Sábado, 8 de Novembro de 2008
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Amados irmãos e irmãs
Estou feliz por vos receber, por ocasião do Congresso sobre "A herança do magistério de Pio XII e o Concílio Vaticano II", promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense, juntamente com a Pontifícia Universidade Gregoriana. Trata-se de um Congresso importante pelo tema que enfrenta e pelas pessoas eruditas, provenientes de várias nações, que nele participam. Ao dirigir a cada um de vós a minha cordial saudação, agradeço de modo particular a D. Rino Fisichella, Reitor da Universidade Lateranense, e ao Pe. Gianfranco Ghirlanda, Reitor da Universidade Gregoriana, as amáveis expressões com que interpretaram os sentimentos comuns.
Apreciei o tema exigente sobre o qual concentrastes a vossa atenção. Nos últimos anos, quando se falou de Pio XII, a atenção concentrou-se de modo excessivo numa única problemática, de resto abordada de maneira bastante unilateral. À parte qualquer outra consideração, isto impediu uma adequada aproximação de uma figura de grande consistência histórico-teológica, como é a do Papa Pio XII. O conjunto da imponente actividade levada a cabo por este Pontífice e, de modo totalmente especial, o seu magistério sobre o qual reflectistes durante estes dias, constituem uma prova eloquente daquilo que acabei de afirmar. Com efeito, o seu magistério qualifica-se pela vasta e benéfica amplidão, assim como pela sua extraordinária qualidade, de tal forma que se pode dizer que ele constitui uma preciosa herança que a Igreja valorizoue continua a valorizar.
Falei de "vasta e benéfica amplidão" deste magistério. É suficiente recordar, a este propósito, as Encíclicas e os numerosíssimos discursos e radiomensagens contidos nos vinte volumes dos seus "Ensinamentos?". Ele publicou mais de quarenta Encíclicas. Entre elas, sobressai a "Mystici Corporis", na qual o Papa enfrenta o tema da verdadeira e íntima natureza da Igreja. Com profundidade de investigação, ele esclarece a nossa íntima união ontológica com Cristo e nele, por Ele e com Ele com todos os outros fiéis animados pelo seu Espírito, que se alimentam do seu seu Corpo e, nele transformados, lhe permitem continuar a difundir pelo mundo a sua obra salvífica. Intimamente ligadas à "Mystici Corporis" há outras duas Encíclicas: a "Divino afflante Spiritu", sobre a Sagrada Escritura, e a "Mediator Dei", a respeito da sagrada Liturgia, nas quais são apresentadas as suas fontes nas quais devem sempre beber aqueles que pertencem a Cristo, Cabeça do Corpo místico que é a Igreja.
Neste contexto de grande profundidade, Pio XII abordou as várias categorias de pessoas que, por vontade do Senhor, fazem parte da Igreja, apesar das diferentes vocações e tarefas: os sacerdotes, os religiosos e os leigos. Deste modo, ele emanou sábias normas sobre a formação dos sacerdotes, que se devem distinguir pelo amor pessoal a Cristo, pela simplicidade e pela sobriedade de vida, bem como pela lealdade aos respectivos Bispos e pela disponibilidade àqueles que são confiados aos seus cuidados pastorais. Além disso, na Encíclica "Sacra Virginitas" e em outros documentos a respeito da vida religiosa, Pio XII esclareceu a excelência do "dom" que Deus concede a certas pessoas, convidando-as a consagrar-se totalmente ao seu serviço e ao do próximo na Igreja. Nesta perspectiva, o Papa insiste vigorosamente sobre o retorno ao Evangelho e ao carisma autêntico dos Fundadores e das Fundadoras das várias Ordens e Congregações religiosas, supondo também a necessidade de algumas reformas sadias. Depois, foram numerosas as ocasiões em que Pio XII discorreu sobre a responsabilidade dos leigos na Igreja, aproveitando em particular os importantes Congressos internacionais dedicados a estas temáticas. E enfrentava de bom grado os problemas de cada uma das profissões, indicando por exemplo os deveres dos juízes, dos advogados, dos agentes sociais e dos médicos: a estes últimos, o Sumo Pontífice dedicou numerosos discursos, explicando as normas deontológicas que eles devem respeitar na sua actividade. Além disso, na Encíclica "Miranda prorsus" o Papa reflectiu sobre a grande importância dos modernos meios de comunicação, que de modo cada vez mais determinante iam influenciando a opinião pública. Precisamente por isso o Sumo Pontífice, que valorizou ao máximo a nova invenção da Rádio, salientava o dever dos jornalistas de transmitir informações verdadeiras, e no respeito pelas normas morais.
Pio XII dirigiu a sua atenção também às ciências e aos extraordinários progressos por elas alcançados. Não obstante admirasse as conquistas atingidas em tais campos, o Papa não deixava de alertar contra os riscos que uma investigação não atenta aos valores morais podia comportar. É suficiente um só exemplo: permaneceu famoso o discurso por ele pronunciado a respeito da conquista da cisão dos átomos; porém, com extraordinária clarividência, o Papa admoestava acerca da necessidade de impedir a todo o custo que estes geniais progressos científicos fossem utilizados para a construção de armas mortíferas, que poderiam provocar catástrofes imanes e até a total destruição da humanidade. De resto, como deixar de recordar os longos e inspirados discursos relativos ao almejado ordenamento da sociedade civil, nacional e internacional, para o qual ele indicava como fundamento imprescindível a justiça, verdadeiro pressuposto para uma convivência pacífica entre os povos: "opus iustitiae pax!". Igualmente meritório de menção especial é o ensinamento mariológico de Pio XII, que alcançou o seu ápice na proclamação do dogma da Assunção de Maria Santíssima, através do qual o Santo Padre tencionava pôr em evidência a dimensão escatológica da nossa existência e, outrossim, exaltar a dignidade da mulher.
O que dizer da qualidade do ensinamento de Pio XII? Ele era contrário às improvisações: escrevia cada um dos seus discursos com a máxima atenção, reflectindo sobre cada frase e cada palavra, antes de a pronunciar em público. Estudava atentamente as várias questões e tinha o hábito de pedir conselho a especialistas eminentes, quando se tratava de temas que exigiam uma competência particular. Pela sua natureza e índole, Pio XII era um homem comedido e realista, alheio a optimismos fáceis, mas era igualmente ao perigo do pessimismo que se não condiz com o crente. Aborrecia as polémicas estéreis e tinha profunda desconfiança em relação ao fanatismo e ao sentimentalismo.
Estas suas atitudes interiores ilustram o valor e a profundidade, assim como a garantia do seu ensinamento, e explicam a adesão confiante que lhe era reservada não somente pelos fiéis, mas também por muitas pessoas que não pertenciam à Igreja. Considerando a grande amplidão e a elevada qualidade do magistério de Pio XII, é espontâneo perguntar como conseguiu ele realizar tanto, embora tivesse que se dedicar às numerosas tarefas ligadas ao seu ofício de Sumo Pontífice: o governo quotidiano da Igreja, as nomeações e as visitas dos Bispos, as visitas de Chefes de Estado e de diplomatas, as inúmeras audiências concedidas a pessoas particulares e a grupos muito diversificados.
Todos reconhecem a Pio XII uma inteligência ímpar, uma memória de ferro, uma singular familiaridade com as línguas estrangeiras e uma sensibilidade notável. Afirmava-se que ele era um diplomata completo, um jurista eminente e um teólogo excelente. Isto é verdade, mas isso não explica tudo. Nele havia, igualmente, o esforço contínuo e a vontade firme de se entregar a Deus sem se poupar e sem consideração pela sua saúde frágil. Esta foi a verdadeira razão do seu comportamento: tudo nascia do amor pelo seu Senhor Jesus Cristo e do amor pela sua Igreja e pela humanidade. Efectivamente, ele era antes de tudo um sacerdote em constante e íntima união com Deus, um sacerdote que encontrava a força para o seu enorme trabalho em longas pausas de oração diante do Santíssimo Sacramento, em diálogo silencioso com o seu Criador e Redentor. Era dali que hauria origem e impulso o seu magistério, bem como todas as suas outras actividades.
Portanto, não deve surpreender o facto de que ainda hoje o seu ensinamento continua a difundir luz na Igreja. Já transcorreram cinquenta anos da sua morte, mas o seu multiforme e fecundo magistério representa também para os cristãos de hoje um valor inestimável. Sem dúvida a Igreja, Corpo místico de Cristo, é um organismo vivo e vital, não entrincheirado de modo imóvel naquilo que era há cinquenta anos. Mas o desenvolvimento verifica-se na coerência. Por isso, a herança do magistério de Pio XII foi recolhida pelo Concílio Vaticano II e proposta novamente às sucessivas gerações cristãs. Sabe-se que nas intervenções orais e escritas, apresentadas pelos Padres do Concílio Vaticano II existem muito mais de mil referências ao magistério de Pio XII. Nem todos os documentos do Concílio contêm uma estrutura de Notas, mas nos documentos que a têm o nome de Pio XII aparece mais de duzentas vezes. Isto quer dizer que, com excepção da Sagrada Escritura, este Papa constitui a fonte mais influente citada com mais frequência. Além disso, sabe-se também que as notas acrescentadas a tais documentos não são, em geral, simples citações explicativas, mas não raro constituem verdadeiras partes integrantes dos textos conciliares; não oferecem apenas justificações que corroboram quanto se afirma no texto, mas oferecem uma sua chave interpretativa.
Por conseguinte, podemos dizer que, na pessoa do Sumo Pontífice Pio XII, o Senhor ofereceu à sua Igreja um dom extraordinário, pelo qual todos nós lhe devemos estar gratos. Portanto, renovo a expressão do meu apreço pelo importante trabalho por vós realizado na preparação e no desenvolvimento deste Congresso internacional sobre o magistério de Pio XII e faço votos para que se continue a reflectir sobre a preciosa herança deixada à Igreja pelo Pontífice imortal, em vista de tirar daí aplicações profícuas para as problemáticas hoje emergentes. Com estes bons votos, enquanto invoco sobre o vosso compromisso a ajuda do Senhor, de coração concedo a cada um a minha Bênção.
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