DISCURSO DO PAPA PAULO VI
AOS CASAIS DO MOVIMENTO
«EQUIPAS DE NOSSA SENHORA»
Segunda-feira, 4 de Maio de 1970
Dilectos Filhos e Filhas
Primeiro que tudo, agradecemo-vos do fundo do coração as vossas palavras de fé, a vossa vigília de oração pelas nossas intenções e também a vossa dedicação ao serviço das vocações. E queremos manifestar-vos a grande alegria que sentimos em vos receber esta manhã e de nos dirigirmos, não só a vós, mas ainda aos 20.000 casais das Equipas de Nossa Senhora, de cuja radiação através do mundo e preocupação de viver com Cristo e tecer com Ele a trama diária do vosso amor conjugal acabastes de nos falar. Entre casais cristãos, vós constituís pequenas equipas de mútua ajuda espiritual, corroboradas, nos seus esforços, por uma presença sacerdotal. Como não haveríamos de Nos alegrar com isto ? Dilectos filhos e filhas, de todo o coração o Papa vos encoraja e pede a bênção de Deus sobre os vossos empreendimentos. Muitas vezes a Igreja pareceu, sem razão, suspeitar do amor humano. Também vos queremos dizer hoje claramente: não, Deus não é inimigo das grandes realidades humanas e a Igreja não desconhece os valores quotidianamente adquiridos por milhões de lares. Pelo contrário, a boa-nova trazida por Cristo Salvador é uma boa-nova para o amor humano, também ele excelente nas suas origens — « Deus, vendo toda a Sua obra, considerou-a muito boa » (Gên 1,31) —, também ele corrompido pelo pecado, também ele remido ao ponto de se tornar, pela graça, meio de santidade.
O matrimónio» no Senhor, vocação de santidade
Como todos os baptizados, vós fostes, realmente, chamados à santidade, segundo o ensinamento da Igreja, solenemente reafirmado pelo Concílio (cfr. Lumen Gentium, n. 11). Mas deveis dirigir-vos a ela com o vosso modo próprio, na vossa e pela vossa vida de família (Ibid. n. 41). E a Igreja que no-lo ensina: « Os esposos, tornados capazes pela graça de levar uma vida santa» (Gaudium et Spes, n. 49 § 2) e de fazer o seu lar « como santuário familiar da Igreja» (Apostolicam Actuositatem, n. 11). Estes ensinamentos, cujo esquecimento é tão trágico para o nosso tempo, são-vos certamente familiares. Gostaríamos de meditar neles juntamente convosco, por alguns instantes, para reforçar ainda em vós, se for necessário, a vontade de viver generosamente a vossa vocação humana e cristã no matrimónio (cfr. Gaudium et Spes, nn. 1, 47-52), e de colaborar com o grande desígnio de amor de Deus no mundo, de se formar um povo « para o louvor da sua glória » (Ef 1, 14).
Ele os criou homem e mulher
Como a Sagrada Escritura nos ensina, o matrimónio, antes de ser um sacramento, é uma grande realidade terrestre: « Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher » (Gên 1, 27). É preciso recordar todos os dias esta primeira página da Bíblia, se quisermos compreender o que é, o que deve ser um casal humano, um lar. As análises psicológicas, as pesquisas psicanalíticas, os inquéritos sociológicos e as reflexões filosóficas poderão, sem dúvida, contribuir para dar esclarecimentos sobre a sexualidade e sobre o amor humano, mas cegar-nos-iam se transcurassem este ensinamento fundamental que nos foi dado desde a origem: a dualidade dos sexos foi querida por Deus, para que o homem e a mulher, juntos, fossem imagem de Deus, e, como Ele, nascente de vida: « crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra » (Gên 1, 28). Uma leitura atenta dos Profetas, dos Livros Sapienciais e do Novo Testamento, mostra-nos, de resto, o significado desta realidade fundamental e ensina-nos a não a limitar ao desejo físico e à actividade genital, mas a descobrir nela o carácter complementar dos valores do homem e da mulher, a grandeza e as fraquezas do amor conjugal, a sua fecundidade e a sua abertura ao mistério do desígnio do amor de Deus.
Educação num clima erótico
Este ensinamento conserva ainda hoje todo o seu valor e imuniza-nos contra as tentações de um erotismo destruidor. Este fenómeno aberrante deveria, pelo menos, pôr-nos em guarda contra o perigo de uma civilização materialista, que pressente, obscuramente, neste domínio misterioso, como que o último refúgio de um valor sagrado. Saberemos nós arrancá-lo ao abuso da sensualidade? Saibamos pelo menos, perante uma expansão cinicamente levada a efeito por algumas indústrias ávidas, aniquilar os seus efeitos nefastos nos jovens. Sem obstáculos nem compressões, trata-se de favorecer uma educação que ajude a criança e o adolescente a tomarem consciência, progressivamente, da força dos impulsos que despertam neles, de os integrar na construção da sua personalidade, de dominar as suas forças ascendentes, para realizarem uma completa maturidade afectiva e também sexual, de se prepararem, assim, para o dom de si, num amor que lhes dará a sua verdadeira dimensão, de maneira exclusiva e definitiva.
Unidade e indissolubilidade do matrimónio
A união do homem e da mulher difere, na verdade, radicalmente, de todas as outras associações humanas e constitui uma realidade singular, ou seja, a união fundada na doação mútua dos cônjuges: « e os dois serão uma só carne » (Gên 2, 24). Unidade, cuja indissolubilidade irrevogável é o selo colocado sobre a união livre e mútua de duas pessoas dotadas de liberdade que, « portanto, já não são dois, mas uma só carne » (Mt 19, 6): uma só carne, um casal, poder-se-ia quase dizer, um único ser, cuja unidade assumirá uma forma social e jurídica por meio do matrimónio e se manifestará por uma comunhão de vida, cuja expressão fecunda é o dom carnal. Quer dizer que, com o matrimónio, os esposos exprimem uma vontade de se pertencerem um ao outro para toda a vida, e de contraírem, para este fim, um vínculo objectivo, cujas leis e exigências, muito longe de serem um servilismo, são uma garantia e uma protecção, um verdadeiro amparo, como vós próprios verificais nas vossas experiências quotidianas.
Amor conjugal
Na verdade, a doação não é uma fusão. Cada uma das personalidades permanece distinta e, longe de se dissolver com a doação mútua, afirma-se e aperfeiçoa-se, aumenta com o decorrer da vida conjugal, segundo esta grande lei do amor: dar-se um ao outro para se dar juntamente. O amor é, realmente, o cimento que dá solidez a esta comunidade de vida e o entusiasmo que a arrasta para uma plenitude cada vez mais perfeita. Todo o ser participa dela, nas profundezas do seu mistério pessoal e dos seus componentes afectivos, sensíveis, carnais e também espirituais, até constituir, cada vez melhor, esta imagem de Deus, que o casal tem a missão de encarnar na sucessão dos dias, tecendo-a com as suas alegrias e com as suas preocupações, dado que o amor é, realmente, mais do que o amor. Não há nenhum amor conjugal que não seja, na sua exultação, entusiasmo para o infinito, e que não deseje ser, no seu entusiasmo, total, fiel, exclusivo e fecundo (cfr. Humanae Vitae, n. 9). É nesta perspectiva que o desejo encontra o seu pleno significado. Meio de expressão e, também, de conhecimento e de comunhão, o acto conjugal mantém e fortifica o amor e a sua fecundidade, leva o casal ao seu pleno desenvolvimento: torna-se, à imagem de Deus, fonte de vida.
O cristão tem consciência disto: o amor humano é bom na sua origem e, embora esteja, como tudo o que existe no homem, ferido e deformado pelo pecado, encontra em Cristo a sua salvação e a sua redenção. Aliás, não é esta a lição de vinte séculos de história cristã ? Quantos casais encontraram, na sua vida conjugal, o caminho da santidade, nesta comunidade de vida, que é a única fundada num sacramento!
Criação nova
Obra do Espírito Santo (cfr. Tit 3, 5), a regeneração baptismal faz de nós criaturas novas (cfr. Gál 6, 15), para que « assim caminhemos nós, também, muna vida nova » (Rom 6, 4). Nesta grande empresa de renovação de todas as coisas em Cristo, o matrimónio, também ele purificado e renovado, torna-se uma realidade nova, um sacramento da Nova Aliança. E, eis que no limiar do Novo Testamento, como na entrada do Antigo, se forma um casal. Mas, ao passo que aquele, formado por Adão e Eva, foi a fonte do mal que se espalhou sobre o mundo, o de José e Maria é a plenitude de onde a santidade se expande sobre toda a terra. O Salvador começou a Sua obra salvífica com esta união virginal e santa, onde se manifesta a sua vontade todo-poderosa de purificar e santificar a família, este santuário do amor e este berço da vida.
União «no Senhor»
Desde então tudo se transformou. Dois cristãos querem casar-se; São Paulo adverte-os: «...não vos pertenceis a vós mesmos » (1 Cor 6, 19). Membros de Cristo, um e outro « no Senhor », a sua união realiza-se também « no Senhor », como a da Igreja. E é por esta razão que ela é « um grande mistério » (Ef 5, 32), um sinal que não só representa o mistério da união de Cristo com a Igreja, mas também o encerra e irradia por meio da graça do Espírito Santo, que é a sua alma vivificadora. Porque é exactamente o amor, próprio de Deus, que ele nos comunica, para que nós o amemos e para que também o amemos com este amor divino: « assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros » (Jo 13, 34). Até as manifestações da sua ternura são, para os esposos cristãos, penetradas deste amor que eles vão haurir no coração de Deus. E, se a nascente humana corresse o perigo de secar, a sua nascente divina é tão inesgotável como as profundezas insondáveis da ternura de Deus. Por outras palavras, a caridade conjugal, forte e rica, tende para essa comunhão íntima. Realidade interior e espiritual, ela transforma a comunidade de vida dos esposos naquilo « que bem pode chamar-se Igreja doméstica» (Lumen Gentium, n. 11), uma verdadeira «célula da Igreja», como disse o Nosso saudoso predecessor João XXIII, à vossa peregrinação de 3 de Maio de 1959 (Discorsi, messaggi, colloqui dei Santo Padre Giovanni XXIII, I, Tip. Pol. Vat., p. 298), célula de base, célula germinal, sem dúvida a mais pequena, mas também a mais fundamental do organismo eclesial.
Plenitude do amor cristão
Este é o mistério em que está radicado o amor conjugal e que ilumina todas as suas manifestações. Mistério da Encarnação, que exalta as nossas virtudes humanas, penetrando-as internamente. Longe de as menosprezar, o amor cristão condu-las, verdadeiramente, à sua plenitude, com paciência, generosidade, força e doçura, como São Francisco de Sales gostava de sublinhar, quando fazia o elogio da vida conjugal de São Luís (Introduction à la vie devote, IIIe Partie, cap. 38, Avis pour les gens mariés, em: Oeuvres, Bibliothèque de la Pléiade, Paris, Nrf, Gallimard, 1969, p. 237). Porque, se a fascinação da carne é perigosa, a tentação do angelismo não o é menos, e uma realidade desprezada não demora muito a reivindicar o seu lugar. Também, conscientes de guardar os seus tesouros em vasos de argila (cfr. 2 Cor 4, 7), os esposos cristãos procurem esforçar-se, com humilde fervor, por traduzir, na sua vida conjugal, as recomendações do Apóstolo São Paulo: «os vossos corpos são membros de Cristo..., o vosso corpo é templo do Espírito Santo...; glorificai pois a Deus no vosso corpo » (1 Cor 6, 15. 19. 20). « Casados no Senhor», os esposos não podem unir-se, daí por diante, senão no nome de Cristo, a quem eles pertencem e por quem eles devem trabalhar como seus membros activos. Eles não podem, portanto, dispor do seu corpo, especialmente porque ele é princípio de geração, senão no espírito e para a obra de Cristo, porque eles são membros de Cristo.
Fecundidade do lar
« Colaboradores livres e responsáveis do Criador » (Humanae Vitae, n. 1), os esposos cristãos vêem a sua fecundidade carnal adquirir assim uma nobreza nova. O impulso, que os leva a unirem-se, é portador de vida e permite que dêem filhos a Deus. Tornando-se pai e mãe, os esposos descobrem com admiração, na fonte baptismal, que o seu filho, a partir daquele momento, é filho de Deus nascido « da água e do Espírito » (Jo 3, 5) e que lhes é confiado para que eles velem pelo seu crescimento físico e moral e também pela eclosão e desenvolvimento nele do « homem novo » (Ef 4, 24). Este filho já não é só o que eles vêem, mas também o que eles crêem: « uma infinidade de mistério e de amor, que nos deslumbraria se o víssemos face a face » (Emmanuel Mounier à sa femme Paulette, a 20 de Março de 1940, em: Oeuvres, t. IV, Paris, Seuil, 1963, p. 662). Também a educação se torna um verdadeiro serviço de Cristo, segundo a sua própria palavra: «o que fizestes a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes » (Mt 25, 40). E, se algumas vezes acontece que o adolescente se fecha à acção educativa dos pais, estes participam então dolorosamente, na sua própria carne, da paixão de Cristo perante as recusas do homem.
Mistério da paternidade
Dilectos pais, Deus não vos confiou uma tarefa tão importante (cfr. Gravissimum Educationis) sem vos ter dado um dom prodigioso, o seu amor de Pai. Por meio dos pais que amam o próprio filho que vive em Cristo, é o amor do Pai que se difunde no seu Filho muito amado (cfr. zjo 4, 7-11). Por meio da sua autoridade, é a Sua autoridade que se exerce. Por meio da sua dedicação, manifesta-se a Sua providência de «...Pai, do qual toda a família, nos céus como na terra, toma o nome » (cfr. Ef 3, 14-15)» Também a criancinha baptizada, por meio do amor dos seus pais, descobre o amor paternal de Deus e, diz-nos o Concílio, faz « a primeira experiência da Igreja » (Grav. Educationis, n. 3). Certamente só crescendo terá consciência disso, mas desde já o amor divino, por meio da ternura do seu pai e da sua mãe, faz desabrochar e desenvolver nela o seu ser de filho de Deus. Quer dizer que é o esplendor da vossa vocação, que S. Tomás aproxima justamente do ministério sacerdotal: «Algumas pessoas propagam e mantêm a vida espiritual por um ministério unicamente espiritual: é o caso do sacramento da Ordem; outras, fazem-no com um ministério tanto corporal como espiritual: é o caso do sacramento do Matrimónio, que une o homem e a mulher para que tenham prole e a eduquem para o culto de Deus » (Contra Gentiles IV, 58, trad. Bernier-Kerouanton, Paris, Lethielleux, 1957. p. 313).
Dever de hospitalidade
Os casais que conhecem a dura experiência de não ter filhos, também eles são chamados a cooperar no aumento do Povo de Deus, de diversos modos. Esta manhã quereríamos chamar a vossa atenção para a hospitalidade, que é uma forma eminente da missão apostólica do casal. A recomendação de S. Paulo aos Romanos: exercei a hospitalidade com solicitude (cfr. Rom 12,13), não é, sobretudo, aos lares que ela se dirige e, ao formulá-la, não pensava, também ele, na hospitalidade do lar de Áquila e Priscila, de que ele tinha sido o primeiro beneficiado e que em seguida devia acolher a assembleia cristã? (cfr. Act 18, 2-3; Rom 16, 3-4; 1 Cor 16, 19). Nos nossos tempos, tão difíceis para muitos, que graça imensa é sermos acolhidos « nesta pequena Igreja », segundo a palavra de S. João Crisóstomo (Homilia 20 sobre o versículo 5, da Carta aos Efésios, 22-24, n. 6; em: PG 62, 135-140), entrar na sua ternura, descobrir a sua maternidade, experimentar a sua misericórdia, sobretudo porque um lar cristão é «o vulto risonho e doce da Igreja » (Expressão de um casal cristão das Equipas de Nossa Senhora, citada por H. Caffarel, em: l'Anneau d'Or, n. 111-112, Le mariage, ce grand sacrement, Paris, Feu nouveau, 1963, p. 282). É um apostolado insubstituível, que vos compete exercer generosamente, um apostolado do casal para o qual a formação dos noivos, o auxílio aos recém-casados e o socorro aos casais em crise constituem domínios privilegiados. Vós, amparando-vos um no outro, de quais tarefas não sois capazes na Igreja e na sociedade? Apelamos para vós com grande confiança e muita esperança: «a família cristã proclama, em alta voz, tanto as virtudes presentes do Reino de Deus como a esperança da vida eterna. Assim, o seu exemplo e o seu testemunho acusam o mundo de pecado e iluminam aqueles que procuram a verdade» (Lumen Gentium, n. 35).
Caminho no amor
Dilectos filhos e filhas, vós estais bem convencidos de que só vivendo a graça do sacramento do Matrimónio caminhais com « um amor incansável e generoso » (Ibid n. 41) para esta santidade a que todos nós somos chamados pela graça (cfr., Mt 5, 48; 1 Tes 4, 3; Ef 1, 4), e não por uma exigência arbitrária, mas pelo amor de um Pai que quer o pleno desenvolvimento e a felicidade total dos seus filhos. De resto, para a alcançar, não fostes abandonados a vós mesmos, porque Cristo e o Espírito Santo, « estas duas mãos de Deus », segundo a expressão de Santo Irineu, trabalham por vós sem descanso (cfr. Adversus Haereses IV, 28, 4 em: PG 7, 1.200). Não vos deixeis, portanto, desviar pelas tentações, pelas dificuldades, pelas provações que aparecerem pelo caminho, sem o temor de ir, quando for preciso, contra a corrente do que se diz e pensa num mundo de atitudes paganizadas. São Paulo advertia-nos: «não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente » (Rom 12, 2). Nunca vos desencorajeis nos momentos de fraqueza: o nosso Deus é um Pai cheio de ternura e de bondade, cheio de solicitude e transbordante de amor pelos seus filhos, que, algumas vezes, encontram dificuldades no seu caminho. E a Igreja é a mãe que vos quer ajudar a viver, toda a vida, este ideal do matrimónio cristão, do qual ela vos lembra, com bondade, todas as exigências.
Pensar, querer e agir justamente
Dilectos filhos, capelães das Equipas de Nossa Senhora: vós sabeis, por uma longa e rica experiência, que o vosso celibato consagrado vos torna particularmente disponíveis, para serdes, junto dos lares, no seu caminho para a santidade, as testemunhas activas do amor do Senhor na Igreja. Com o decorrer dos dias, vós ajudai-los a «caminhar na luz » (cfr. 1 Jo 1, 7): a pensar justamente, quer dizer, a apreciar o seu comportamento na verdade; a querer justamente, quer dizer, a orientar, como homens responsáveis, a própria vontade para o bem; a agir justamente, quer dizer, a colocar progressivamente a sua vida, por meio dos acasos da existência, em uníssono com este ideal do matrimónio cristão que eles seguem generosamente. Quem o pode ignorar ? E pouco a pouco que o ser humano chega a hierarquizar e integrar as suas tendências múltiplas, até as ordenar harmoniosamente nesta virtude de pureza conjugal, onde o casal encontra o seu pleno desenvolvimento humano e cristão. Esta obra de libertação, porque existe uma, é o fruto da verdadeira liberdade dos filhos de Deus, cuja consciência pede, por sua vez, que seja respeitada, educada e formada, num clima de confiança e não de angústia, onde as leis morais, longe de terem a frieza desumana de uma objectividade abstracta, existem para guiar o casal no seu caminho. Quando, de facto, os esposos se esforçam, paciente e humildemente, sem se deixarem desencorajar pelos contratempos, por viver verdadeiramente as exigências profundas de um amor santificado, que as regras morais lhes fazem recordar, então estas leis deixarão de ser rejeitadas como obstáculos, mas serão reconhecidas como um valioso auxílio.
A boa-nova aos lares
O caminho dos esposos, como toda a vida humana, tem muitas etapas, comportando fases difíceis e dolorosas — tendes prova disso com o passar dos anos. Mas é preciso dizê-lo em voz alta: a angústia e o medo nunca deveriam anidar-se nas almas de boa- vontade, porque afinal, não é o Evangelho uma boa-nova também para os casais, e uma mensagem que, sendo exigente, não é menos profundamente libertadora? Ter consciência de que ainda não se conquistou a própria liberdade interior, que se está ainda submetido ao impulso das próprias tendências, descobrir-se como incapaz de respeitar, dum momento para o outro, a lei moral, num domínio tão fundamental, suscita, naturalmente, uma reacção de angústia. É, porém, o momento decisivo, em que o cristão, na sua desordem, em vez de se abandonar à revolta estéril e destruidora, acede na humildade à descoberta perturbadora do homem perante Deus, um pecador diante do amor de Cristo Salvador.
Mistério pascal
A partir desta tomada de consciência radical, todo o progresso da vida moral se torna atraente, os casais encontram-se também «evangelizados» no seu íntimo, os esposos descobrem «com temor e tremor » (Fil 2, 12), mas também com uma alegria admirada, que no seu matrimónio, como na união de Cristo com a Igreja, é o mistério pascal da morte e da ressurreição que se realiza. No seio da grande Igreja, esta pequena Igreja conhece-se então por aquilo que na realidade é: uma comunidade fraca e às vezes pecadora e penitente, mas perdoada, a caminho para a santidade,« na paz de Deus, que sobrepuja todo o entendimento » (Fil 4, 7). Longe de estar, portanto, ao abrigo de qualquer fraqueza — « quem pensa estar de pé, veja que não caia » (1 Cor 10, 12) e de estar dispensado de um esforço perseverante, às vezes em condições cruéis que só o pensamento de tomar parte na paixão de Cristo pode levar a suportar (cfr. Col 1, 24), os esposos sabem, pelo menos, que as exigências da vida moral conjugal, que a Igreja lhes recorda, não são leis intoleráveis nem impraticáveis, mas um dom de Deus para os ajudar a aceder, por meio e além das suas fraquezas, às riquezas de um amor plenamente humano e cristão. Desde então, longe de ter o sentimento angustioso de se encontrarem como que fechados num beco sem saída e, segundo os casos, de se entregarem talvez à sensualidade, abandonando todas as práticas sacramentais, de se revoltarem contra a Igreja, considerando-a como inumana, ou de persistirem num esforço impossível, a custo de perderem a harmonia e o equilíbrio, isto é. a sobrevivência do lar, os esposos entregar-se-ão à esperança, na certeza de que todos os recursos da graça da Igreja estão à disposição para os ajudar a encaminharem-se para a perfeição do seu amor.
Apostolado do testemunho
São estas as perspectivas em que vivem os casais cristãos, em todo o mundo: a boa-nova da salvação em Cristo, progredindo para a santidade no matrimónio e por meio dele, com a luz, a força e a alegria do Salvador. Tais são também, da mesma maneira, as maiores orientações do apostolado das Equipas de Nossa Senhora, a começar pelo testemunho da sua própria vida, cuja força de persuasão é tão grande. Inquieto e febril, o nosso mundo oscila entre o medo e a esperança, e numerosos jovens entram vacilantes no caminho que se abre diante deles. Que isto constitua para vós um estímulo e um apelo. Com a força de Cristo, vós podeis e, portanto, deveis realizar grandes coisas. Meditai a sua palavra, recebei a sua graça na oração e nos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, confortai-vos uns aos outros, testemunhando com simplicidade e discrição a vossa alegria. Um homem e uma mulher que se amam, um sorriso de criança, a paz de um lar: oração sem palavras, mas tão extraordinàriamente persuasiva, onde todos os homens podem já pressentir, por transparência, o reflexo de um outro amor e a sua chamada infinita.
A caminho de uma nova primavera da Igreja
Queridos filhos, a Igreja, de que vós sois as células vivas e activas, dá, por meio dos vossos lares, como que uma prova experimental do poder do amor salvador, e produz os seus frutos de santidade. Casais atribulados, casais felizes, casais fiéis, vós preparais para a Igreja e para o mundo uma nova primavera, cujos primeiros rebentos Nos fazem estremecer de alegria. Ao ver-vos e ao pensarmos nos milhões de casais cristãos espalhados por todo o mundo, invade-Nos uma esperança irreprimível e, em nome do Senhor, dizemo-vos com confiança: «Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos Céus» (Mt 5, 16). Em seu nome, invocamos sobre vós e os vossos queridos filhos, sobre todos os casais das Equipas de Nossa Senhora e os seus Capelães, especialmente sobre o estimado Padre Caffarel, a profusão das graças divinas, em penhor das quais vos damos, de todo o coração, uma ampla Bênção Apostólica.
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