Ao Senhor Jacques Diouf
Director-Geral da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
1. A celebração anual do Dia Mundial da Alimentação constitui uma ocasião para traçar um balanço dos resultados alcançados pelas múltiplas actividades da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em vista de garantir a muitos dos nossos irmãos e irmãs no mundo a alimentação quotidiana. Ela é também uma ocasião para recordar as dificuldades que se encontram, quando faltam atitudes de dever caracterizadas pela solidariedade.
Com efeito, demasiadas vezes a atenção é desviada das necessidades das populações, não se dá a justa relevância ao trabalho dos campos e falta o cuidado adequado pelos bens da terra. É assim que se criam desequilíbrios económicos e são ignorados a dignidade e os direitos inalienáveis de cada pessoa.
O tema deste Dia, Unidos contra a fome, é mais apropriado do que nunca para recordar que é necessário o compromisso de cada um para dar ao sector agrícola a sua justa importância. Cada um — desde os indivíduos até às organizações da sociedade civil, aos Estados e às Instituições internacionais — deve dar prioridade a uma das finalidades mais importantes para a família humana: libertar-se da fome. Para alcançar esta liberdade é necessário assegurar não apenas que haja a disponibilidade suficiente de alimentos, mas também que cada qual tenha acesso quotidiano aos mesmos: isto significa promover meios e recursos necessários para sustentar uma produção e uma distribuição que favoreçam o pleno usufruto do direito à alimentação.
Sem dúvida, os esforços em vista de atingir esta finalidade hão-de ajudar a realizar a unidade da família humana no mundo. São necessárias iniciativas concretas, inspiradas pela caridade e pela verdade — iniciativas capazes de fazer face aos obstáculos naturais ligados aos ciclos das estações ou às condições ambientais, assim como os obstáculos determinados pela obra do homem. Se for praticada à luz da verdade, a caridade pode levar a superar divisões e conflitos, até fazer circular os bens da criação de um povo para o outro, como num intenso intercâmbio.
Um importante passo em frente foi a recente decisão da Comunidade internacional a respeito da tutela do direito à água que, como a FAO sempre afirmou, é essencial para a nutrição humana, para os trabalhos rurais e para a conservação da natureza. Com efeito, como o meu Venerado Predecessor, Papa João Paulo II observou na Mensagem para o XXII Dia Mundial da Alimentação, diversas religiões e culturas reconhecem um valor simbólico à água, da qual «brota um convite para adquirir a plena consciência da importância deste recurso precioso e, por conseguinte, para rever os actuais parâmetros de comportamento, com vista a garantir, tanto no presente como no futuro, que todas as pessoas tenham acesso à água que é indispensável para as suas necessidades, e que as actividades de produção e, de maneira particular, relacionadas com a agricultura, possam dispor de níveis adequados deste recurso inestimável, da água gratuita» (Mensagem para o Dia Mundial da Alimentação, 13 de Outubro de 2002).
2. Se a comunidade internacional tenciona estar realmente «unida» contra a fome, a pobreza deve ser superada através de um autêntico desenvolvimento humano, fundado sobre a ideia de pessoa como unidade de corpo, alma e espírito. Hoje, ao contrário, existe a tendência a limitar a visão do desenvolvimento à satisfação das necessidades materiais da pessoa, sobretudo através do acesso à tecnologia; um desenvolvimento autêntico não é simplesmente uma função daquilo que uma pessoa «possui», mas deve abrir-se aos valores mais elevados da fraternidade, da solidariedade e do bem comum.
Diante das pressões da globalização e sob a influência de interesses que muitas vezes permanecem fragmentados, torna-se sábio propor um modelo de desenvolvimento fundado sobre a fraternidade: se ele se for inspirado pela solidariedade e orientado para o bem comum, será capaz de propor emendamentos para a crise mundial em curso. Para sustentar imediatamente os níveis de segurança alimentar, há que pensar em financiamentos adequados para a agricultura, capazes de reabilitar os ciclos de produção, também diante do pioramento das condições climáticas e ambientais. É preciso recordar que estas condições têm um forte impacto negativo sobre as populações rurais, sobre as culturas e sobre os sistemas de trabalho, especialmente nos países já provados pela carência de alimentos de base. Os países mais desenvolvidos devem estar conscientes de que as crescentes necessidades mundiais exigem uma contribuição consistente da sua parte. Não podem permanecer fechados em relação aos outros: esta atitude não contribuiria para fazer superar a crise.
Neste percurso, a FAO tem a tarefa indispensável de examinar a questão da fome mundial a nível institucional e propor iniciativas particulares que empenhem os seus Estados membros a dar uma resposta à crescente exigência de alimentos. Com efeito, as nações do mundo são chamadas a dar e a receber em proporção às suas necessidades concretas, em função daquela «urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados» (Caritas in veritate, 49).
3. A recente meritória campanha «1 billion hungry», através da qual a FAO procura fazer aumentar a consciência a respeito da urgência da luta contra a fome, pôs em evidência a necessidade de uma resposta adequada, tanto da parte dos países individualmente como da parte da comunidade internacional, também quando a resposta é limitada à assistência ou à ajuda de emergência. Eis por que motivo uma reforma das instituições internacionais, estruturada segundo o princípio de subsidiariedade, se torna essencial, uma vez que «as instituições sozinhas não bastam, porque o desenvolvimento humano integral é primariamente vocação e, por conseguinte, exige uma livre e solidária assunção de responsabilidade por parte de todos» (Ibid., n. 11).
Para eliminar a fome e subalimentação, é necessário superar as barreiras do egoísmo, de maneira a deixar espaço a uma fecunda gratuidade, que deve manifestar-se na cooperação internacional, como plena expressão da fraternidade. Isto não exclui a justiça, e é importante que as regras estabelecidas sejam respeitadas e aplicadas, assim como os planos de intervenção e os programas de acção que se tornam necessários. Cada pessoa, povo ou país deve ter a possibilidade de ser protagonista do seu próprio desenvolvimento, utilizando as contribuições externas segundo as prioridades e as concepções que encontram raiz nas técnicas tradicionais, na cultura, no património religioso e na sabedoria transmitida de geração em geração no interior da família.
Ao invocar a Bênção do Altíssimo sobre os trabalhos da FAO, reitero a Vossa Excelência, Senhor Director-Geral, que a Igreja está sempre pronta a empenhar-se para debelar a fome. A Igreja está constantemente em acção, através das suas estruturas, para aliviar as condições de miséria em que se encontra uma boa parte da população mundial, perfeitamente consciente de que o seu compromisso neste campo faz parte de um esforço comum internacional para promover a unidade e a paz da Comunidade dos povos.
Vaticano, 15 de Outubro de 2010.
BENEDICTUS PP. XVI
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