Index   Back Top Print

[ EN  - IT  - LA  - PT ]

CARTA ENCÍCLICA
AD APOSTOLORUM PRINCIPIS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
E DILETOS FILHOS ,
ARCEBISPOS E BISPOS
E A TODOS OS ORDINÁRIOS,
CLERO E POVO DE IGREJAS DA CHINA,
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA

EXORTAÇÕES E NORMAS 
PARA A IGREJA CATÓLICA NA CHINA

 

1. Quando, junto do venerado e glorioso túmulo do príncipe dos apóstolos sob as majestosas abóbodas da basílica vaticana, o nosso imediato predecessor de santa memória, o sumo pontífice Pio XI, há trinta e dois anos, conferia a plenitude do sacerdócio "às primícias e aos novos rebentos do episcopado chinês",(1) assim efundia os sentimentos de íntima alegria pela qual, naquele momento solene, era invadido o seu coração: "Veneráveis irmãos, viestes ver a Pedro; e até é dele que recebestes o pastoral que usareis quando encetareis viagens para reunir as ovelhas. E Pedro abraçou a vós que sois não pequena esperança de levar aos vossos concidadãos a verdade evangélica".(2)

2. O eco dessas palavras nos volta à mente e coração, veneráveis irmãos e diletos filhos, nesta hora de aflição para a Igreja, na vossa pátria. Não foi depositada em vão, naquele tempo, a esperança do grande pontífice, se uma fileira de novos pastores e arautos do evangelho, se um viçoso florescer de sempre novas obras de apostolado mesmo entre muitas dificuldades seguiram aquele primeiro manípulo de bispos que Pedro, vivente no seu sucessor, enviara a reger aquelas porções eleitas do rebanho de Cristo. E nós quando mais tarde tivemos a alegria de erigir a sagrada hierarquia na China, fizemos nossa e aumentamos aquela esperança e vimos abrir-se ainda mais amplas perspectivas para o dilatar-se do reino divino de Jesus Cristo.

A perseguição – Duas cartas precedentes

3. Porém, depois de poucos anos, nuvens obscuras cobriram o céu, e para essas comunidades cristãs, algumas delas de antiga evangelização, iniciaram-se dias funestos e dolorosos. Vimos os missionários, entre os quais havia grande número de arcebispos, bispos zelosos e o nosso próprio representante, serem obrigados a deixar a China; e o cárcere ou privações ou sofrimentos de todo tipo serem reservados a bispos, a sacerdotes, a religiosos, a religiosas e a muitos fiéis.

4. Fomos, então, obrigados a levantar nossa voz amargurada para exprimir a nossa dor pela perseguição injusta e com a carta encíclica Cupimus imprimis (3) de 18 de janeiro de 1952, cuidamos de lembrar, por amor da verdade e na consciência do nosso dever, que a Igreja católica não se pode considerar alheia, menos ainda hostil a nenhum povo da terra; que ela na sua solicitude materna abraça num único amplexo todos os povos e não procura poder ou influência terrenos, mas, com todas as forças, dirige os ânimos de todos a conseguir o céu. Acrescentávamos que os missionários não cuidam dos interesses de um país particular, mas, vindo de toda parte do mundo e unidos como estão por um único amor divino querem unicamente a difusão do reino de Deus; a sua obra, portanto, longe de ser supérflua ou nociva, é benéfica e necessária para ajudar o zelante clero chinês no apostolado cristão. 

5. Na sucessiva encíclica Ad Sinarum gentem (4) de 7 de outubro de 1954, diante de novas acusações dirigidas contra os próprios católicos chineses, proclamávamos que o cristão não é e não pode ser segundo a ninguém no amor verdadeiro e na verdadeira fidelidade à sua pátria terrena. E como se tinha difundido no vosso país a doutrina enganosa chamada das "três autonomias", nós, por força de nosso magistério universal, admoestamos que ela, quer no sentido teórico, quer na aplicação prática sustentada pelos seus defensores, era inaceitável para os católicos, pois tinha por finalidade a separação da unidade da Igreja. 

