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RADIOMENSAGEM DO PAPA PIO XII
AOS BRASILEIROS POR OCASIÃO
DO IV CONGRESSO EUCARÍSTICO  NACIONAL
(*)

 

Veneráveis Irmãos, que em tão grande número, circundados de vosso Clero, formais majestosa coroa a Jesus Sacramentado;
Excelentísimo Govêrno e mais Autoridades, que com vossa presença abrilhantais esta grandiosa assembléia Eucarística;
Amados Filhos do católico Brasil!

Embora Nos encontremos já entre vós representado na pessoa de Nosso digno Legado ao quarto Congresso Eucarístico nacional, contudo da melhor vontade vos fazemos ouvir directamente a Nossa voz, para convosco adorarmos o divino Rei de amor, repetindo a saudação tão tradicionalmente portuguesa e tão cristã :

Bendito e louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, fruto do ventre sagrado da Virgem puríssima, Santa Maria !

Nosso coração rejubila, Nosso espírito extasia-se contemplando o magnifico espectáculo, que aos céus e à terra oferece a vossa piedade. Nós vemos todo o católico Brasil, do Amazonas ao Prata, da Cordilheira ao Atlântico, de joelhos à volta do trono eucarístico, erguido no esplêndido cenário da metrópole Paulista, para vitoriar e tributar suas homenagens ao Rei divino sacramentado, em estos de fervor e devoção, em solenes actos de reparação e desagravo, em protestos convictos de fidelidade e vassalagem, de indefectível correspondência ao seu eterno amor.

Espectáculo tanto mais consolador, quanto é a expressão fiel da fé e piedade tradicionais do católico povo brasileiro. Não entrou êle na história sob o signo da cruz de Cristo, e com o viático de Jesus sacramentado no coração? — naquela gloriosa jornada do primeiro de maio de mil e quinhentos, quando à sombra da primeira cruz formada com lenhos brasileiros e arvorada em terra brasileira se cantava a primeira missa, — baptismo de graça para o novo continente, — e a ela comungavam o Capitão-mór e os seus melhores homens, enquanto os aborígenes que espontâneamente ajudaram a arvorar a cruz, não compreendendo nem sendo capazes de receber a Jesus Hóstia, ao menos como sabiam, e podiam, batendo nos peitos e prostrando-se por terra, a adoravam (1).

Mais tarde não havia cidade ou vila que se não assinalasse na devoção ao Santíssimo Sacramento, que não tivesse a sua Irmandade à qual os principais cidadãos folgavam de pertencer; e êstes manifestavam sua devoção celebrando todos os meses uma festa solene do Santíssimo, erguendo-lhe magníficos tronos e ornando-os, sobretudo nas Endoenças, com as melhores alfaias de oiro e prata de suas casas, « com todo o oiro que na terra se podia achar ».

Era também com a devoção ao Santíssimo Sacramento e à santa Cruz, aliada à de Nossa Senhora, que se criavam na fé os Indios dos aldeamentos; de modo que os neo-convertidos não conheciam honra maior que a de poderem comungar, nem maior infâmia do que a de serem privados de mesa eucarística.

Nós bendizemos ao Senhor por vermos reflorir esta piedade dos vossos maiores; — bendizendo ao mesmo tempo quantos com seu apostolado eucarístico têm contribuído para êste prometedor reflorescimento, particularmente os organizadores dos Congressos diocesanos que prepararam o nacional, e a obra silenciosa, mas constante e cada vez mais vasta e fecunda, da Acção católica, das Ordens Terceiras, das Congregações Marianas, do Apostolado da Oração. Nós bendizemos ao Senhor e lhe suplicamos que esta primavera florida não se desvaneça com os ecos do Congresso, mas alastre e se traduza em frutos de bênção por todo o Brasil.

A Eucaristia é um tríplice mistério: mistério de fé, mistério de amor, mistério de vida. Seja ela para todos e cada um dos brasileiros, — como foi no passado e mais ainda do que foi no passado, — fonte caudal de fé pura e operosa, de amor e união inquebrantável, de vida sincera e integralmente católica.

