RADIOMENSAGEM DO PAPA PIO XII
AOS FIÉIS PORTUGUESES
POR OCASIÃO DA CONSAGRAÇÃO
DA IGREJA E DO GÉNERO HUMANO
AO CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA (*)
Sábado, 31 de Outubro de 1942
Veneráveis Irmãos e amados Filhos,
"Benedicite Deum caeli, et coram omnibus viventibus confitemini ei, quia fecit vobiscum misericordiam suam" (Tob. 12, 6).
« Bendizei ao Deus do ceu e glorificái-o no conspecto de todos os viventes, porque Êle usou convosco das suas misericórdias. »
Mais de uma vez nêste ano de graças subistes em devota romagem a montanha santa da Fátima, levando convosco os corações de todo o Portugal crente, para aí, nesse oásis embalsamado de fé e piedade, depositardes aos pés da Virgem Padroeira o tributo filial do vosso amor acrisolado, a homenagem da vossa gratidão pelos imensos benefícios ultimamente recebidos, a súplica confiada de que se digne continuar o seu patrocínio sôbre a vossa Pátria d'aquém e d'além mar, e estendê-lo à grande tribulação que atormenta o mundo.
Nós, que, como Pai comum dos fiéis, fazemos Nossas tanto as tristezas como as alegrias de Nossos filhos, com todo o afeto da Nossa alma Nos unimos convosco para louvar e engrandecer ao Senhor, dador de todos os bens; para bendizer e dar graças Aquela por cujas mãos a munificência divina nos comunica torrentes de graças.
E tanto mais gostosamente o fazemos, porque vós, com delicadeza filial, quisestes associar nas mesmas solenidades eucarísticas e impetratórias o jubileu de Nossa Senhora da Fátima e o vigésimo quinto aniversário da Nossa Sagração Episcopal: a Virgem Santa Maria e o Vigário de Cristo na terra, duas devoções profundamente portuguesas e sempre unidas no afeto de Portugal fidelíssimo, desde os primeiros alvores da nacionalidade, desde quando as primeiras terras reconquistadas, núcleo da futura nação, foram consagradas à Mãe de Deus como Terra de Santa Maria, e o reino, apenas constituido, foi posto sob a égide de S. Pedro.
1. Gratidão
« O primeiro e maior dever do homem é o da gratidão » (S. Ambrosii De excessu fratris sui Sat. 1. I n. 44 - Migne PL t. 16 col. 1361). « Nada ha tão aceito a Deus, como a alma reconhecida, que dá graças pelos benefícios recebidos» (cfr. S. Ioannis Chrys. Hom. 5 2 in Gen. - Migne PG t. 54 col. 460).
E vós tendes uma grande dívida para com a Virgem, Senhora e Padroeira da vossa Pátria.
Numa hora trágica de trevas e desvairamento, quando a nau do Estado Português, perdido o rumo das suas mais gloriosas tradições, desgarrada pela tormenta anticristã e antinacional, parecia correr a seguro naufrágio, inconciente dos perigos presentes, e mais inconciente dos futuros, — cuja gravidade aliás nenhuma prudência humana, por clarividente que fôsse, podia então prever, — o ceu que via uns e previa os outros, interveio piedoso, e das trevas brilhou a luz, do caos surgiu a ordem, a tempestade amainou em bonança, e Portugal pôde encontrar e reatar o perdido fio das suas mais belas tradições de Nação fidelíssima, para continuar, — como nos dias em que « na pequena casa Lusitana não faltavam Cristãos atrevimentos » para « a lei da vida Eterna dilatar », (Camões, Lusíadas, canto VII oitavas 3 e 14), — na sua rota de glória de povo cruzado e missionário.
Honra aos beneméritos, que foram instrumento da Providência para tão grande empresa!
Mas primeiro glória, bénção, acção de graças à Virgem Senhora, Rainha e Mãe da sua Terra de S. Maria, que tem salvado mil vezes, que sempre lhe acodiu nas horas trágicas, e que nesta talvez a mais trágica, o fez tão manifestamente, que já em 1934 Nosso Predecessor Pio XI de imortal memória, na Carta Apostólica Ex officiosis litteris, atestava « os extraordinários benefícios com que a Virgem Mãe de Deus acabava de favorecer a vossa Pátria» (Acta Ap. Sedis a. XXVI 1934 p. 628). E ainda àquela data não se pensava no Voto de Maio de 1936 contra o perigo vermelho, tão temerosamente próximo e tão inesperadamente conjurado.
Ainda não era um facto a maravilhosa paz de que apesar de tudo Portugal continua gozando; e que com todos os sacrifícios que exige, sempre é imensamente menos ruinosa, doque essa guerra de extermínio que vai assolando o mundo.
Hoje que a tantos benefícios acresceram mais estes, hoje que a atmosfera de milagre que bafeja Portugal, se desentranha em prodígios físicos e em maiores e mais numerosos prodígios de graças e conversões, e florece nessa primavera perfumada de vida católica, prometedora dos melhores frutos, hoje com bem mais razão devemos confessar que a Mãe de Deus vos cumulou de benefícios realmente extraordinários; e a vós incumbe o sagrado dever de lhe renderdes infinitas graças.
E vós tendes agradecido durante êste ano, bem o sabemos.
Ao ceu devem ter sido gratas as homenagens oficiais; mas devem-no ter comovido os sacrifícios das criancinhas, a oração e a penitência sincera dos humildes.
Ao vosso activo estão consignadas nos livros de Deus :
- a apoteose da Virgem Nossa Senhora na sua romagemdo Santuário da Fátima à Capital do Império, durante as memorandas jornadas de oito a doze de abril passado, talveza maior demonstração de fé da história oito vezes secular da vossa Pátria;
- a peregrinação nacional de treze de máio « jornada heróica de sacrifício », que, por frios e chuvas e enormes distâncias percorridas a pé, concentrou na Fátima, a orar, a agradecer, a desagravar, centenas de milhares de peregrinos, entre os quais se destaca cintilante de beleza renovadora o exemplo da briosa Juventude católica;
- as paradas infantis da Cruzada Eucarística, em que as criancinhas tão mimosas de Jesus, com a confiança filial da inocência, podiam protestar à Mãe de Deus que « tinham feito tudo quanto Ela pedira: orações, comunhões, sacrifícios... aos milhares! » e por isso suplicavam: « Nossa Senhora da Fátima, agora é só convosco; dizei ao vosso divino Filho uma só palavra, e o mundo será salvo e Portugal livre inteiramente do flagelo da guerra»;
- a preciosa corôa, feita de oiro e pedrarias, e, mais ainda, de puríssimo amor e generosos sacrifícios, que a treze do corrente no Santuário da Fátima oferecestes à vossa augusta Padroeira, como símbolo e monumento perene de eterno reconhecimento.
Estas e outras belíssimas demonstrações de piedade, de que, sob a zelosa actuação do Episcopado, tem sido fértil em todas as dioceses e paróquias êste ano jubilar, mostram bem como o fiel povo português reconhece agradecido e quer satisfazer a sua imensa dívida para com a sua celeste Rainha e Mãe.
2. Confiança
A gratidão pelo passado é penhor de confiança para o futuro. « Deus exige de nós que lhe rendamos graças pelos benefícios recebidos», não por que precise dos nossos agradecimentos, mas « para que Estes o provoquem a conceder-nos benefícios ainda maiores» (cfr. S.Ioannis Chrys., Hom. 52 in Gen. - Migne PG t. 54 col. 460). Por isso é justo confiar que também a Mãe de Deus, aceitando o vosso rendimento de graças, não deixará incompleta a sua obra e vos continuará indefectível o patrocínio até hoje dispensado, preservando-vos de mais graves calamidades.
Mas para que a confiança não seja presumida, é preciso que todos, concientes das próprias responsabilidades, se esforcem por não desmerecer o singular favor da Virgem Mãe, antes, como bons filhos, agradecidos e amantes, conciliem cada vez mais o seu materno carinho, — é preciso que, escutando o conselho materno que Ela dava nas bôdas de Caná, façamos tudo o que Jesus nos diz (cfr. Io. 2, 5); e Êle diz a todos que façam penitência, poenitentiam agite (Matth. 4, 17); que emendem a vida e fujam do pecado, que é a causa principal dos grandes castigos com que a justiça do Eterno penitencia o mundo; que em meio déste mundo materialisado e paganizante, em que toda a carne corrompeu os seus caminhos (Gen. 6, 12), sejam o sal e a luz que preserva e ilumina; cultivem esmeradamente a pureza, reflitam nos seus costumes a austeridade santa do Evangelho, e desassombradamente e a todo o custo, como protestava a Juventude católica em Fátima, « vivam como católicos sinceros e convictos a cem por cem »! Mais ainda: que cheios de Cristo, difundam em torno de si ao perto e ao longe o perfume de Cristo, e com a prece assídua, particularmente com o Terço quotidiano, e com os sacrifícios que o zelo generoso inspira, procurem às almas pecadoras a vida da graça e a vida eterna.
Então invocareis confiadamente o Senhor e Êle vos ouvirá; chamareis pela Mãe de Deus e Ela responderá : eis-me aqui! (cfr. Is. 58, 9). Então não vigiará debalde o que defende a cidade, porque o Senhor velará com ele e a defenderá; nem será mal segura a casa reconstruida sobre os alicerces de uma ordem nova, porque o Senhor a cimentará (cfr. Ps. 126, 1-2). Feliz do povo cujo Senhor é Deus, cuja Rainha é a Mãe de Deus! Ela intercederá e Deus abençoará o seu povo com a paz, compendio de todos os bens : Dominus benedicet populo suo in pace (Ps. 28, 11).
3. Súplica
Mas vós não vos desinteressais (quem pode desinteressar-se?) da imensa tragédia que atormenta o mundo. Antes quanto mais assinaladas são as mercês que hoje agradeceis à Nossa Senhora da Fátima, quanto mais segura é a confiança que nEla depositais relativamente ao futuro, quanto mais perto de vós a sentis, protegendo-vos com seu manto de luz, tanto mais trágica aparece, pelo contraste, a sorte de tantas nações dilaceradas pela maior calamidade da história.
Temerosa manifestação da Justiça divina! Adoremo-la tremendo; mas não duvidemos da divina Misericórdia, porque o Pai, que está nos ceus, não a esquece nem sequer nos dias da sua ira: Cum iratus fueris, misericordiae recordaberis (Hab. 3, 2).
Hoje, que o quarto ano de guerra amanheceu mais sombrio ainda, num sinistro alastrar do conflito, hoje mais que nunca só nos resta a confiança em Deus e, como Medianeira perante o trono divino, Aquela que um Nosso Predecessor, no primeiro conflito mundial, mandou invocar como Rainha da Paz.
Invoquêmo-la mais uma vez, que só Ela nos pode valer! Ela, cujo Coração materno sé comoveu perante as ruivas que se amontoavam na vossa Pátria e tão maravilhosamente a soccorreu; Ela que condoída na previsão desta imensa desventura, com que a Justiça de Deus penitencia o mundo, já de antemão apontava na oração e na penitência o caminho da salvação, Ela não nos ha de negar a sua ternura materna e a eficácia do seu patrocínio.
Rainha do Santíssimo Rosário, auxílio dos cristãos, refúgio do género humano, vencedora de todas as grandes bathalhas de Deus! ao vosso trono súplices nos prostramos, seguros de conseguir misericórdia e de encontrar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades, não pelos nossos méritos, de que não presumimos, mas unicamente pela imensa bondade do vosso Coração materno.
A Vós, ao vosso Coração Imaculado, Nós como Pai comum da grande família cristã, como Vigário dAquêle a quem foi dado todo o poder no ceu e na terra (Matth. 28, 18), e de quem recebemos a solicitude de quantas almas remidas com o seu sangue povoam o mundo universo, — a Vós, ao vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a Santa Igreja, corpo místico de vosso Jesus, que pena e sangra em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo, dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de sua próprias iniquidades.
Comôvam-Vos tantas ruivas materiais e morais; tantas dores, tantas agonias dos pais, das mães, dos esposos, dos irmãos, das criancinhas inocentes; tantas vidas ceifadas em flor; tantos corpos despedaçados numa horrenda carnificina; tantas almas torturadas e agonizantes, tantas em perigo de se perderem eternamente! Vós, Mãe de misericórdia, impetrai-nos de Deus a paz! e primeiro as graças que podem num momento converter os humanos corações, as graças que preparam, conciliam, asseguram a paz! Rainha da paz, rogai por nós e dai ao mundo em guerra a paz por que os povos suspiram, a paz na verdade, na justiça, na caridade de Cristo. Dai-lhe a paz das armas e das almas, para que na tranquillidade da ordem se dilate o Reino de Deus.
Estendei a vossa protecção aos infieis e a quantos jazem ainda nas sombras da morte; dai-lhes a paz e fazei que lhes ráie o Sol da verdade, e possam connosco, diante do único Salvador do mundo, repetir : Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade! (Luc. 2, 14).
Aos povos pelo erro ou pela discórdia separados, nomeadamente áquêles que Vos professam singular devoção, onde não havia casa que não ostentasse a vossa veneranda icone (hoje talvez escondida e reservada para melhores dias), dai-lhes a paz e reconduzi-os ao único redil de Cristo, sob o único e verdadeiro Pastor.
Obtende paz e liberdade completa à Igreja santa de Deus; sustai o dilúvio inundante de neo-paganismo, todo matéria; e fomentai nos fiéis o amor da pureza, a prática da vida cristã e o zelo apostólico, para que o povo dos que servem a Deus, aumente em mérito e em número.
Enfim como ao Coração do vosso Jesus foram consagrados a Igreja e todo o género humano, para que, colocando nEle todas as suas esperanças, lhes fôsse sinal e penhor de vitória e salvação (cfr. Litt. Enc. Annum Sacrum : Acta Leonis XIII vol. 19 pag. 79), assim desde hoje Vos sejam perpetuamente consagrados também a Vós e ao vosso Coração Imaculado, ó Mãe nossa e Rainha do mundo : para que o vosso amor e patrocínio apresse o triunfo do Reino de Deus, e todas as gerações humanas, pacificadas entre si e com Deus, a Vós proclamem bem-aventurada; e convosco entoem, de um polo ao outro da terra, o eterno Magnificat de glória, amor, reconhecimento ao Coração de Jesus, onde só podem encontrar a Verdade, a Vida e a Paz.
Na esperança de que estas Nossas súplicas e votos sejam favoravelmente acolhidos pela divina Bondade, a vós, dilecto Cardeal Patriarca e veneráveis Irmãos, e ao vosso Clero, para que a graça do alto fecunde cada vez mais o vosso zelo; ao Exc.mo Presidente da República, ao ilustre Chefe e aos membros do Governo e mais Autoridades civis, para que o Ceu nesta hora singularmente grave e difícil continue a assisti-los na sua actividade em prol do bem comum e da paz; a todos os Nossos amados Filhos de Portugal continental, insular e ultramarino, para que a Virgem Senhora confirme o bem que em vós se ha dignado operar; a todos e cada um dos Portugueses, como penhor das graças celestes, damos com todo o amor e carinho paterno a Bénção Apostólica.
(*) Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. IV, pág. 253-262.
Copyright © Libreria Editrice Vaticana
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana