, os valores da democracia, do bom governo, dos direitos do homem, do diálogo e da paz devem estar próximos do coração dos líderes e dos povos em geral. Quanto mais estes valores formarem uma parte fundamental do "etos" de uma nação, tanto maior é a capacidade que esta nação terá para construir um futuro digno dos seus cidadãos. Além disso, a globalização destes valores representa a globalização da solidariedade, que visa assegurar que os benefícios económicos e sociais sejam aproveitados por todos, a nível planetário. Este é um caminho seguro rumo à paz no mundo contemporâneo. Por outro lado, quando estes valores são negligenciados ou, pior ainda, activamente violados, nenhum programa de reforma económica ou social alcançará um bom êxito duradouro. Pelo contrário, a violência social e política poderá crescer, o fosso entre os ricos e os pobres aumentará e a própria liderança governamental será incapaz de criar um ambiente que promova a verdade, a justiça, o amor e a liberdade.
Por conseguinte, é necessária uma maior vigilância na salvaguarda dos direitos e na protecção do bem comum de todos os cidadãos. As autoridades públicas devem evitar o exercício da parcialidade, do tratamento preferencial ou selectivo da justiça em favor de determinados indivíduos ou grupos; em última análise, é isto que debilita a credibilidade das pessoas responsáveis pelo governo. Na sua famosa Carta Encíclica Pacem in terris, o Beato Papa João XXIII, citando o Papa Leão XIII, resumiu esta situação com os seguintes termos:"De modo algum se deve usar para vantagem de um ou de poucos a autoridade civil constituída para o bem comum de todos" (par. 56). Com efeito, quando todos são tratados da mesma maneira um elemento sine qua non para uma sociedade solidamente fundamentada na prática da lei o valor, os dons e os talentos de cada um dos membros são mais reconhecidos com maior facilidade e podem ser mais eficazmente utilizados para a construção da comunidade. Como a sabedoria tradicional, transmitida por um provérbio africano, afirma: Gunwe rimwe haritswanyi inda ("Muitas mãos aliviam o trabalho").
Com referência ao programa de reforma agrária, realizado pelo programa do seu País, Vossa Excelência recordou que se trata de um instrumento para aperfeiçoar o nível de vida do seu povo, alcançando a equidade e o estabelecimento da justiça social. Em numerosos países, esta reforma agrária é necessária, como observou o documento "Rumo a uma melhor distribuição da terra", publicado em 1997 pelo Pontifício Conselho "Iustitia et Pax", mas é também um processo complexo e delicado. Com efeito, como este mesmo documento realça, é um erro pensar que qualquer benefício ou êxito concreto pode ser alcançado simplesmente através da expropriação dos grandes proprietários de terras, dividindo-as em unidades de produção menores e distribuindo-as aos outros (cf. n. 45). Em primeiro lugar, existem episódios de violência a serem considerados, com o devido respeito às diversas reivindicações de propriedades de terra, ao direito ao uso da terra e ao bem comum em geral. Além disso, se a nova distribuição das terras quiser oferecer uma resposta concreta e sustentável aos sérios problemas económicos e sociais num determinado país, o processo deve continuar a desenvolver-se ao longo do tempo, assegurando a existência das necessárias infra-estruturas. Por fim, mas não menos importante, "é indispensável para o bom êxito de uma reforma agrária, que ela esteja em plena sintonia com as políticas nacionais e dos organismos internancionais" (Ibidem).
Sentimentos de privação dos direitos civis ou tratamentos injustos somente servem para fomentar a tensão e a discórdia. A justiça deve ser oferecida a todos, se quisermos que os prejuízos do passado sejam esquecidos para construir um futuro mais luminoso. Se o bem comum autêntico prevalecer, as causas fundamentais da luta civil hão-de desparecer. A Igreja católica garante o seu pleno apoio a todos os esforços em ordem a construir uma cultura de diálogo e não do embate, de reconciliação e não do conflito. Com efeito, esta constitui uma parte integral da sua missão de fazer progredir o bem autêntico de todos os povos e de toda a pessoa.
Senhor Embaixador, no momento em que Vossa Excelência entra na família dos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, asseguro-lhe a pronta assistência dos vários Departamentos e Agências da Cúria Romana. Estou convicto de que a sua missão fortalecerá os vínculos de compreensão e de amizade entre nós. Sobre Vossa Excelência e o querido povo zimbabuano, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente.
*L'Osservatore Romano n. 21 p. 3.
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