DISCURSO DO PAPA PAULO VI
AOS TRABALHADORES POR OCASIÃO
DA SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ OPERÁRIO
Sábado, 1 Maio de 1971
Saudamos hoje os nossos visitantes, pensando que este dia é dedicado à celebração do trabalho, que, para nós, católicos, encontra a sua personificação típica em Cristo, o qual quis ser classificado, na vida humana, como « filho do carpinteiro » (Mt 13, 55) e ser Ele próprio operário, suportando a cansaço físico e manual, em obediência àquele que, no estado civil, fazia as vezes de Seu pai (putativo) e, no ofício, de Seu mestre, S. José.
Assim, Jesus nasceu e viveu numa esfera de actividade dura, humilde e pobre, numa espécie de sociedade primitiva, mas, por outro lado, intensamente impregnada de consciência religiosa, aquela consciência própria do Povo de Deus, fiel a uma tradição histórica e secular de aliança na fé e na lei, e fiel a uma eleição divina, revestido de uma dignidade e de uma missão real, e voltado sempre para um futuro destino messiânico, indefinível mas maravilhoso, que só o obscuro operário de Nazaré, Jesus, conhecia como era realmente e como estava para realizar-se n'Ele.
O cenário sociológico em que Jesus Cristo quis aparecer no teatro da história do mundo não podia ser mais simples e modesto, nem mais denso e misterioso pelo significado e pela realidade transcendente que encerra. Por isso, contemplar o quadro onde Jesus « de Nazaré, Rei dos Judeus », se apresenta ao mundo, como operário e como Messias, prestes a revelar e a realizar a Sua missão salvadora, constitui um tema cheio de interesse para nós, que advertimos a desejada inserção de Jesus, ao lado de José operário, e sujeito a ele, no mundo do trabalho humano, e, nesta aparição de Cristo no tempo e no consórcio social, podemos haurir uma fecundíssima meditação.
Esta meditação torna-se actual, exactamente pelo facto de que Ele, Jesus, o Messias, o Salvador da humanidade, quis ser operário, estar sujeito à humildade e à fadiga do trabalho manual, classificado como membro de uma honesta e humilde categoria social, personificando, assim, a humanidade na sua expressão mais simples e primitiva, mais natural e mais necessária, mais necessitada e mais merecedora de ascensão pluriforme, económica, social e espiritual, a que a vida do homem está destinada.
Somos, pois, convidados a honrar o trabalho, que vemos assumido na escola de S. José por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sim, honremos o trabalho, programa estabelecido por Deus criador para a vida do homem, a fim de dominar a terra (cfr. Gn 1, 28), a cultivar e a guardar (cfr. Gn 2, 15); título, portanto, da soberania do homem sobre a criação, e da sua vocação de completar o mundo criado, extraindo dele as riquezas, as energias, as virtualidades que estão escondidas nele, e as coordenar para benefício e progresso da própria vida, destinada, assim, a descobrir Deus na sua obra toda impregnada da sapiência d'Ele.
Honremos o trabalho, que explora, domina e fecunda a criação. Honremos o trabalho, transformado em fadiga, depois do pecado do primeiro homem, quase como um castigo expiatório, esforço e luta com uma terra que se tornou inimiga, que só ao preço do suor dará o pão ao seu dono mortal, mas lhe restituirá depois, com o suor, uma grandeza recuperada, um mérito novo da sua difícil e árdua actividade.
Honremos o trabalho que encerra em si a penitência e a reabilitação, a nobreza do sofrimento, a superação do egoísmo e o segredo do amor.
E honremos o trabalho que torna os homens irmãos, os educa na cooperação, os estimula à solidariedade, os fortifica na conquista não só das coisas, mas também da esperança, da liberdade e da felicidade, oferecendo-lhes, assim, a base da vida social moderna.
Honremos o trabalho nas suas incalculáveis, maravilhosas e contínuas conquistas, quando febrilmente animado pelo pensamento científico, ou seja, quando é capaz de reencontrar o recôndito pensamento divino nas coisas, quando impugna instrumentos prodigiosos, que o aliviam em grande parte da aspereza da fadiga física, infundindo-lhe uma eficiência incalculável, é capaz de converter o antigo cansaço em radiante vigor e, até, também em trepidante temor...
E devemos honrar também o trabalhador. Não vemos hoje, dia da sua festa, reflectida na recurvada figura e na sua paciência sofrida, a imagem de Cristo que trabalhou, que teve dificuldades, que conheceu a dor, que foi vítima da injustiça, que levou a Cruz e enfrentou a morte prematura? Não ouvimos hoje o apelo que lhe fez o Senhor, como a todos os que vivem atribulados e cansados, para o encontro com Ele, que é o único e verdadeiro consolador? Não saudamos hoje o seu despertar de um torpor secular e o seu advento na esfera da igualdade e da liberdade? E não vemos delinear-se no seu rosto viril e suado o tipo do autêntico homem, que infunde na inevitável e fatigante actividade a sua energia, a sua personalidade, e tira dela o preço da sua independência e o dom do bem-estar para a sua casa e a sua cidade? E mais, não vemos que na fecundidade do conúbio da sua obra com os inertes, desconhecidos e recônditos recursos da terra faz brotar os sinais de uma Providência que dá o pão quotidiano, tornado mais sagrado pela fadiga e pela oração, para quem, com o trabalho, o soube merecer?
Filhos e Irmãos, esta é a grande poesia da nossa vida terrena, a grande realidade.
Se houve um dia na história (e ainda não desapareceu completamente) em que esta palingénese do mundo do trabalho se abriu no furor da luta entre o homem pobre e o homem rico, entre a classe inerme da multidão imensa dos homens assinalados pela fadiga e a multidão que tem o privilégio de gozar e de exercer outras funções sociais, recordemos que não é esta que deve constituir a norma necessária da dialéctica social, mas sim a defesa viril e justa dos sacrossantos direitos humanos e a promoção das legítimas aspirações, com o determinado propósito, da parte de todos, de favorecer a colaboração das classes sociais e a participação mútua no progresso económico e civil, na équa distribuição dos benefícios adquiridos pelo trabalho comum e na concórdia solidária e jubilosa entre os homens filhos do mesmo Pais e irmãos da mesma Pátria, que é a terra universal.
Recordemo-lo especialmente nós; nós, cristãos, nós, católicos, que temos a sorte de não limitar o horizonte da vida ao circulo temporal e económico, mas de o abrir ao céu do espírito, ao colóquio com Deus Pai e à fé transfiguradora da palavra de Cristo. E saibamos haurir. Filhos e Irmãos caríssimos, a inspiração corroborante e exaltadora, para dar paz e justiça ao mundo — especialmente ao mundo operário —, não na escolha equivoca de doutrinas contestáveis, ou de fórmulas imbuídas de materialismo e de ódio, mas na urgência sentida e vivida da caridade, humilde e forte, que aquele Cristo, que nos dá a qualificação e o mandato, nos ensinou com a palavra e com o exemplo, e nos infundiu com o Seu Espírito vivificador.
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