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PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
À ÁSIA ORIENTAL, OCEANIA E AUSTRÁLIA
(25 DE NOVEMBRO A 5 DE DEZEMBRO DE 1970)

DISCURSO DO PAPA PAULO VI
AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA
DOS BISPOS DO SUDESTE ASIÁTICO

Aula Magna da Universidade de St. Tomás
Manila, Filipinas
Sábado, 28 de Novembro de 1970

 

Veneráveis Irmãos,
Bispos das Filipinas
e Bispos da Ásia

Saudamos todos, em Cristo Nosso Senhor!

Saudamos, em primeiro lugar, o Cardeal Rufino Santos, Arcebispo desta Igreja de Manila, que hospeda esta Reunião extraordinária. Mas também a cada um de vós, Irmãos, dirigimos neste momento a saudação da fé e da caridade. As vossas Igrejas e às vossas terras fazemos os Nossos melhores votos, cheios de reverência, de amizade e de paz!

Estamos, finalmente, aqui reunidos. Esta Assembleia enche-Nos a alma de júbilo. Representa uma novidade, mas, em si, corresponde à íntima natureza da Igreja; esta, efectivamente, foi sempre a família dos que crêem em Cristo, « de todas as nações que há debaixo do céu » (Act 2, 5). Apresenta-se à Nossa memória aquele cenário do dia de Pentecostes, e a invocação do Espírito Santo sobe-Nos, espontânea, do coração aos lábios — « Veni Sancte Spiritus! ».

Para passar convosco, em gozo espiritual, este momento, que Nos parece histórico e misterioso, tivemos de empreender uma longa viagem, de Roma até Manila. Fizemo-lo para Nos encontrarmos convosco, para vos conhecer melhor, para honrar esta assembleia, para encorajar os vossos trabalhos, caríssimos Irmãos, e para apoiar as vossas resoluções. Vós sois, por conseguinte, a finalidade da Nossa presença aqui. E, assim, sois naturalmente também o tema das Nossas palavras e, ao virmos a este Continente imenso, o primeiro objecto da Nossa caridade.

Mais do que a novidade e singularidade deste encontro, parecem-Nos merecer a atenção de todos nós, imediatamente, o significado teológico de que ele se reveste e o mistério que realiza: Cristo está aqui! Sim: está aqui em virtude daquele facto, que se repete sempre que se verifica uma reunião em Seu nome (cfr.Mt 18, 20); está aqui, também, em virtude da fé, que O torna hóspede em cada um de nós (cfr. Ef 3, 17); está aqui, ainda, pela intervenção da Nossa humilde pessoa, à qual, como a qualquer ínfimo sucessor de Pedro, compete, por antonomásia, o titulo de Vigário de Cristo; está aqui, finalmente, pelo ministério apostólico que foi confiado a cada um de nós (cfr. Lumen Gentium, n. 21), em consequência daquela relação colegial, que nos une (cfr. Ibid n. 22), a nós, sucessores dos Apóstolos, revestidos do poder não só de representar, mas também de tornar presente a Sua voz e a Sua virtude salvífica (cfr. Mt 28, 19) sobre a terra e no tempo (cfr. Lc 10, 16). Cristo, portanto, está aqui!

Procuremos compreender esta realidade misteriosa, com um acto de fé consciente e forte. É verdadeiramente assim: nós acreditamos, firmemente, que a promessa do Senhor — «...Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (Mt 28, 20) — se realiza aqui, neste momento, històricamente, de modo singular e maravilhoso. Cristo está connosco!

Mas como se realiza essa promessa, neste momento ? — Realiza-se na face da Igreja, que é, ela própria, « sinal e sacramento de Cristo » (cfr. Lumen Gentium, n. 1; H. De Lubac, Méditations sur l'Église, p. 157 ss.), naquela face que parece irradiar, aqui, com luminosa evidência, as notas características da mesma Igreja: una, santa, católica e apostólica. A última destas quatro notas, a apostolicidade, interessa-nos agora de modo particular. Reflictamos, pois, por uns momentos sobre ela.

Todos nós, aqui reunidos, somos continuadores dos Apóstolos, os quais receberam do próprio Cristo o mandato, o poder e o Seu Espírito, para perpetuarem e alargarem a Sua missão. Somos os herdeiros dos Apóstolos; somos Cristo operante na história e no mundo, somos os ministros do governo pastoral da Igreja; somos, além disso, o órgão institucional: « administradores dos mistérios de Deus» (1 Cor 4, 1; cfr. 2 Cor 6, 4; Lumen Gentium, n. 20).

Bem sabeis que o recente Concílio proclamou abertamente esta doutrina, que faz parte da constituição divina e perene da Igreja; e sabeis também que, a respeito dessa doutrina, se levantaram, nos nossos dias, muitas discussões, nem todas úteis para a confirmar e para a esclarecer ulteriormente, como seria para desejar; pelo contrário, algumas vezes, têm servido apenas para a confundir e enfraquecer. Parece-Nos que esta é, para todos nós, uma ocasião propicia para reafirmarmos a nossa sólida adesão à doutrina da apostolicidade da Igreja.

Reparai que esta doutrina da apostolicidade estabelece a permanência e a autenticidade da fundação da Igreja por parte de Cristo; é ela que demarca as fronteiras da comunhão eclesial (cfr. Lc 10, 16; e 11, 23; Unitatis Redintegratio, n. 2); é ela, ainda, que qualifica, com carácter sacramental, as nossas pessoas, em ordem ao ministério que nos foi confiado; que nos insere num só Colégio Apostólico, presidido por Pedro, estabelecendo entre nós vínculos de unidade, de caridade, de paz, de solidariedade e de colaboração; que reivindica a importância e a fidelidade da Tradição e, ao mesmo tempo, demonstra a vitalidade actual e a juventude da Igreja, sempre em renovação; que dá a justificação da sua hierarquia orgânica e da funcionalidade vital do Corpo Místico; que tutela a existência e o exercício dos poderes ministeriais, próprios do Sacerdócio cristão, participante do único Sacerdócio de Cristo; que é a fonte primária autorizada e responsável da actividade missionária (cfr. Ch. Journet, L'Église du Verbe Incarné, II, p. 1208, n. 2). Ela, porém, não faz do Episcopado uma casta privilegiada, porque a sua autoridade não deriva da « base », mas sim de Cristo; faz dele um órgão para o bem, para o serviço de todas as Igrejas particulares e de toda a Igreja Católica, operante por amor, até ao sacrifício (cfr. Christus Dominus, n. 6).

Quisemos recordar-vos tudo isto, Irmãos, para que tenhais confiança ilimitada na assistência de Cristo às vossas pessoas, às vossas canseiras, aos vossos sofrimentos e às vossas esperanças. Deveis ter consciência da vossa vocação, da vossa eleição e da vossa responsabilidade. No íntimo das vossas almas deveis ouvir sempre o eco daquela frase de S. Paulo: «Tomai cuidado convosco e com todo o rebanho de que o Espírito Santo vos constitui administradores, para apascentardes a Igreja de Deus, adquirida por Ele com o Seu próprio Sangue » (Act 20, 28). Portanto, sede fortes e pacientes. Tendes diante de vós um imenso campo de apostolado; bastaria a sua vastidão geográfica e a incomensurável multidão dos seus habitantes para a vossa energia apostólica se sentir estimulada.

Nesta altura, deveríamos olhar de relance para este panorama humano, onde se deve exercer o vosso ministério; mas bem sabemos que, neste campo, já adquiristes conhecimentos teóricos e práticos.

Tendes diante de vós um imenso campo de apostolado! É difícil falar desta Ásia, onde vive mais da metade da humanidade, como de um todo. Podem-se, no entanto, fixar alguns pontos de interesse comum, uma certa igualdade na concepção da vida e uma certa concordância nas aspirações. Jovem pela sua população, mas rica de civilizações, por vezes milenares, a Ásia, nesta altura, sente-se impelida, como que por uma vontade irresistível, a ocupar o lugar que lhe compete no mundo, e a sua influência efectivamente está em contínuo aumento. A atracção da mudança e o desejo de progresso sentem-se presentes em toda a parte; e vemos nisto uma nova oportunidade para o homem de hoje.

É verdade que, salvo nalgumas regiões, como aqui nas Filipinas, a Igreja, na Ásia, apesar da sua já longa história, se encontra representada só por pequenas minorias. Entretanto, quem poderá descrever o alto grau de dedicação heróica e de fé do homem asiático, que nortearam os destinos das missões neste continente, desde os seus alvores? Quem poderá contar as peripécias, frequentemente dolorosas e trágicas — até nos nossos dias — de um apostolado missionário, a que só um apoio vindo do Alto poderia dar força para ser suportado! Devemos tributar a este esforço missionário o testemunho do reconhecimento e o louvor de toda a Igreja. Além disso, a nossa esperança é grande, porque está fundada no mandato do Senhor de ir a todas as nações, e nas promessas enunciadas nas parábolas do grão de mostarda e do fermento na massa (cfr. Lc 13, 18-20).

Limitar-Nos-emos, pois, a mencionar alguns pontos que Nos parecem de capital importância para a vossa missão presente. Nada do que vamos dizer vos é desconhecido; mas esperamos que vos seja grato ter, nas Nossas palavras, a confirmação dos vossos pensamentos e dos vossos propósitos.

A primeira coisa que vos desejamos propor é a seguinte: procuremos tomar como nosso guia os ensinamentos do recente Concílio Ecuménico. Eles sintetizam e ratificam o património da Tradição católica, abrindo perspectivas para uma renovação da Igreja, de acordo com as necessidades e as possibilidades dos tempos modernos. Esta adesão à doutrina do referido Concílio poderá estabelecer uma harmonia magnífica em toda a Igreja. E notemos que esta harmonia multiplica a eficiência da nossa acção pastoral, defendendo-nos dos erros e das fraquezas da nossa época, especialmente no campo da fé. Parece-Nos que é, precisamente, para a defesa e difusão da fé, que se devem orientar a nossa primeira expressão espiritual e o nosso primeiro cuidado pastoral. Nós, Bispos, somos as testemunhas qualificadas e responsáveis da fé. Nós, Bispos, somos os Mestres da fé, os pregadores e os promotores do seu ensino, o que, para nós, constitui uma obrigação primária. Tudo o que fazemos para promover o estudo da fé — a catequese, o conhecimento e a meditação da Palavra de Deus, a cultura e as escolas católicas, a nossa imprensa, o recto uso dos meios de comunicação social, o diálogo ecuménico — situa-se no plano deste dever. Não podemos ficar calados. Não podemos consentir que a verdade e a unidade da fé se percam. Devemos fazer, realmente, com que a fé se torne o princípio originário e operante da vida cristã das nossas comunidades.

Além da afirmação e da ortodoxia da fé, permiti que também recomendemos a oração. Actualmente estamos a assistir à decadência da oração; e bem conheceis as causas deste fenómeno. Dispomos, porém, de dois grandes recursos (embora de ordem diferente) para favorecer a oração: um é a reforma litúrgica, promovida pelo recente Concílio, que não se limitou apenas a renovar as expressões rituais, em conformidade com certas normas tradicionais, mas também reavivou as fontes doutrinais, sacramentais, comunitárias e pastorais da oração eclesiástica. Se quisermos que a oração continue a ser sempre a expressão viva e sincera dos fiéis e a manter, na Igreja, o primado dos valores religiosos, deveremos tirar todo o proveito deste ensinamento providencial.

Outro recurso que favorece a oração é a natural predisposição do espírito asiático. Devemos ter em grande honra e cultivar este inato e profundo sentido religioso, que caracteriza a alma oriental; devemos defender a espiritualidade própria destes povos e impedir que o seu contacto com a moderna civilização profana e materialista acabe por sufocar as profundas aspirações da sua espiritualidade. Estamos certo que a Igreja possui o segredo do verdadeiro colóquio com Deus; compete a vós fazer com que a alma dos vossos fiéis se disponha a ouvir a Palavra misteriosa e autêntica de Deus e a aceitar a expressão intensa e filial do diálogo religioso; foi Cristo quem nos autorizou e é o seu Espírito quem nos habilita a mantermos este diálogo com o Pai Celeste.

Ainda a este propósito, apresenta-se outro problema, que diz respeito não só à linguagem da oração e do ensino religioso, mas também ao carácter e ao estilo da evangelização, que, como diz o recente Concilio, deve ser adaptada ao particular modo de pensar e de agir dos povos a quem é dirigida (cfr. Ad Gentes, nn. 16-18 etc.).

Se, no passado, um conhecimento talvez insuficiente das riquezas escondidas das diversas civilizações pôde dificultar a difusão da mensagem evangélica e dar à Igreja uma certa aparência estrangeira, compete a vós demonstrar que a Salvação, trazida por Jesus Cristo, é oferecida a todos, sem distinção de condições, nem ligação privilegiada com qualquer raça, continente ou civilização; e que, longe de querer abafar «o que há de bom no coração e na mentalidade dos homens, ou nos ritos próprios e culturas dos povos... » (Lumen Gentium, n. 17; cfr. Ad Gentes, n. 22), o Evangelho purifica-os, eleva-os e completa-os, para a glória de Deus. À semelhança de Jesus Cristo, que compartilhou a condição dos seus, também o homem da Ásia pode ser católico e permanecer plenamente asiático. Como declarámos o ano passado em África, se a Igreja deve ser, primeiro que tudo, católica, é legítimo e até mesmo para desejar um certo pluralismo na maneira de exprimir a fé comum, no mesmo Senhor Jesus Cristo.

E isto, Irmãos, é também o fundamento da particular responsabilidade: que tendes de continuar a anunciar Jesus Cristo aos homens da Ásia. Com efeito, ninguém melhor do que um asiático pode falar a um asiático. Ninguém melhor do que ele deveria saber haurir, nos tesouros de culturas tão ricas, os elementos para a edificação, na mesma Ásia, de uma Igreja una, católica, fundada sobre os Apóstolos e, contudo, diversa nos seus estilos de vida. Não devemos, porventura, mencionar, por exemplo, para louvor das vossas populações e conforto da vossa actividade pastoral, a predisposição natural dos Orientais para o mistério religioso, predisposição que parece ser um sinal profético da sua vocação à Revelação cristã?

Faltaria uma parte essencial à maturidade das vossas Igrejas particulares se, nelas, não desabrochassem vocações missionárias. E, pois, aos Bispos da Ásia, aos seus sacerdotes, aos seus religiosos e religiosas e aos seus leigos empenhados no apostolado, que compete serem os primeiros apóstolos dos seus irmãos da Ásia, ajudados pelos missionários estrangeiros, cujos merecimentos são tão grandes e cujo esforço, praza a Deus, possa prosseguir e intensificar-se, em nome daquela solidariedade inalterável, que incumbe sobre toda a Igreja neste domínio.

Um dos aspectos da adaptação actual da actividade missionária, que aliás sublinhámos na Nossa última Mensagem para o Dia Mundial das Missões, é a importância que ela atribui ao desenvolvimento. O Evangelho, que é a Boa-Nova anunciada aos pobres (cfr. Lc 4, 18), não é, porventura, fonte de desenvolvimento? A Igreja, consciente das aspirações humanas à dignidade e ao bem-estar, sofrendo com as desigualdades injustas que, não obstante tudo, subsistem e frequentemente se acentuam entre as nações e no interior das mesmas, embora respeite sempre a competência dos Estados, deve oferecer a sua ajuda para promover um « humanismo total», ou seja, o « desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens » (cfr. Populorum Progressio, n. 42). E uma consequência lógica da nossa fé cristã, que a Hierarquia das Filipinas recordou recentemente: «O Cristianismo e a democracia têm em comum um princípio básico — o respeito pela dignidade e pelo valor da pessoa humana e o respeito pelos meios exigidos, para que o homem possa por si mesmo alcançar a plenitude humana » (9 de Julho de 1970). É em nome deste princípio que a Igreja deve favorecer, do melhor modo possível, a luta contra a ignorância, a fome, a doença e a insegurança social. Colocando-se na vanguarda da acção social, deve envidar todos os esforços para apoiar, encorajar e suscitar as iniciativas dos que trabalham para a promoção integral do homem. Testemunha da consciência humana e, ao mesmo tempo, do amor divino para com os homens, ela deve tomar a defesa do fraco e do pobre contra as injustiças sociais.

Sabemos que já fizestes muito neste sentido, quer no campo dos estudos quer no da acção. Estamos convencido que, seguindo este caminho, estais a contribuir para a manutenção da paz. Como declarou ainda o Episcopado Filipino (1 de Maio de 1968), « a fé cristã e também a relação íntima que deve existir entre a promoção dos Direitos do Homem e o seu progresso sócio-económico constituem a verdadeira base de uma paz autêntica e duradoura ».

Ao ouvirmos a palavra « paz», como poderíamos deixar de dirigir o Nosso pensamento ao Senhor, para Lhe implorar que as populações, tão dolorosa e longamente provadas pela guerra, possam, finalmente, ter uma vida feliz e pacífica, na justiça e na dignidade?!

Pedimos, por fim, a Cristo, que faça com que esta viagem possa ser, para todos os povos da Ásia, a confirmação do convite que Ele lhes fez para aceitarem a Sua Mensagem, impregnada de verdade e amor, concebida por Deus para eles, para cada um deles, na sua própria língua, em harmonia com a sua civilização, como o povo das Filipinas a recebeu e continua a receber!

Que Maria, Mãe do Verbo feito carne e Mãe dos Apóstolos, presida, também, a este Pentecostes!

 



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