RADIOMENSAGEM DO PAPA PIO XII
AO VI CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL DO BRASIL (*)
Sábado, 15 de Agosto de 1953
Veneráveis Irmãos e amados Filhos.
Que de todo o católico Brasil convergistes para a cidade de Belém do Pará, e aí sob os auspícios de Nossa Senhora de Nazaré, nêste luminoso dia da sua gloriosa Assunção ao céu, tributais ao Deus da Eucaristia, « fruto do seio imaculado da Virgem puríssima », as vossas homenagens de fé e adoração, de amor e desagravo, de fidelidade e devoção inalterável.
Nesta hora solene, Nós, aí, presente em vosso meio na pessoa do Nosso digníssimo Legado e contemplando em espírito o magnífico exemplo que dais ao mundo, subimos com o pensamento após a Virgen triunfante, até à Jerusalém celeste o contemplamos o espectáculo bem mais deslumbrante que viu o Evangelista-profeta: o Cordeiro de Deus exaltado no seu trono e à volta dêle, com as jerarquias angélicas, a multidão inumerável dos escolhidos de todas as tribos e línguas e povos e nações, que por êle e com êle, irmanados numa só família, adoram e amam, bendizem e glorificam, como endeusados na sua infinita bem-aventurança, a Majestade do Eterno (cfr. Apoc. 7, 9-12).
Jerusalém celeste, ditosa visão de paz e amor, eterna, inalteravel, beatificante!
Imagem, preparação, prelúdio daquela divina e eterna visão é o espectáculo que vós hoje ofereceis unidos na sagrada mesa, ou concentrados em intima adoração à volta do trono eucarístico ; mas deve-o ser e é, primeiro e em proporções imensamente mais grandiosas, a Santa Igreja católica; a qual, embora espalhada por todo o mundo, é uma sempre na fé e no amor da divina Eucaristia. Multipliquem-se os altares, é sempre uma e a mesma Vítima divina que se imola duzentas ou trezentas mil vezes por dia em toda a redondeza da terra; multiplique-se igualmente a sagrada mesa, é sempre um e o mesmo manjar divino, que todos comungam, e a todos, sejam êles milhões, coaduna num só Corpo místico de Cristo. Por isso pôde dizer o génio de S. Agostinho, que a sagrada Eucaristia é, finalmente, a sociedade dos escolhidos, porque a simboliza, a prepara e a forma (August. in Ioann. Ev. tract. XXVI n. 15-17 - Migne PL, t. 35 col. 1614).
Com efeito, a Eucaristia, êste mistério de mistérios e «o milagre máximo » do infinito amor de Cristo — vós o meditastes nêstes dias do vosso sexto Congresso Nacional, — a Eucaristia instituiu-a Jesus principalmente, para que fosse como o coração da Igreja:
o centro para onde convergem e onde se fundem num só corpo e numa só alma os fiéis espalhados em todas as latitudes do globo, e a fonte perene donde todos haurem a seiva nutriente da mesma vida divina. É Ele próprio que solenemente o assegura com toda a certeza da sua palavra infalível e omnipotente. « O meu Corpo é verdadeiramente manjar e o meu Sangue é verdadeiramente bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue, permanece em mim e eu nêle» (Io. 6, 56-57). E era depois de primeira comunhão, instituida e distribuida por suas mãos divinas, que formulava o seu preceito novo : — Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei a vós —; era então que formulava, Sacerdote eterno, o voto supremo do seu amor : — Pai santo, guarda em teu nome os que me deste, para que sejam um, como nós somos um —. E não só os presentes, mas quantos pelos séculos fora hão de crer em mim: que todos sejam um, como tu, ó Pai, em mim e eu em ti, que também êles sejam um em nós,... com perfeitíssima e constante unidade — (cfr. Io. 13, 34; 17, 11. 20-23).
Ó mistério da divina, infinita piedade! ó sinal e sêlo eficaz da unidade! ó vínculo da caridade, símbolo de paz e concórdia! (August. in Ioann. Ev. tract. XXVI n. 13 - Migne PL, t. 35 col. 1613 - Conc. Trid. Sess. XIII c. 8). Uma única e a mesma Vítima a adorar em todos os altares; um só e o mesmo divino manjar servido por toda a parte na sagrada mesa; e todos, sem distinção de estirpes ou nacionalidades, de condições ou classes sociais, todos igualmente convidados a crer, a adorar, a comungar, para serem todos igualmente concorpóreos e consanguíneos seus, todos elevados à mesma soberana nobreza, divinae consortes naturae (Chrysost. in Ioann. hom. XLVI n. 3 - Migne PG, t. 59 col. 261. Cyrill. Hier. Catech. XXII n. 3 - Migne PG, t. 33 col. IIoo - Cfr. 2 Petr. 1, 4); - a fim de que todos se sintam mais que irmãos, membros de um mesmo Corpo místico de Cristo, amando-se uns aos outros afectiva e efectivamente, como ao, próprio Cristo (cfr. Chrysost. in I Cor. hom. XXIV n. 2 - Migne PG, t. 61 col. 200).
E se há obstáculos que superar, interesses opostos, antagonismos, paixões que produzem a desunião, o amor de Jesus-Eucaristia e a graça omnipotente que dela promana, « a quem a recebe, não só materialmente, nota S. Agostinho, mas espiritualmente, mas frutuosamente », saberá enfim nivelar, desfazer, vencer as dificuldades e cimentar a paz e concórdia.
Por isso Jesus, Amor eucarístico, não hesita em propôr aos seus já nêste mundo in maligno positus, como ideal da caridade de Deus e do próximo que os deve unir, a unidade da Trindade beatíssima! É que Ele, instituindo a divina Eucaristia, quis fazer da nossa terra, sôbre que pesa a maldição da culpa, mais que uma imagem do céu, um paraíso antecipado
Sentiam-no admiravelmente os primeiros fiéis, que sempre na celebração do Santo Sacrifício frequentavam a Eucaristia, e por isso se amavam e auxiliavam mutuamente, a ponto de porem os bens em comum, como membros da mesma familia, e mais ainda, como quem era « um só coração e uma só alma » diz o historiador inspirado (Act. 4, 32). Por isso oravam ao darem graças : « Como o pão destas partículas, de espalhado que estava sôbre os montes, se reuniu e fez um, assim se reuna dos confins da terra, ó Senhor, a vossa Igreja no vosso Reino » (Didache IX, 4). Por isso ainda a téssera mais certa e mais firme da caridade cristã era a Eucaristia, que se mandava aos ausentes, e que as diversas comunidades se enviavam mutuamente (Iustin. Apol. I n. 65 - Migne PG, t. 6 col. 428. Euseb. Hist. Eccl. 1. V c. 24 - Migne PG, t. 20 col. 505-508). Por isso finalmente estranhava tanto o apóstolo S. Paulo a alguns dos fiéis de Corinto que introduzissem distinções sociais á Mesa do Senhor nas suas ágapes (1Cor. 11, 17-21).
Mas para que ir tão longe buscar exemplos, quando os tendes tão eloqüentes nos fastos ecclesiásticos do Brasil?
O Brasil, não nasceu êle e foi baptizado « Terra de Santa Cruz » ao pé do altar à volta de Jesus Sacramentado, que os aborígenes adoram antes de o conhecerem, imitando simplesmente e confraternizando com os primeiros descobridores?
Não foi a devoção a Jesus Sacramentado a que mais contribuiu para conservar a robustecer a fé nas povoações formadas e para a dilatar nas numerosas Missões que por séculos constelaram a Pátria brasileira?
Aí mesmo nas imensas regiões da Amazónia, das quais a cidade de Belém é capital e porta, qual foi o meio mais eficaz para atrair à fé os aborígenes e unis os corações dêles entre si e com os construtores da grande Nação? Não foram as Confrarias, primeira e mais eficaz a do Santíssimo Sacramento, erigida em todas as povoações existentes ou que houvessem de se formar, como decretava por 1660 um dos vossos maiores missionários, o grande P. António Vieira? (Visita inédita de Vieira, publicada por Serafim Leite S. I., Hist. da Comp. de Jesus no Brasil, t. IV [Rio de Janeiro 1943], 114).
E quando numa hora difícil da vossa história, a invasão de armas estrangeiras, ervadas de heresia, ameaçava a unidade e mais ainda a integridade da fé católica, não foi principalmente a devoção à divina Eucaristia, aliada à da Virgem SSma, que uniu os ânimos para a vitória?
Amados Filhos!
Se recordamos êstes particulares, que vós certamente meditastes durante o Congresso, é primeiro que tudo, para bendizermos a divina Caridade latente na Eucaristia e que tão luminosamente se manifesta nos seus frutos; é depois para Nos congratularmos paternamente convosco, que, animados de viva fé, fazeis de Jesus Sacramentado o centro e a fonte da vossa piedade; mas é também e sobretudo para vos exortarmos a que saibais haurir do Sacrário sempre novas energias para um ardente e operoso apostolado.
Hoje, como e mais, talvez, que em nenhuma das grandes crises da história, muitas forças inimigas ameaçam a paz etendem a destruir a união internacional, nacional, social, familiar, individual, combatendo a unidade da fé, a pureza e santidade da moral, a seriedade e ilibadez dos costumes, a estabilidade e a concórdia da família, enfim a própria vida cristianas suas bases.
Seja-vos Jesus na Eucaristia, como no passado e mais ainda, fonte constante de graças e energias, para não vos deixardes arrastar pela torrente de erros e vícios que alaga o mundo. Faça das vossas associações e das vossas famílias cópias vivas da Casa de Nazaré. Inspire-vos e sustente o zêlo do vosso apostolado, para que toda a grande família brasileira, unida em verdadeira paz, ordem e progresso e modelando-se pela Sagrada Família, se mostre digna de que sobre ela reine e espanda toda a munificência e carinhos de soberana Rainha e Mãe, Nossa Senhora de Nazaré, hoje solenemente coroada.
Em seu nome e em nome do Rei divino oculto sob os véus eucarísticos, como penhor das melhores bénçãos do céu, a vós, às vossas famílias e a toda a vossa grande Pátria, damos com todo o afecto da Nossa alma a Bénção Apostólica.
(*) Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol XV, pág. 235-241
Copyright © Libreria Editrice Vaticana
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana