DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS REPRESENTANTES DE DOZE
CONFEDERAÇÕES SINDICAIS INTERNACIONAIS
Terça-feira, 9 de Fevereiro de 2010
Senhoras e Senhores
Caros amigos
1. Foi com gosto que desejei satisfazer o pedido, logo que ele foi apresentado à minha atenção, de um encontro convosco, responsáveis por vários sindicatos reunidos em Roma com o fim de comunicar a vossa solicitude pela Polónia nesta hora em que muitos dos vossos colegas, os trabalhadores e a população inteira sofrem lá provas muito graves. O vosso porta-voz exprimiu os sentimentos de solidariedade que vos animam quanto à minha pátria. Estou-vos por isso reconhecido. Em vós saúdo todos os trabalhadores que, unidos nas suas associações livres, procuram oferecer a própria contribuição, não só ao estabelecimento de dignas condições de trabalho, mas também à consecução de uma sociedade justa, fundando eles a actividade num conceito do trabalho humano a corresponder à verdade sobre o homem. A vossa presença aqui, testemunha o compromisso tomado em favor da dignidade do trabalho humano; testemunha também a solidariedade que vos anima para com todos os trabalhadores, especialmente para com os trabalhadores polacos que procuram uma sorte melhor, respeitando o homem e os seus direitos inalienáveis. O meu pensamento volta-se de modo especial para aqueles e aquelas que, na Polónia, foram duramente atingidos em consequência das medidas oficiais impostas há quase dois meses: os que perderam a vida, os que foram feridos, os que estão presos e detidos, os que são julgados e severamente castigados, e os que perdem o emprego por causa das suas convicções. Todos e todas estão presentes aos nossos espíritos e aos nossos corações, como estão presentes também aqueles e aquelas que, no meio de graves dificuldades, conservam a esperança e se mantêm fiéis à vontade de procurar para a Polónia o caminho da justiça, dos direitos do homem, da paz e da verdade.
2. Fizestes referência à vossa participação, há vários meses, no primeiro congresso da associação "Solidarnosc" em Gdansk. Entre vós, há mesmo alguns membros desta associação. E recordáveis também que há um ano me encontrei, aqui mesmo, com o Senhor Lech Walesa e outros representantes do sindicato independente e autónomo "Solidarnosc". Nesse encontro estava presente o Chefe da Delegação do Governo da República Popular da Polónia para os contactos permanentes de trabalho com a Santa Sé. Exprimi então a minha alegria por saber que, a 10 de Novembro de 1980, o estatuto do Sindicato livre "Solidarnosc" tinha sido aprovado e portanto que a legitimidade da existência e das actividades específicos deste sindicato estava reconhecida. Nessa feliz ocasião, que em si continha tantas promessas, pude afirmar: "A criação do sindicato livre é acontecimento de grande importância. Manifesta a pronta disponibilidade de todos os homens do trabalho na Polónia — os quais exercem diferentes profissões, compreendendo as relacionadas com o trabalho intelectual e também com os agricultores —, manifesta a disponibilidade para tomarem uma responsabilidade solidária junto dos diferentes ramos de actividade tão numerosos, para a dignidade e a rentabilidade do trabalho realizado na nossa terra natal. Ela mostra além disso que não há — porque não deve haver — contradição entre tal iniciativa autónoma social tomada por homens do trabalho e a estrutura do sistema que apela para o trabalho humano como para valor fundamental da vida da sociedade e do Estado" (15 de Janeiro de 1981). Ninguém deixou de notar que o sindicato livre "Solidarnosc" nasceu num momento dificílimo para a Polónia, por um lado como manifestação do sentido de responsabilidade dos trabalhadores e do desejo de assumirem as responsabilidades especificas que derivam do trabalho, e, por outro lado, como expressão de uma solicitude real para o bem comum de toda a sociedade. As esperanças momentaneamente enganadas, as dificuldades e barreiras que lhes são criadas, e as duras restrições impostas a diversas liberdades, não só aos membros de "Solidarnosc" mas a toda a população, não podem levar a esquecer que este sindicato adquiriu, e continua a possuir, o carácter de uma autêntica representação dos trabalhadores, reconhecida e confirmada pelos órgãos do poder. É, e continua a ser, um sindicato autónomo e independente, fiel à sua inspiração inicial, recusando a violência mesmo hoje, na situação difícil que ele vive, preocupado com ser uma força construtiva para a nação.
3. Ninguém está melhor colocado que vós, Senhoras e Senhores, para ver como os problemas de "Solidarnosc" não são hoje assunto unicamente da Polónia, mas, nas suas fontes e nos seus efeitos, assunto do mundo do trabalho no seu conjunto. Vós todos, e particularmente vós que pertenceis a sindicatos de inspiração cristã, sabeis como a Igreja sempre proclamou o direito de livre associação em nome da dignidade do trabalho humano. Como o sublinhei na minha encíclica Laborem exercens, "é como pessoa que o homem é sujeito do trabalho. É como pessoa que ele trabalha e realiza diversas acções que fazem parte do processo do trabalho; estas, independentemente do seu conteúdo objectivo, devem servir todas para a realização da sua humanidade e para o cumprimento da vocação a ser pessoa, que lhe é própria em razão da sua mesma humanidade" (n. 6). O trabalho possui valor ético ligado ao facto de, aquele que o executa, ser pessoa consciente e livre, sujeito que decide de si mesmo e por si mesmo. Pelo seu trabalho, o homem produz coisas, cria os meios de produção — o capital — e transforma as riquezas da natureza, mas, em última análise, trabalha sempre para realizar a sua humanidade, para se tornar mais humano, para ser mais homem, consciente e senhor do seu destino. Deve manter-se portanto senhor do seu trabalho. Por este motivo, o homem tem a responsabilidade — e o direito — de proteger a dimensão subjectiva do trabalho; deve assegurar que poderá trabalhar "como próprio", isto é para si, para a sua humanidade. Tal é o seu direito por causa da doutrina mesma do trabalho, e este direito deveria encontrar lugar central em toda a organização do mundo do trabalho, na esfera da politica social e económica, como entre os objectivos pretendidos pelas associações de trabalhadores.
Desta verdade provém, entre outros, o direito de os trabalhadores se unirem para assegurar que ficam sendo sujeitos do trabalho, para salvaguardar todos os direitos que derivam do trabalho. O homem no trabalho não pode escapar à necessidade de defender, ele próprio, a verdadeira dignidade do seu trabalho: também não pode ser impedido de exercer esta responsabilidade. Unindo-se livremente entre si, os trabalhadores assumem a responsabilidade, que é deles, de defenderem não só os seus interesses vitais, mas também a dignidade mesma do trabalho que está ligada a todas as dimensões da vida humana. Assim, os sindicatos têm em vista os justos direitos dos trabalhadores segundo as diversas profissões ficando ligados igualmente pelo cuidado do bem comum. Na defesa da verdade do trabalho, os sindicatos revestem uma função especifica que não é politica no sentido da busca do poder politico na sociedade, mas adquire importância social geral.
É sobre a base destas considerações que a Igreja reivindicou para os trabalhadores o direito de se constituírem em associações independentes e autogeridas; foi o que fez na Rerum novarum (cf. rm. 21, 22), passando pela Quadragesimo anno (cf. n. 11), até chegar à minha recente carta encíclica Laborem exercens (cf. n. 20). O ensinamento da Igreja não pode ser diferente, porque se trata de um direito inerente ao trabalho humano. A sua doutrina social deve ser em toda a parte igualmente consistente e aceitável: o que ela propõe sobre o trabalho humano, sobre os direitos do homem e em particular do homem ao trabalho, assume a mesma importância e o mesmo valor para todas as situações e para todos os países.
4. Mostra isto toda a significação que revestem os actos pelos quais os sindicatos livres exprimem a própria solidariedade com os trabalhadores polacos, assim como o gesto que realizastes vindo aqui, na vossa qualidade de representantes de sindicatos livres, para exprimir o vosso apoio ao sindicato "Solidarnosc". Convosco, e com muitos outros, eu mesmo vivo a situação actual na Polónia, como acontecimento profundamente triste. Convosco estou convencido de que a restituição do respeito efectivo e total dos direitos dos homens do trabalho, e particularmente do seu direito a um sindicato já criado e legalizado, constitui o caminho único para sair desta situação difícil. Sem este respeito dos direitos do homem, a normalização da vida em sociedade, o desenvolvimento da vida económica e a salvaguarda da cultura em todas as suas expressões ficam impossíveis. Sim, verdadeiramente, o trabalho deve ser reconhecido como a chave da vida em sociedade, o trabalho livremente tomado e não imposto pela força, o trabalho com a sua fadiga, mas também com a sua capacidade de tornar o .homem livre e de fazer dele o verdadeiro construtor da sociedade.
Eis aqui, Senhoras e Senhores, o que a vossa visita hoje me inspirou dizer-vos. Uma vez mais vos apresento agradecimentos e peço ao Senhor abençoe com abundância os vossos esforços, as vossas organizações, as vossas pessoas e as vossas famílias.
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