Mistério de fé. O Sacramento da Eucaristia é mais que nenhum outro, essencialmente, mistério de fé, porque supõe a fé, exercita a fé, aviva a fé, coroa a fé; e porque é o mais seguro penhor e distintivo da verdadeira fé. Foi-o para vossos maiores. Pois não era a viva fé que os animava, quando a notícia de um sacrilégio contra o Santíssimo, cometido em Lisboa, na Capela real, lançava na costernação as populações do Brasil, como se se tratasse de uma calamidade nacional, e logo organizavam procissões de penitência, e solenidades de reparação e desagravo? E quando mais tarde se viu ameaçada a unidade da pátria e a incolumidade da religião católica, não foi a fé em Jesus Sacramentado que deu coragem aos homens de armas para a refrega e para a vitória, e a tantos fiéis para abandonarem as próprias casas e todos os seus haveres, até para sacrificarem a vida antes que renegarem a fé ? (2)

Seja assim também para vós, queridos filhos do católico Brasil. Se alguma hora o êrro ou a superstição tentassem ameaçar a vossa fé, roubar-vos a Jesus sacramentado, vós uni-vos mais ìntimamente a Êle, e armados com a Sua fôrça, pois que, como cantou o vosso grande apóstolo, o venerável José de Anchieta,

é manjar de lutadores,
galardão de vencedores
esforçados (3)

resistí, combatei, vencei ; conservai intacta a mais preciosa herança que vos legaram vossos antepassados, a fé católica, apostólica, romana.

Mistério de amor e união. Na Hóstia divina está concentrado todo o amor infinito do Coração de Jesus, qual se manifestou nas grandes horas da Redenção; pois que a Santíssima Eucaristia é o Cenáculo e o Calvário dilatados no espaço até aos confins da terra, prolongados no tempo até ao fim dos séculos... E como o amor é união, êste amor infinito quer ser união levada até à identidade mística : « Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nêle... Como eu vivo em meu Pai e por meu Pai, quem me come, viverá de mim e por mim ». (4) Ou como cantava Anchieta :

Como a vós em vós vivendo,
vivo em vós a vós comendo,
doce Amor ! (5)

Sirva o culto e a freqüente comunhão da divina Eucaristia a fomentar cada vez mais o amor e união com o Coração de Jesus, donde depois transborde em caridade e união fraterna entre os operários e os patrões, entre os fiéis e o clero, entre os súbditos e as autoridades, entre o norte e o sul, entre os cidadãos do mesmo Estado e os Estados entre si, para bem comum de todos, numa só grande família, que é a Pátria brasileira. Mesmo humanamente é a união que faz fôrça, como a desunião é a ruína. Quanto mais se for primeiro união das almas em Deus, vivificada pelo amor de Jesus Cristo e por Êle cimentada e abençoada!

Nem se limite a união e caridade a promover o bem temporal do próximo ; mas procure mais ainda os bens espirituais e eternos, alargando-se a tôdas as almas remidas com o sangue de Cristo. É magnífico o exemplo de entusiasmo e generosidade que tem dado o Brasil repetidamente no dia das Missões. Esplêndido apostolado da esmola ! Mas, impelidos pela caridade de Cristo, sêde também apóstolos do bom exemplo, da oração, do sacrifício, da palavra, da acção, primeiro com os cristãos que não praticam a fé que professam ; depois com os infiéis, que não conheceram nunca a verdadeira fé. Quando Portugal e Brasil formavam ainda uma só nação, valia para êle como para o Império mundial espanhol, ao menos em princípio e segundo a vontade dos Soberanos, o que vos dizia o grande António Vieira : « Nas outras terras uns são ministros do Evangelho e outros não ; nas de Portugal todos são ministros do Evangelho... Ser apóstolo nenhuma coisa é senão ensinar a fé e trazer almas a Cristo; e (no Brasil) ninguém há que o não possa e ainda o não deva fazer ». (6) Sêde apóstolos, e então será para vós o mistério de fé também mistério de amor e caridade.

Finalmente mistério de vida. « Pão de vida, que dá vida ao mundo », chamou Jesus a Eucaristia e acrescentou : « Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia » (7).

É pois e sobretudo mistério de vida divina, por que assegura em nós a vida da graça. Oh ! quantos mortos, que se julgam viver e parecem vivos, mas são ataúdes ambulantes, porque perderam a vida divina a que renasceram no baptismo, porque a sua alma está morta nêles ! Oh! se fôsse êste um dos frutos do Congresso, que por tôda a parte ressurgisse a freqüência dos sacramentos, como se viu já em outras épocas, quando eram tão freqüentadas mensalmente as Comunhões gerais, e até a Comunhão semanal !

Mas é também mistério de vida física : indirectamente, de vida física temporal, porque fomentando a vida cristã, os bons costumes, preserva de múltiplas enfermidades, que viciam o organismo e atormentam penosamente a existência pecadora; — directamente, de vida física eterna, porque, como Jesus nos assegura, os que O recebem com as dévidas disposições, têm certa a ressureição gloriosa no último dia : et ego resuscitabo eum in novissimo die.

Com prazer soubemos que um dos fins principais do Congresso era o estudo e solução do problema, vital para tôdas as nações, mas assinaladamente para o Brasil, das vocações sacerdotais. Confiamos que se tenha encontrado a solução prática do momentoso problema e que em breve a vejamos realizada. Entretanto queremos concluir com uma palavra para todos os Nossos amados filhos brasileiros.

Católicos do Brasil, seja êste um dos grandes frutos do Congresso : que saibais todos apreciar a vida divina que vos dá a Eucaristia ; e por conseguinte, que sintais a necessidade e aprecieis a honra de ter abundantemente quem vos prepare e ministre aquêle pão. Oh ! feliz aquêle a quem o Senhor escolhe, como escolheu os apóstolos, para seu cooperador no mais augusto dos divinos mistérios ! Feliz e honrada sôbre tôdas a família cristã da qual Jesus escolhe um ou mais filhos, para os enobrecer e divinizar com a participação ao Seu divino Sacerdócio ! Como não há nos céus e na terra dignidade mais alta e real que a do Sacerdote divino, de quem tôda a dignidade descende, assim não pode o homem neste mundo ser sublimado a mais alta nobreza, que a participar do Sacerdócio eterno.

Por isso os pais verdadeiramente católicos, longe de arrancarem do coração dos filhos o gérmen da vocação sacerdotal, — porque têm conciência clara de que, se tal fizessem, se tornariam réus diante de Deus de uma gravíssima falta de lesa religião e lesa pátria, — procuram êles mesmos lançar a semente e fomentá-la com a oração, com a boa educação, com a remoção dos perigos que a poderiam prejudicar. E se um dia vêem vingar a vocação e o sonho da sua fé se realiza, então dão graças a Deus e sentem-se felizes por terem quem a êles próprios e a tantas almas prepare e distribua o pão de vida e a vida eterna.

Amados filhos do católico Brasil ! videte vocationem vestram ! (8) Vêde e considerai bem a vossa vocação ! Deus fadou-vos para serdes uma das grandes nações católicas da Igreja, na América e no mundo. Nessa vocação está cifrada a maior glória, a maior grandeza, a verdadeira felicidade do Brasil. Mas essa grandeza impõe deveres, acarreta responsabilidades : o dever, a responsabilidade de serdes católicos no pleno sentido da palavra, católicos de fé integra e profunda, de caridade sincera e generosa, de vida intemerata ; numa palavra, não só de adorar, de amar, de receber, mas de viver a Eucaristia, mistério de fé, mistério de amor, mistério de vida !

Bendito e louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, fruto do ventre sagrado da Virgem puríssima, Santa Maria !

São êstes os votos que do intimo da alma formulamos por vós a Jesus Sacramentado ; e para que êles se realizem, a vós todos, Veneráveis Irmãos e amados Filhos que Nos escutais, a todos os que tomaram parte activa no Congresso ou a êle se uniram em espírito, a tôda a vossa grande e querida Pátria, com todo o carinho do Nosso coração paterno, damos, penhor das graças celestes, a Bênção Apostólica.


* AAS 34 (1942) 265-270.

1. Carta de Pedro Vaz de Caminha de 1 de Maio do anno 1500 a El Rei D. Manuel.

2. P. Antonio Vieira, Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal, Sermões III, 467 ss.

3. P. José de Anchieta, Hino ao SS. Sacramento.

4. Ioann. VI, 57-58.

5. P. José de Anchieta, 1. c.

6. Sermão do Espírito Santo, Sermões III, 392 es.

7. Ioann. VI, 33, 35, 55.

8. I Cor. I, 26.



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