Testemunhos de fidelidade

6. E agora devemos notar que junto de vós, nesses últimos anos, as condições da Igreja foram piorando. É motivo de grande conforto, na presente tristeza, que diante do prolongar-se da perseguição não desapareceram a firmeza intrépida na fé e o amor ardente a Jesus e à sua Igreja; firmeza e amor que demonstrastes de muitos modos, e por eles – ainda que somente uma pequena parte seja conhecida – recebereis de Deus, um dia, o prêmio eterno.

A "Associação patriótica"

7. Mas, ao mesmo tempo, é nosso dever denunciar abertamente – e o fazemos com profunda tristeza – a nova e mais insidiosa tentativa de aumentar e levar às extremas conseqüências o mesmo erro que nós claramente reprovamos.

8. Com efeito, com premeditação cuidadosamente disposta, foi fundada junto de vós uma "associação patriótica", a qual os católicos são obrigados a aderir com toda espécie de pressões.

9. Essa – como já foi dito várias vezes – teria a finalidade de unir o clero e fiéis em nome do amor à pátria e à religião, para propagar o espírito patriótico, defender a paz entre os povos e, ao mesmo tempo, cooperar na "construção do socialismo" já estabelecido no país, também para ajudar as autoridades civis a aplicar a assim chamada política de liberdade religiosa. Mas é já por demais claro que sob essas expressões de paz e de patriotismo que poderiam enganar os ingênuos, o movimento que se diz patriótico propugna teses e promove iniciativas que miram a bem precisas finalidades perniciosas.

As finalidades da "Associação patriótica"

10. Sob o falso pretexto de patriotismo, com efeito, a associação quer gradualmente levar os católicos a aderir e apoiar os princípios do materialismo ateu, negador de Deus e de todos os princípios sobrenaturais.

11. Sob o pretexto de defender a paz, essa organização faz seus e difunde falsas suspeitas e acusações contra muitos eclesiásticos, contra pastores venerandos, contra a própria sede apostólica, atribuindo-lhes propósitos insanos de imperialismo, de aquiescência e de cumplicidade na exploração dos povos, de hostilidade preconcebida contra a nação chinesa.

12. Enquanto por um lado se afirma que é necessária uma liberdade religiosa absoluta, e se proclama de querer facilitar as relações entre a autoridade eclesiástica e a civil, de fato a associação pretende que a Igreja, pospostos e descuidados os seus direitos, permaneça completamente submetida às autoridades civis. Os membros portanto, são levados a aceitar e justificar providências injustas, como a expulsão dos missionários, a prisão dos bispos, de sacerdotes, de religiosos e religiosas, de fiéis; igualmente são obrigados a consentir às medidas tomadas para impedir pertinazmente a jurisdição de tantos pastores legítimos; são levados a defender princípios que repugnam à unidade e universalidade da Igreja e à sua constituição hierárquica, assim como admitir iniciativas dirigidas a subverter a obediência do clero e a dos fiéis aos Ordinários legítimos, a separar as várias comunidades católicas da unidade com a Sé Apostólica.

Métodos de violência e opressão

13. Para mais facilmente difundir e impor os princípios desta "associação patriótica", usam-se os mais diferentes meios de opressão e violência: uma propaganda rumorosa e tenaz com a imprensa; uma série de reuniões de congressos, aos quais são obrigados a participar – com lisonjas, ameaças e enganos – também os que não teriam intenção de participar, e, ao mesmo tempo, os que corajosamente tomam as defesa da verdade são subjugados e até tachados de inimigos da pátria e da nova ordem.

14. Devem-se ainda lembrar aqueles cursos falazes de "doutrinação" a que são obrigados sacerdotes, religiosos e religiosas, alunos dos seminários, fiéis de todo ceto e idade, e que, mediante lições intermináveis, debates extenuantes, que se renovam às vezes por semanas e meses, exercem uma violência de ordem psicológica que tem por fim arrancar uma adesão que muitas vezes já não tem nada de humano. Sem falar da tática intimidatória, exercida com todos os meios, enganos ou manifestos, em todo ambiente privado e público; e humilhantes sessões de "juízo popular", diante das quais se teve a ousadia de arrastar até bispos venerandos.

15. Contra esses métodos que violam os mais fundamentais direitos da pessoa humana e conculcam a liberdade sagrada de todo filho de Deus, devem-se levantar, junto com o nosso, os protestos dos fiéis e de todas as pessoas honestas do mundo inteiro por causa da ofensa causada à própria consciência civil.

O cristão e o amor à pátria

16. Visto que é em nome do patriotismo que se perpetram esses delitos, é nosso dever lembrar aqui a todos, mais uma vez, que é exatamente a doutrina da Igreja que exorta e leva os católicos a nutrir um sincero e profundo amor à sua pátria terrena, a prestar o obséquio devido, salvo o direito divino, natural e positivo, às autoridades públicas, a dar a sua contribuição generosa e factiva a todo empreendimento que leve a um progresso verdadeiro, pacífico e ordenado, ao bem autêntico da comunidade pátria. A Igreja nunca se cansou de inculcar nos seus filhos a norma áurea recebida de seu Fundador divino: "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Lc 20,25); sentença que se funda no pressuposto de que não pode haver nenhum contraste entre os postulados da verdadeira religião e os interesses verdadeiros da pátria.

17. Deve-se, porém, acrescentar que se o cristão, por dever de consciência, deve às autoridades humanas o que lhes pertence, a autoridade humana não pode exigir dos cidadãos o obséquio naquilo que é devido a Deus e não a ela; ainda menos pode exigir-lhes a obediência incondicionada quando quer usurpar os direitos soberanos de Deus, ou obriga os fiéis a agir em contraste com seus deveres religiosos, ou a afastar-se da unidade da Igreja e da sua hierarquia legítima. Então o cristão não pode responder, sereno e firmemente, senão como já s. Pedro e os apóstolos aos primeiros perseguidores da Igreja: "Deve-se obedecer a Deus, antes que aos homens" (At 5,29).

A Sé Apostólica romana e o povo chinês

18. Com insistência enfática, os fatores do movimento pseudopatriótico, falam continuamente de paz e proclamam que os católicos devem militar em favor dela. Palavras, de per si, aparentemente irrepreensíveis; com efeito, quem não deveria ser louvado a não ser quem prepara o caminho da paz? Mas a paz, vós bem o sabeis, veneráveis irmãos e filhos diletos, não se faz com expressões verbais, não é uma formalidade exterior, sugerida talvez por tática ocasional e negada por gestos ou iniciativas que, antes de se inspirar a sentimentos pacíficos, dispõem os ânimos a ressentimentos, ódios ou aversões. A paz verdadeira deve apoiar-se em princípios de justiça e caridade, ensinados por Aquele que se adorna dela como título real "Príncipe da paz" (Is 9,6); a paz verdadeira é a auspiciada pela Igreja, paz estável, justa, íntegra e ordenada – entre indivíduos, famílias e povos – a qual no respeito dos direito de todos e especialmente dos de Deus, una todos com o vínculo de colaboração recíproca e fraterna.

19. E nesta pacífica perspectiva de convivência harmoniosa de todas as nações, a Igreja deseja que cada povo tenha um grau de dignidade que lhe convém. A Igreja, que, desde sempre, seguindo com simpatia os acontecimentos históricos da vossa pátria, sinceramente deseja – com as palavras do nosso predecessor – "que são reconhecidas plenamente as legítimas aspirações e os direitos de um povo, que é o mais numeroso da terra, povo de cultura antiga que conheceu momentos de grandeza e esplendor, e ao qual, ao se manter nos caminhos da justiça e da honra, não pode faltar um porvir grandioso".(5)

Limitações arbitrárias do magistério pontifício

20. Porém, segundo notícias transmitidas pelo rádio e pela imprensa, não faltaria alguns, até entre o clero, que ousam insinuar a suspeita e a acusação de uma malevolência que a Santa Sé nutriria para com o vosso país. 

21. E partindo desse falso e ofensivo pressuposto, têm a ousadia de limitar a seu arbítrio a autoridade do magistério supremo da Igreja, afirmando que haveria questões – como as sociais e econômicas – em que seria lícito aos católicos não ter em nenhuma conta o ensinamento doutrinal e as normas emanadas desta Sé Apostólica. Opinião, é apenas o caso de dizer, absolutamente falsa e errônea, porque – como tivemos a ocasião de expor há alguns anos a selecionado grupo de veneráveis irmãos no episcopado – "o poder da Igreja não se limita somente 'às coisas estritamente religiosas', como se costuma dizer, mas a ela pertence todo o campo da lei natural, assim como o ensino, a interpretação e a aplicação desta, pois é considerado o seus fundamento moral. Com efeito, por disposição divina, a observância da lei natural refere-se àquele caminho pelo qual o homem deve tender ao seu fim sobrenatural. Nesse caminho, portanto, a Igreja é guia e guarda dos homens, no que diz respeito ao fim sobrenatural".(6) É a mesma verdade já sapientemente ilustrada pelo nosso santo predecessor Pio X, na encíclica Singulari quadam de 24 de setembro de 1912, quando observava "que todas as ações do cristão estão submetidas ao juízo e à jurisdição da Igreja, no que são boas ou más do ponto de vista moral, isto é, no que concordam ou contrastam com o direito natural e divino".(7)

22. Além disso, depois de ter proclamado essa limitação arbitrária, enquanto declaram com palavras de querer obedecer ao pontífice romano nas verdades que se devem acreditar e – assim como se costumam exprimir – nas norma eclesiásticas a observar, chegam a ousadia tal de recusar obediência a providências e disposições claras e precisas da Santa Sé, às quais atribuem imaginários segundos fins de ordem política, quase conspirações tenebrosas dirigidas contra o seu país.

Grave ato de rebeldia

23. Uma prova desse espírito de rebeldia à Igreja, um fato gravíssimo que é causa de amargura profunda e inexprimível para o nosso coração de pai e de pastor universal das almas, é o que devemos mencionar agora. Há algum tempo, com propaganda insistente, o assim chamado "movimento patriótico" vem proclamando um pretenso direito dos católicos de eleger, de sua iniciativa, os bispos, afirmando que esta eleição seria indispensável para providenciar com a solicitude devida ao bem das almas, e para confiar o governo das dioceses a pastores aceitos pelas autoridades civis, enquanto não se opõem às orientações ideológicas e políticas próprias do comunismo.

24. Ficamos sabendo, até mesmo, que já se procedeu a não poucas e abusivas eleições, e que, além disso, contra um mônito severo e explícito dirigidos por esta Sé Apostólica aos interessados, chegou-se ao atrevimento de conferir a alguns eclesiásticos a consagração episcopal. 

Doutrina sobre a eleição e consagração dos bispos

25. Diante de tão graves atentados contra a disciplina e a unidade da Igreja, é nosso preciso dever lembrar a todos, que são outras as doutrinas e princípios que regem a constituição da sociedade divinamente fundada por Jesus Cristo nosso Senhor.

26. Com efeito, os cânones sagrados, clara e explicitamente, estabelecem que pertence unicamente à Sé Apostólica julgar da idoneidade de um eclesiástico para a dignidade e a missão episcopal (8) e que pertence ao romano pontífice nomear livremente os bispos.(9) E mesmo quando, como em determinados casos, na escolha de um candidato ao episcopado, é admitido o concurso de outras pessoas ou entes, isto acontece legitimamente somente em virtude de uma concessão – expressa e particular feita pela Sé Apostólica a pessoas ou a corpos morais bem determinados, com condições e em circunstâncias bem definidas. Isso posto, deriva que os bispos não nomeados nem confirmados pela Santa Sé, e até escolhidos e consagrados contra suas disposições explícitas, não podem gozar de nenhum poder de magistério nem de jurisdição; pois a jurisdição vem aos bispos unicamente através do romano pontífice, como já tivemos ocasião de lembrar na carta encíclica Mystici corporis: "Os bispos... no que diz respeito à sua diocese, são verdadeiros pastores que guiam e regem em nome de Cristo o rebanho a eles confiado. Ao fazer isso, não são completamente independentes, pois estão submetidos à autoridade do romano pontífice, mesmo gozando do poder ordinário de jurisdição, que lhes é comunicado diretamente pelo próprio sumo pontífice".(10) Doutrina que tivemos a ocasião de relembrar ainda na carta Ad Sinarum gentem que vos foi sucessivamente dirigida: "O poder de jurisdição, que é conferido diretamente ao sumo pontífice por direito divino, deriva aos bispos pelo mesmo direito, mas somente mediante o sucessor de s. Pedro, ao qual estão constantemente submetidos e ligados pelo obséquio da obediência e pelo vínculo da unidade, não somente os simples fiéis, mas também todos os bispos".(11)

27. E os atos do poder de ordem, postos por tais eclesiásticos, mesmo sendo válidos – supondo tenha sido válida a consagração a eles conferida – são gravemente ilícitos, isto é; pecaminosos e sacrílegos. Vêm a propósito admoestadoras as palavras do Mestre divino: "Quem não entra pela porta no redil das ovelhas mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante" (Jo 10,1); as ovelhas reconhecem a voz de seu verdadeiro pastor e seguem-no docilmente, "elas não seguirão um estranho, mas fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos" (Jo 10,5). 

28. Bem sabemos que, para legitimar suas usurpações, os rebeldes apóiam-se na práxis seguida em outros séculos; mas todos vêem a que se reduziria a disciplina eclesiástica, se numa ou noutra questão, fosse permitido a quem quer que seja, apoiar-se em disposições que já não vigoram, porque a autoridade suprema dispôs de outra maneira há muito tempo. E até o fato de apelar a uma outra disciplina, longe de desculpar a ação destes, é prova da sua intenção de subtrair-se deliberadamente à disciplina vigente e que devem seguir. Essa disciplina vale não só para a China e para os territórios de recente evangelização, mas para toda a Igreja. Ela foi sancionada em virtude daquele supremo e universal poder de apascentar, reger e governar que foi conferida por nosso Senhor aos sucessores do apóstolo Pedro. E bem conhecida, com efeito, a solene declaração do concílio Vaticano: "Apoiando-se no testemunho claro da Sagrada Escritura e em plena harmonia com os decretos precisos e explícitos dos nossos predecessores, os romanos pontífices, quer dos concílios gerais, renovamos a definição do concílio ecumênico de Florença, pela qual todos os fiéis devem acreditar que a Santa Sé apostólica e o romano pontífice exercem o primado em todo o mundo; que o mesmo pontífice é o sucessor de s. Pedro, príncipe dos apóstolos, é o verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja, o pai e o doutor dos cristãos; que a ele, na pessoa de s. Pedro, foi por Cristo confiado o poder pleno de apascentar, reger e governar a Igreja universal'. Portanto ensinamos e declaramos que a Igreja romana, por disposição divina, tem o poder ordinário do primado sobre todas as outras, e que este poder de jurisdição do romano pontífice, de caráter verdadeiramente episcopal, é imediato; e que os pastores e os fiéis, de qualquer rito ou dignidade, quer tomados singularmente, quer todos juntos, são obrigados ao dever de subordinação hierárquica e de verdadeira obediência a ela, não somente nas coisa de fé e moral, mas também nas que dizem respeito à disciplina e ao governo da Igreja, espalhada no mundo inteiro; de forma que, conservada assim a unidade da comunhão e da fé com o romano pontífice, a Igreja de Cristo seja um único rebanho sob um único sumo pastor. Este é o ensinamento da verdade católica do qual ninguém se pode afastar sem perder a fé e a salvação".(12)

29. Pelo exposto deriva que nenhuma outra autoridade, a não ser a do pastor supremo, pode revogar a instituição canônica atribuída a um bispo; nenhuma pessoa ou assembléia, quer de sacerdotes quer de leigos, pode-se arrogar o direito de nomear bispos; ninguém pode conferir legitimamente a consagração episcopal sem antes ter a certeza da existência do apósito mandato apostólico.(13) De forma que, para essa consagração abusiva, que é um atentado gravíssimo à própria unidade da Igreja, é estabelecida a excomunhão reservada de modo especialíssimo à Sé Apostólica, em que incorre automaticamente (ipso facto) não somente quem recebe a consagração arbitrária, mas também quem a confere.(14)

Pretexto insubsistente

30. O que dizer, finalmente, do pretexto aduzido pelos expoentes da "Associação patriótica", quando, tentando justificar-se, invocam a necessidade de providenciar cuidados às almas nas dioceses privadas da presença de seu bispo?

