PAPA PAULO VI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 29 de Junho de 1970
A necessidade de Deus para os homens do nosso tempo
O nosso discurso, nestas Audiências gerais, repetimo-lo, é apenas um aceno a temas que mereceriam um maior aprofundamento. Mas, em circunstâncias como esta, parece-Nos que vale mais a importância dos temas do que a sua exposição. E um acto de confiança, que, deste modo, apresentamos aos Nossos visitantes, à vossa inteligência, e ao vosso desejo de estudo e de reflexão. Falamos de Deus. Todos os temas sobre Deus — pensai: sobre Deus! — exigem esta qualificação preventiva, sendo Nós o primeiro a reconhecer o carácter absolutamente elementar e incompleto das Nossas palavras.
Trataremos agora das tentações maiores e mais difundidas em relação ao nome de Deus. A semana passada, escolhendo entre estas tentações, considerámos a primeira, ou seja, é impossível conhecer Deus. Agora falamos de outra, aparentemente mais banal, mas não menos profunda e importante, que diz: é inútil ocupar-se de Deus.
É a tentação, que se torna fàcilmente activa; transforma-se em negação e é aplicada imediatamente: renuncia à busca de Deus, abandona a prática religiosa e a aquisição de uma certa tranquilidade de consciência, não só no que se refere à questão especulativa sobre o verdadeiro fundamento da nossa relação com Deus, mas também em relação às consequências morais que dela derivam. E inútil diz-se — propor-se um problema religioso: ou não admite solução, ou não é útil, de qualquer maneira, encontrá-la. Vive-se igualmente; não há necessidade de se propor um problema tão difícil e pràticamente supérfluo. Para muitas pessoas é um axioma de libertação que tem o sabor de uma descoberta: um caminho livre: já não há necessidade de Deus.
A mentalidade moderna, totalmente impregnada de racionalismo científico, satisfeita com os resultados no campo dos conhecimentos, que lhe dão o contentamento não só de compreender o que estuda, mas também de pôr a sua sabedoria em acção e tirar vantagens deles, ao usufruir das conquistas derivadas do seu estudo e trabalho, não requer mais nada. Ainda mais: proclamando a inutilidade de Deus, afirma que se vive melhor; economiza-se tempo, concentra-se a atenção e a actividade em coisas das quais se pode medir a realidade, resolvem-se problemas que parecem ser os únicos verdadeiros e interessantes: económicos, sociais, políticos, e assim por diante. Rompem-se muitos vínculos que se tornaram supérfluos, convencionais, supersticiosos e enfadonhos, para o homem adulto e desenvolvido. Seria conveniente citar algumas expressões antigas dos salmos: Non est Deus, « não há Deus » (cfr. Sl 13, 1; 52, 1).
Com esta afirmação, especulativa ou empírica, sobre a inutilidade de Deus, e, portanto, da religião, da fé, da oração e, finalmente, do confronto da própria consciência com uma eventual e inexorável exigência de lei divina, poder-se-ia traçar, de inúmeros modos diferentes, a fisionomia típica de muitíssimas pessoas do nosso tempo, que encontramos no mundo em que vivemos, e também em muitas páginas da literatura moderna. O indiferentismo, o agnosticismo, o pessimismo, o irracionalismo, o anticlericalismo, o ateísmo, etc., com os quais é formada a psicologia de muitos dos nossos contemporâneos, alimentam-se, geralmente, da mesma fonte da pressuposta vaidade de um concludente e profícuo problema teológico.
Como vedes, a nossa posição não é, absolutamente, esta. Nós, baptizados, crentes, principalmente nós, ministros dos mistérios de Deus, não só não aceitamos a opinião, nem tão pouco a hipótese da inutilidade do nome de Deus, no contexto da vida humana, mas afirmamos o contrário: Deus é necessário! E o Ser necessário, o único necessário em Si, e necessário para nós. Devemos consolidar a nossa convicção com este princípio capital. O que para nós tem mais valor, e mais nos interessa, é exactamente este realíssimo e beatíssimo nome de Deus.
É assim que tem início a lei constitucional do universo : « Eu sou o Senhor, teu Deus » (Ex 20, 2 ; 20, 7); e a nossa soberana oração diz: « ... santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino... » (Mt 6, 9-10). O ensinamento dominante do Evangelho, ao qual dedicamos a nossa existência, admoesta-nos sempre assim: « Procurai primeiro o Seu reino... » (Mt 6, 33).
Talvez haja quem objecte: dever, não utilidade. Mas se analisarmos a necessidade intrínseca deste dever moral, livre, sim, mas que provém da exigência constitucional do nosso ser, vê-se que a primeira e máxima utilidade, para nós, coincide com o nosso primeiro e máximo dever; e se, por este dever, devêssemos até abdicar das nossas vantagens e da nossa própria vida, o nosso cálculo não seria errado; di-lo Jesus, o Mestre, depois mártir das suas palavras: « Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem neste mundo aborrece a sua vida, conservá-la-á para a vida eterna » (Jo 12, 25).
Se Deus é para nós a verdadeira razão por que nos é dada a vida, dedicar-Lhe o pensamento, o coração e a acção, significa não só corresponder ao nosso fim essencial, mas também realizarmo-nos. Santo Inácio, com a primeira meditação dos seus exercícios espirituais, recorda-nos: homo creatus est...; e a criança da nossa escola de catecismo, escola de suma sabedoria, à pergunta: « porque te criou Deus ? », respondia: « Criou-me para O conhecer, para O servir nesta vida; e para, depois, O gozar eternamente na outra ».
Mas a tentação insistirá: cui bono?, para que serve Deus na nossa vida ? Todos os nossos juízos são feitos segundo o lucro imediato e pessoal. Somos antropocêntricos, isto é, interessa-nos mais o nosso eu do que a honra e o serviço de Deus; somos utilitaristas, somos egoístas. Mais que ao ser e ao dever ser, nós consideramos o valor, isto é, a relação de utilidade; e, na balança dos valores das coisas preciosas, as nossas, os nossos interesses e os nossos prazeres têm tendência a prevalecer sobre o Sumo Bem, para nós tão misterioso e tão irreductível à nossa experiência habitual, o Qual se chama Deus.
Estas palavras de Cristo, graves e dramáticas, como uma sentença obrigam-nos a verificar o equilíbrio da nossa balança: « Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se, depois, perde a sua alma? » (Mt 16, 26). E como pode o homem salvar a sua alma ? Aqui a tentação da inutilidade de Deus revela o seu erro: como poderemos resolver a grande, a suprema questão da nossa salvação, se esquecermos o que a fé em Deus, em Jesus Cristo e no Espírito Santo, nos ensina a este respeito ? Esta vantagem indispensável, esta única e verdadeira utilidade só pode vir de Deus; d'Aquele que disse: « Eu sou a tua salvação » (Sl 34, 3).
E quantas vantagens teremos se o nome de Deus iluminar a nossa vida! Se as quiséssemos apenas enumerar, formariam uma lista demasiadamente ampla e longa: as vantagens no campo do pensamento: Deus é a luz ; no campo do agir : Deus é o verdadeiro Bem, Deus é o Amor. Como se mantém, então, uma ética sem Deus, um cristianismo totalmente vivido em linha horizontal, segundo a expressão moderna, isto é, sem Deus, até mesmo sem Cristo-Deus, e ao mesmo tempo orientado para os outros, para os homens? Como poderá sobreviver sem a acção vertical do amor de Deus que deriva e volta para Deus? Porventura, não se esgota e não se perverte, não podendo ter este íntimo e inefável nome de Deus, para dar autênticamente aos outros o nome de irmãos, isto é, filhos do mesmo Deus-Pai?
Não incluamos o nome de Deus entre os conceitos vãos e superados, inúteis ao homem livre e senhor de si, mas, à medida em que nos libertamos dos vãos pensamentos e dos mitos superados, sintamos mais a virtude, a plenitude e a bondade daquele Nome bendito, e celebremos a Sua inefável Realidade na fé e no amor.
Que a Nossa Bênção Apostólica vos conforte.
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