31. E evidente, primeiramente, que não se providencia às necessidades espirituais dos féis violando as leis da Igreja. Em segundo lugar, não se trata – como se quer dar a acreditar – de dioceses vacantes, mas muitas vezes de sedes episcopais, cujos titulares legítimos ou foram expulsos ou aprisionados, ou, então, estão impedidos por várias maneira de exercer livremente a sua jurisdição; onde também foram igualmente aprisionados ou expulsos ou de qualquer forma removidos aqueles eclesiásticos que os pastores legítimos – de conformidade com as prescrições do direito canônico e com instruções especiais recebidas da Santa Sé – tinham designado para substituí-los no governo diocesano.

32. É verdadeiramente doloroso que, enquanto pastores zelosos sofrem tantas tribulações, se tome justamente ocasião de suas dores para insediar nos seus lugares pastores falsos, para subverter a organização hierárquica da Igreja, para rebelar-se contra a autoridade do romano pontífice.

33. E chega-se a tal ponto de arrogância de querer imputar um estado de coisas tão lastimável e miserando, que é provocado por desígnio preciso dos perseguidores da Igreja, à própria Sé Apostólica. Ora, todos sabem que ela, pelos obstáculos interpostos à livre e segura comunicação com as dioceses da China, esteve, e está na impossibilidade de procurar-se – toda vez que for preciso – as informações adequadas e indispensáveis, para o vosso como para qualquer outro país, a fim de proceder à escolha de candidatos idôneos à dignidade episcopal. 

Convite a conservar-se firmes na fé

34. Veneráveis irmãos e filhos diletos, até aqui vos manifestamos as nossas preocupações pelos erros que se tenta insinuar entre vós, e pelas divisões que se criam, para que, iluminados e sustentados pelo ensino do pai comum, vos possais conservar firmes e incontaminados na fé, que a todos nos une e salva.

35. Mas agora, com toda a efusão do afeto, queremos dizer-vos o quanto nos sentimos perto de vós. Os vossos sofrimentos físicos e morais, especialmente os suportados pelas testemunha heróicas de Cristo – entre as quais estão alguns nossos venerandos irmãos no episcopado nós os trazemos no nosso coração e, dia após dia, os oferecemos, com as orações e sofrimentos de toda a Igreja, no altar do nosso divino Redentor.

36. Permanecei firmes e ponde a vossa confiança nele: "lançai sobre ele toda a vossa preocupação, porque é ele que cuida de vós" (1 Pd 5, 7). Ele vê vossas dificuldades e penas; ele, sobretudo, acolhe o sofrimento íntimo e as lágrimas secretas que muitos de vós – pastores, sacerdotes, pessoas religiosas e simples fiéis – derramais ao ver a destruição que se quereria fazer de vossas comunidades cristãs. Essas lágrimas e esses sofrimentos, junto com o sangue e os sofrimentos dos mártires de ontem e de hoje, serão o penhor precioso do florescimento da Igreja na vossa pátria, quando graças à intercessão poderosa de virgem Maria, rainha da China, dias mais serenos voltarão a brilhar no vosso céu.

Sustentado por essa confiança, com muito afeto no Senhor, concedemos a vós e ao rebanho confiado aos vossos cuidados, como auspício de graças celestes e testemunho de nossa especial benevolência, a bênção apostólica.

Roma, junto de São Pedro, a 29 de junho, na festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo, no ano de 1958, XX do nosso pontificado.

 

PIO PP. XII

 


Notas

(1) AAS 18(1926), p. 432.

(2) Ibidem.

(3) AAS 44(1952), p.153ss.

(4) AAS 47(1955), p. 5ss.

(5) Cf. Pio XI, Mensagem ao Delegado apostólico na China, dia 1° de agosto de 1928: AAS 20(1928), p. 245.

(6) Discurso ao Colégio dos cardeais e dos bispos, dia 2 de novembro de 1954: cf. AAS 46(1954), pp. 671-672.

(7) AAS 4(1912), p. 658.

(8) Cân. 331 § 3.

(9) Cân. 329 § 2.

(10) Carta enc. Mystici corporis, de 29 de junho de 1943: AAS 35(1943), pp. 211-212.

(11) Carta enc. Ad Sinarum gentem, de 7 de outubro de 1954: AAS 47( 1955), p. 9.

(12) Conc. Vat. I, sess. IV, c. 3

(13) Cân. 953.

(14) Cf . S. Congr. do Santo Oficio, Decreto, de 9 de abril de 1951: AAS 43(1951), pp. 217-218.

 



Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana